O desafio do lixo eletrônico para os futuros engenheiros de computação

Na disciplina Química Tecnológica e Ambiental, experiências do mundo real sobre coleta e descarte de produtos eletrônicos mostram os avanços de governos, empresas e sociedade civil diante de um grave problema mundial

A produção de lixo eletrônico cresce cinco vezes mais rapidamente do que a taxa de reciclagem adequada, alerta a Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2022, foram produzidas 62 milhões de toneladas no mundo e apenas 22% foram recicladas. Para piorar, embora representem 2% do lixo gerado no mundo, as sobras de produtos eletrônicos liberam 70% dos resíduos tóxicos que chegam aos aterros sanitários, onde não deveriam estar. O impacto socioambiental é imenso.

A disciplina Química Tecnológica e Ambiental (QTA), do curso de Engenharia de Computação do Insper, segue empenhada em apresentar aos estudantes os desafios de tratar o lixo eletrônico. Neste semestre, um dos convidados foi Diego Mutta, gerente de operações para circularidade da HP Brasil, que mostrou as diferentes iniciativas da empresa com descarte de resíduos eletrônicos.

Em 2010, foi instituída a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), estabelecendo uma série de metas e responsabilidades no tratamento de resíduos e rejeitos até 2014. Esse marco legal era um avanço na política de resíduos no Brasil, e novas startups preparavam-se para a mudança que viria quando todas as empresas precisassem se enquadrar na regulamentação de lixo eletrônico.

No entanto, por pressão dos prefeitos, os prazos em relação ao descarte de lixo foram prorrogados para 2018 a 2021 (conforme o porte do município) e, posteriormente, para 2021 a 2024. Diante da incerteza jurídica, aquele mercado promissor foi minguando, até diversas empresas fecharem as portas. “A experiência dessas startups de coleta de lixo eletrônico é um clássico exemplo no qual o desafio não é técnico, é isso é sempre muito iluminador para os alunos de Engenharia”, afirma Paulina Achurra, professora de QTA. “Não é a falta de tecnologia adequada, mas o poder político e econômico que nos ajudam a entender a situação atual.”

Um dos maus hábitos dos brasileiros é imaginar que o tratamento está resolvido desde que o lixo esteja da porta para fora, recordaram os estudantes Ellen Coutinho Lião da Silva e Rafael Dourado Bastos de Oliveira. “O lixo contribui para a contaminação dos lençóis freáticos e a poluição em escala mundial e, quando restringimos o escopo ao lixo eletrônico, observa-se maior magnitude em impacto ambiental para os metais pesados contidos em componentes eletrônicos, sendo essencial que tais componentes sejam tratados de forma adequada”, diz Ellen.

Logística reversa

Diego Mutta, da HP Brasil, expôs como a filial brasileira conseguiu avançar na gestão do lixo eletrônico. Uma das iniciativas é a participação no ecossistema Sinctronics, o centro de inovação tecnológica criado pela indústria norte-americana de produtos tecnológicos Flex, com fábrica em Sorocaba, no interior de São Paulo. O Sinctronics faz a logística reversa dos resíduos, desmonta os equipamentos depositados em caixas coletoras, separa os materiais por propriedades e reinsere no ciclo industrial o que pode ser reaproveitado.

Segundo Paulina, foi muito interessante os alunos ouvirem de uma empresa reconhecida mundialmente como a HP as motivações para as iniciativas empresariais de sustentabilidade, que transcendem os interesses econômicos. “Para muitos, foi uma surpresa ouvir que existem investidores que cobram das empresas um comportamento mais sustentável e que não vão investir se esses compromissos não forem cumpridos”, diz Paulina.

Mutta apresentou exemplos de mudanças que têm acontecido dentro da HP para atingir metas internas de sustentabilidade, entre as quais, redesenhar produtos para facilitar a recuperação de partes e reciclagem, produzir mais de um produto por fábrica (o que facilita o reaproveitamento de materiais) e integrar cooperativas na cadeia de suprimento de materiais. O modelo de fábrica não especializada se mostrou mais adequado às exigências do acordo setorial de logística reversa assinado por governo federal e fabricantes de eletroeletrônicos – a HP precisa reciclar o equivalente a 17% da quantidade de aparelhos eletrônicos que vende no Brasil, não necessariamente produtos da marca.

Uma das iniciativas da HP é o Programa de Reciclagem Condomínio Consciente, no qual a empresa disponibiliza pontos de coleta em condomínios residenciais e recolhe qualquer eletrônico depositado. Um sensor instalado nas caixas coletoras avisa quando 70% da capacidade total é preenchida, evitando viagens desnecessárias para coleta. “Seria incrível contar com um ponto de coleta de lixo eletrônico no Insper, semelhante ao da HP”, diz Paulina. “Os alunos não sabem como dar descarte apropriado aos seus eletrônicos e sempre vão ao laboratório pedir ajuda. Receberíamos, se pudéssemos receber, mas infelizmente não conseguimos. Quem sabe nasce uma parceria desta vista?”

Em países com exigência de 30% de reciclagem, por exemplo, são necessários outros métodos de coleta. Na opinião da aluna Beatriz Rodrigues de Freitas, que assistiu aos dois encontros, o método de coleta no Brasil foi escolhido para permitir o cumprimento da legislação, pois uma percentagem mais alta significaria maior esforço e dinheiro. “Acredito que o papel dos consumidores é exigir uma legislação mais eficiente no país, que cobre das empresas uma maior percentagem de reciclagem do lixo eletrônico”, diz Beatriz. “Além disso, é importante os consumidores estarem cientes do problema, descartarem corretamente os produtos e comprarem de empresas que realizam a reciclagem.”

Recursos escassos

Paulina observa que cerca de 20% do lixo eletrônico mundial tem descarte adequado. O que é feito dos 80% restante? Na disciplina QTA, aprende-se sobre o fluxo de transporte ilegal dos produtos descartados para países menos desenvolvidos, como Gana, Nigéria e Índia, e as consequências da falta de informação e preparação das pessoas em relação ao manuseio adequado de materiais tóxicos presentes nestes produtos. Drama que se repete no Brasil, onde meros 3% do lixo eletrônico recebem destinação correta, causando danos ao meio ambiente e à saúde da população. Somam-se ainda o desperdício de recursos naturais escassos e a venda ilegal de produtos usados como novos – e os consequentes riscos de acidentes.

Com a visão das dificuldades das empresas, o encontro ajudou os alunos a compreender a dimensão do problema e as oportunidades abertas pela gestão do lixo eletrônico. “A HP mostrou que já há uma cobrança dos investidores e do governo dos países em relação ao descarte dos eletrônicos”, afirma Beatriz. “A implementação da legislação brasileira que cobra das empresas parte da reciclagem do lixo eletrônico demorou vários anos, uma vez que houve várias negociações do governo com as empresas. E, na minha opinião, com uma percentagem baixa de reciclagem.”

Para Ellen, embora as indústrias sejam os principais contribuintes, os consumidores e os engenheiros de produto também têm responsabilidade. “Os cidadãos precisariam descartar seus produtos adequadamente em pontos de coleta, e os engenheiros deveriam projetar produtos modulares, de fácil reparo e com materiais reciclados”, diz Ellen. A colega Beatriz concorda: “Acredito que, como futuros profissionais, nosso papel é pensar em reduzir a quantidade de lixo eletrônico que será produzida e facilitar a reciclagem dos produtos ainda no processo de design dos eletrônicos. Além de oferecer opções confiáveis de reciclagem aos consumidores”.