O abuso nosso de cada dia

Maíra Santafé

Quando se fala em violência às mulheres, logo vem a imagem de uma mulher com hematomas no rosto. Mas a violência física não é a única forma de violência e nem a mais comum.

A lei Maria da Penha, sancionada em agosto de 2006, prevê outros tipos de violência:
Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.*¹

A violência psicológica, ou abuso emocional, é a mais comum e, certamente, a menos denunciada. A vítima, muitas vezes, não percebe que está sofrendo o abuso ou demora a perceber e, quando se dá conta, já está com a autoestima tão abalada, que não encontra forças para denunciar. Não é raro a vítima de violência psicológica entrar em depressão. Este tipo de abuso tem muitas definições, mas é mais bem caracterizado por padrões típicos de comportamento e dinâmica de relacionamento. Algumas formas são:

Gaslighting é uma forma de abuso psicológico no qual informações são distorcidas, seletivamente omitidas para favorecer o abusador ou simplesmente inventadas com a intenção de fazer a vítima duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade.
Manterrupting – a palavra junta man (homem) e interrupting interrupção), ou seja, é o ato masculino de interromper constantemente uma mulher, mandá-la se calar, falar por cima. Este é um comportamento muito comum em reuniões e palestras. Elas falam, eles falam por cima, elas se calam.

Bropriating – Bro (termo curto para brother, irmão) e appropriating (apropriação) juntos para expressar a ideia que o homem se apropria de uma ideia de uma mulher e a apresenta como se fosse sua. Ele tem confiança com ela para se apropriar da ideia e faz com o consentimento do público que tem em redor, depois de ter repetido exatamente o que foi dito inicialmente pela mulher.

Mansplainning – A expressão é uma junção de man (homem) e explaining (explicar). É quando um homem fala com uma mulher didaticamente, como se ela não fosse capaz de compreender, para explicar o evidente: o céu é azul, o carro arranca em primeira, etc. O mansplaining chega a servir também para tentar demonstrar que a mulher está errada, numa matéria que domina mais do que o homem. Ele apresenta fatos errados, mas encadeados de forma lógica para desconstruir a argumentação dela.*²
Existem, no Facebook, algumas páginas e grupos de apoio às mulheres que sofrem qualquer tipo de violência. Destaco a página Livre de Abuso e o grupo secreto (só membros podem ver o conteúdo) Coletivo Escarlate, que só aceita mulheres como membros; várias páginas podem ser encontradas, também, na Internet. Algumas ajudam a vítima a se perceber em situação de abuso, inclusive.

Além de grupos de apoio virtuais, existe o telefone 180, criado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), em 2005, para servir de canal direto de orientação sobre direitos e serviços públicos para a população feminina em todo o país (a ligação é gratuita), além de ser um canal de denúncia de violência. Vale lembrar que qualquer pessoa pode denunciar, não precisa ser só a vítima.

É preciso, ainda, que as delegacias da mulher estejam preparadas para receber e acolher as vítimas, de preferência com agentes do sexo feminino. Algumas vezes a mulher não se sente acolhida quando atendida por um homem e, muitas vezes, o agente não está preparado para receber uma vítima de abuso.

A sociedade, em geral, insiste em culpabilizar a vítima pelo abuso sofrido. Relativizam a culpa do agressor, com colocações como a roupa que ela estava vestindo, a hora que estava fora de casa, se bebeu muito ou não, entre outros tantos absurdos que foram banalizados pela socialização machista que todas e todos tivemos.

É muito importante que a mulher que sofre qualquer tipo de abuso procure ajuda profissional, para que consiga sair da situação e se recuperar emocionalmente, além de buscar grupos de apoio sugeridos em parágrafo anterior.

Maíra Santafé, do Coletivo Escarlate – Centro de Lutas das Mulheres

*¹ LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006 – Lei Maria da Penha

*² “O Machismo Também Mora nos Detalhes“, Think Olga (ONG feminista, criada em abril de 2003)