Por que proprietários de reservas naturais merecem mais atenção, respeito e valorização?

A existência e a boa gestão de áreas privadas destinadas à conservação devem passar a fazer parte das prioridades máximas, pois, sem elas, os prejuízos sociais e econômicos serão maximizados de forma incontrolável e sem resolução

Vista de drone da cachoeira Salto Morato, na Reserva Particular do Patrimônio Natural Salto Morato. Foto: Tales Azzi

Um mecanismo inovador criado no Brasil da década de 1990 passou a permitir que proprietários de áreas privadas criassem Unidades de Conservação validadas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação, que regulamenta esse tipo de destinação de áreas naturais, abrindo um espaço para todos que tenham interesse em perpetuar áreas naturais particulares para a finalidade de conservar a natureza. São as chamadas RPPNs (Reservas Naturais do Patrimônio Natural). Essa modalidade se apresenta possível no âmbito federal, mas também pode ser constituída a partir de alguns governos estaduais e, mais recentemente, por alguns municípios que também desenvolveram legislação pertinente. 

Ao longo de três décadas, em números recentes, o Brasil tem 1.859 RPPNs constituídas, perfazendo, aproximadamente, 835.600 hectares. No Paraná são 326, perdendo somente para o estado de Minas Gerais, com 377. Curitiba já apresenta 60 Unidades de Conservação privadas. Cria novas RPPNs de forma gradual todos os anos, demonstrando que esse tipo de uso de parte ou da totalidade de uma propriedade privada, tem cada vez mais adeptos. Dia 31 de janeiro é lembrado o Dia Nacional das RPPNs e a data exige reflexão.

Uma fração menor dessas unidades foram criadas por empresas, ao mesmo tempo em que representam as maiores áreas. Mas é na iniciativa de pessoas físicas, que, por diferentes motivos, estabelecem uma destinação de suas propriedades para a conservação, onde está uma demonstração mais fiel da compreensão do que significa uma atitude de interesse público, no seu mais alto grau. Esses cidadãos e cidadãs são um exemplo para toda a sociedade e cumprem um papel, ainda demonstrativo, de que é possível apoiar o poder público no sentido de reverter o processo continuado de degradação dos Biomas brasileiros, que vêm sendo destruídos. 

Em grande parte, os estímulos para a criação das RPPNs, embora enfatizados pelos órgãos governamentais como algo de grande importância, são ínfimos e, portanto, nada atrativos. Esse fator demonstra que, na maioria dos casos, a criação dessas Unidades de Conservação parte de motivações desconectadas de qualquer interesse financeiro, até porque ainda hoje as áreas naturais remanescentes são vistas pela sociedade como improdutivas e sem valor. O exemplo de Curitiba representa um diferencial bastante interessante, pois o potencial construtivo de áreas destinadas a se transformar em RPPN – Municipal podem receber como retorno da iniciativa a comercialização dos metros quadrados para serem utilizados por incorporadoras para ampliar a construção de áreas já degradadas.

O pequeno município de Extrema, em Minas Gerais, representa o caso mais longevo de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), reconhecendo, há mais de 30 anos, o papel dos  produtores de água, que são proprietários que mantêm suas nascentes e outras áreas adjacentes bem preservadas. No entanto, não podem ser considerados representativos desses casos ainda esporádicos de boas práticas e visão de futuro. Curitiba, Extrema e mais um punhado singelo de casos que merecem aplausos, não vêm proporcionando a implantação de políticas públicas mais abrangentes e que permitam uma contaminação generalizada de práticas desta natureza. O tema ainda se aloja, de forma resistente, no campo das promessas das diferentes instâncias de governo.

Reserva Particular do Patrimônio Natural Aves Gerais, em Minas Gerais, protege quase dois hectares. Foto: Lucas Carrara/Wikiparques.

Passados esses primeiros anos, pode-se afirmar que as RPPNs são um enorme sucesso em termos de iniciativas inovadoras para a conservação da natureza. Ao mesmo tempo, o incremento de eventos extremos causados pelas mudanças climáticas e pela perda da biodiversidade, permitem avanços significativos na mudança de percepção dos diversos atores da sociedade em relação ao papel das áreas naturais conservadas. O patrimônio natural que permite a provisão de serviços ecossistêmicos, que são inúmeros, representa um ativo econômico que cada vez mais necessita de um reconhecimento como um espaço “produtor de natureza”, gerando ativos fundamentais para manter a qualidade de vida e a prosperidade de atividades econômicas. 

A existência e a boa gestão de áreas públicas ou privadas destinadas à conservação, sejam elas Unidades de Conservação ou não, devem passar a fazer parte das prioridades máximas e em nosso processo de desenvolvimento, pois, sem elas, os prejuízos sociais e econômicos, que já se mostram presentes no nosso dia a dia, serão maximizados de forma incontrolável e sem resolução. O advento dos créditos de biodiversidade, produto que vem sendo parte de discussões aceleradas em várias partes do mundo, representa um elemento efetivamente qualificado para incorporar o custo da natureza em todos os negócios.

Um dos mecanismos privados mais relevantes em âmbito internacional surgiu faz alguns anos aqui no Brasil, a partir do desenvolvimento de uma metodologia que permite, de forma robusta e qualificada, mensurar o impacto não mitigável de negócios, de qualquer porte ou ramo de atividade, indicando uma ação voluntário compatível, no suporte a ações de conservação da natureza, preponderantemente na proteção de áreas naturais. A métrica utilizada nesta metodologia proporciona condições de alinhar os impactos dos negócios com medidas na mesma proporção na forma de proteção da natureza, um elemento fundamental para garantir a incorporação deste tipo de prática na gestão ambiental corporativa. O Instituto LIFE (www.institutolife.org) que já conta com várias empresas certificadas, é uma acreditadora capaz de oferecer soluções consistentes para agentes públicos e privados que estejam em busca de um posicionamento efetivo frente à nova realidade presente. 

A geração de créditos de biodiversidade é uma das possibilidades oferecidas por este novo mecanismo, permitindo que proprietários de RPPNs, por exemplo, avaliem o real valor em termos de conservação de suas áreas e ofereçam esses créditos a corporações interessadas em agregar valor aos seus negócios, recebendo um retorno financeiro pelo serviços que prestam à sociedade. Mais abrangente do que ferramentais mais convencionais, que são focadas em elementos específicos como água ou carbono, uma avaliação do conjunto dos serviços ecossistêmicos oferecidos por ações variadas no campo da conservação se mostra como um elemento de vanguarda que, no entanto, precisa ser expandido de forma ambiciosa e sem mais perda de tempo.

Considerando o valor excepcional das demonstrações de compromisso com a conservação realizadas pelos proprietários que criaram suas RPPNs, é evidente que o encadeamento de iniciativas que projetam a aplicação de práticas de reconheçam o valor da produção de natureza de áreas naturais bem conservadas, devem ser foco de atendimento prioritário e na escala correspondente. E estas medidas precisam seguir com máxima agilidade com uma ampliação de iniciativas capazes de reverter o quadro presente. 

Não há mais justificativas que se sustentem na falta de conhecimento ou falta de iniciativas demonstrativas de sucesso. Elas já existem e estão disponíveis para sua aplicação em grande escala. Ou assumimos uma posição intransigente que permita uma verdadeira mudança de cenários, com a incorporação qualificada dada conservação da natureza na agenda dos negócios e das políticas públicas governamentais, ou seguiremos fazendo investimentos emergenciais desbaratados, sem resultados adequados, para custear as mazelas sociais e econômicas crescentes causadas por nossas próprias ações, passadas e presentes, em prol do desequilíbrio na natureza.