Rio Grande do Sul e Norte-Noroeste Fluminense

Por Arthur Soffiati

Arthur Soffiati / Divulgação

Algumas pessoas, nas redes sociais, têm encontrado semelhanças entre o território do Rio Grande do Sul e o da região Norte-Noroeste do Rio de Janeiro, manifestando temor de que ocorra aqui o que aconteceu lá. Algumas até me perguntaram se o norte-noroeste fluminense não seria outro Rio Grande do Sul.

Há semelhanças e dessemelhanças entre os dois territórios. No Rio Grande do Sul, a área mais alta – a serra gaúcha – situa-se ao norte, junto à fronteira com Santa Catarina. A região central apresenta altitudes medianas, enquanto que o sul situa-se quase ao nível do mar. Nessa parte baixa, ergueram-se Porto Alegre e Rio Grande. A costa do Rio Grande do Sul é reta. Entre o rio Mampituba, usado como fronteira entre o estado e Santa Catarina, e o arroio Chuí, formaram-se praias e uma larga restinga, que barra as saídas hídricas para o mar. Nesse trecho, o grande canal que comunica a lagoa dos Patos ao ambiente marítimo é a principal saída para o mar. As três, porém, são mantidas abertas com molhes que retêm areia transportada pelas correntes marinhas.

O território do norte/noroeste fluminense tem configuração semelhante. No interior, existe uma cadeia de montanhas altas. É Serra do Mar, com o nome local de Imbé. Ela apresenta elevadas altitudes até a margem direita do rio Paraíba do Sul. À sua frente, tanto na margem direita quanto na esquerda, ergue-se uma formação serrana baixa e muito antiga. No ponto médio da região, estende-se ainda, em grande parte entre a margem esquerda do rio Paraíba do Sul e a margem direita do rio Itapemirim, um terreno mais novo denominado Formação Barreiras ou simplesmente tabuleiros. Á sua frente, formou-se uma grande planície argilosa e arenosa. Entre os rios Itapemirim e Macaé, não existem formações pedregosas, nem no continente nem no mar. Essa é mais uma semelhança com o Rio Grande do Sul, embora em menor escala.

Quanto à drenagem fluvial do Rio Grande do Sul, dois sistemas hídricos se destacam: o do rio Uruguai, que corre de leste para oeste, servindo de fronteira com Santa Catarina e com a Argentina, e o rio Guaíba, que recebe vários rios do norte e do leste do estado, desembocando na grande lagoa dos Patos, que, por sua vez, tem contato permanente com o mar.

No norte/noroeste fluminense, o principal rio é o Paraíba do Sul. Ele recebe como afluentes principais os rios Pomba e Muriaé, que descem da zona serrana baixa, e os rios Dois Rios, do Colégio e Preto, que descem da zona serrana alta. Ao entrar na planície que ele construiu, suas águas correm superficialmente, na forma visível de um rio em área deltaica pela margem direita, e subterraneamente, ligando-se ao sistema Ururaí-lagoa Feia. Superficialmente, essa comunicação era feita por defluentes naturais, como os de Cacumanga, Cula, São Bento e Água Preta. Todos eles foram canalizados e continuam fazendo a ligação entre os dois sistemas.

Quanto à vegetação nativa, o Rio Grande do Sul contava com florestas e campos de altitude, na zona serrana, e campos do sul nas zonas médias e baixas. As florestas foram derrubadas e os campos nativos foram profundamente modificados pela agropecuária. No norte-noroeste fluminense, originalmente, a zona serrana alta era coberta (em parte ainda é graças ao Parque Estadual do Desengano) pela Mata Atlântica densa. A zona serrana baixa e os tabuleiros eram cobertos pela Mata Atlântica estacional. Essa formação foi toda removida pela agropecuária. A planície aluvial era muito úmida, permitindo apenas uma vegetação arbustiva e herbácea. Nas restingas, havia (em certos lugares, ainda há) uma vegetação de herbácea a arbórea. Tanto lá quanto cá, o desmatamento deixou o solo exposto à erosão. Os rios foram assoreados.

As diferenças entre Rio Grande do Sul e Norte-Noroeste Fluminense ficam por conta dos rios, em primeiro lugar. Lá a drenagem volumosa cabe aos rios Uruguai e Guaíba. Aqui, além do Paraíba do Sul, há outros rios que chegam ao mar, como o Itabapoana, o Guaxindiba, o Ururaí, pelo canal da Flecha, e o Macaé. A zona serrana alta e baixa fica próxima à costa, não permitindo a formação de rios longos e volumosos. A região também não é tão urbanizada como o estado do Rio Grande do Sul. E o mais importante: o norte-noroeste fluminense, embora sujeito às mudanças climáticas, não é porta de entrada de fenômenos climáticos excessivos. Campos não tem o porte de Porto Alegre.

Se quiserem uma semelhança maior entre as duas regiões, aponto o sistema Imbé-lagoa de Cima-Ururaí-lagoa Feia-canal da Flecha. Na enchente de 2008-2009, já esquecida por quase todos, a chuva volumosa precipitada sobre a serra alta do Imbé desceu por rios pequenos, ganhou a lagoa de Cima, seguiu pelo rio Ururaí (onde alagou a vila-bairro de mesmo nome), chegou à lagoa Feia e escoou muito lentamente para o mar pelo canal da Flecha. Enchentes como essa podem se repetir.