O mês mais quente da história

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A Administração Nacional para Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, e a Agência Europeia do Ambiente (AEA) divulgaram que julho de 2023 foi o julho mais quente da história. Dias mais quentes também foram alcançados no mesmo mês. Dias, semanas, meses e anos mais quentes vão ocorrer com mais frequência daqui em diante. Fica só a dúvida quanto ao marco inicial. Dia e mês mais quentes desde a origem do Universo? Desde a origem da Terra? Dos últimos mil anos? De 1850 em diante, quando as temperaturas globais começaram a ser registradas?

Se o marco for a história da Terra, a informação se torna vaga. Há mil anos, estaríamos em 1023. Nada existe sobre esse ano, que eu saiba, para tomá-lo como referência. O que se sabe – e isso foi bastante discutido no livro “Aquecimento global”, de Brian Fagan (São Paulo: Larrousse do Brasil, 2009) – é que, em 1023, o mundo atravessava um tempo secular de aquecimento global natural que permitiu o desenvolvimento da agricultura e do comércio na Europa ocidental, pelo menos. Havia muito menos habitantes no continente e no mundo em comparação à atualidade.

 A informação é vaga quanto ao marco de referência, embora não haja mais dúvida de que o clima está se aquecendo e provocando mudanças bastante perigosas para os humanos e para outras espécies. Existe algum caso no passado que possa servir de comparação? Existe. É o chamado “máximo térmico do Paleoceno-Eoceno”, ocorrido há cerca de 56 milhões de anos. O Mesozoico e os grandes dinossauros já estavam extintos. O grande aquecimento ocorreu já no Cenozoico, era em que vivemos.

A natureza liberou gás carbônico na atmosfera em quantidade semelhante à atual. As temperaturas médias do planeta se elevaram entre cinco e nove graus Celsius. Depois de um pico climático que durou 200 mil anos, as temperaturas globais começaram a decair em longa e lenta queda, que oscilava com rápidas elevações. Os níveis de oxigênio começaram a subir novamente, aumentando a diferença de temperatura entre o equador e os polos.

A liberação de gás carbônico e o aquecimento global de 200 mil anos provocaram a extinção de muitas espécies. Mas quem teria liberado tanto CO² na atmosfera? O carbono fóssil já existia, mas estava sob a terra e o mar. Ninguém o explorava. Ele era inútil para a vida microbiana e macrobiana da época. Sabe-se hoje que a atividade vulcânica foi extraordinária entre 58 e 56 milhões de anos passados. A liberação do gás carbônico foi intensa e causou o espessamento da estufa que protege a Terra, aumentando radicalmente as temperaturas. Esse máximo térmico (conhecido pela sigla PETM em inglês) assinalou o fim do Paleoceno e o início do Eoceno. Além do gás carbônico e da poeira lançados pelos vulcões, o aquecimento dos oceanos liberou metano retido no gelo, um poderoso gás que também contribui para o aquecimento global.

Esse evento foi estudado por Milutin Milanković, climatologista sérvio, na década de 1920, quando um cientista seria motivo de escárnio se afirmasse que a humanidade poderia causar mudanças climáticas globais. Em homenagem a ele, a alternância entre longos períodos de aquecimento e de esfriamento climáticos foram batizadas de Ciclos de Milanković. Durante o Pleistoceno, época que durou cerca de dois milhões de anos e antecede o Holoceno, época em que vivemos, houve a alternância de glaciações e tempos interglaciais. As temperaturas baixavam e congelavam a água dos mares, cujos níveis caíam radicalmente. Nos tempos interglaciais, as temperaturas se elevavam e derretiam o gelo. O nível dos mares subia.

 Até a constatação de que as temperaturas médias da Terra estão se elevando por ação humana, vários geólogos e paleontólogos entendiam que o Holoceno podia se tratar de um intervalo entre a última glaciação e a próxima. De fato, as temperaturas começaram a se elevar em torno de 12 mil anos antes do presente, permitindo a domesticação de plantas e animais, a cestaria, a tecelagem, a cerâmica, a metalurgia, a fundação de aldeias, vilas e cidades. Enfim, aquilo que orgulhosamente chamamos de civilização.

 Permitiu também a criação da economia de mercado, a expansão da civilização europeia pelo mundo, o desmatamento em larga escala, a utilização intensiva de carvão mineral, petróleo e gás, a invenção de veículos movidos com esses minerais, a produção excessiva de gás carbônico e de lixo e o consumo descontrolado da natureza. O esgotamento dos recursos naturais e a produção de lixo. A extinção de espécies e o desenvolvimento de uma economia que funciona como bumerangue.

Existem diferenças cruciais entre o máximo térmico do Paleoceno-Eoceno e o aquecimento global dos últimos duzentos anos. O primeiro durou 200 mil anos e foi lentamente produzido pela própria natureza. O segundo tem apenas dois séculos e vem sendo produzido pela ação coletiva de uma espécie (a nossa) no âmbito de um sistema econômico.