Análise de Luiz Marques, professor livre-docente do Departamento de História do IFCH /Unicamp.
Nos últimos anos, não passa semana sem que a comunidade científica traga novos fatos e projeções sobre o agravamento e a aceleração das multiformes crises ambientais de nosso tempo. Desde 2015, a revista The Environmental Research Letters publicou uma série de 22 artigos sobre a complexa questão da magnitude da resposta do clima às emissões cumulativas de gases de efeito estufa [1]. Ao publicarem em janeiro de 2018 uma “Revisão e Síntese” desses trabalhos, seus autores resumem mais uma vez, na conclusão, o consenso científico sobre o que está em jogo nas mudanças climáticas em curso [2]:
“A civilização global jamais enfrentou um desafio ambiental com tamanho potencial para consequências catastróficas como o desafio colocado pelo aquecimento global. As taxas de mitigação não estão ainda nem próximas do que seria necessário para evitar mudanças climáticas perigosas, e é igualmente fato que ao longo das últimas décadas o esforço de mitigação entre as nações oscila entre o tateante e o inexistente. Além disso, o clima político em vários países permanece atolado no debate sobre a realidade do próprio aquecimento global”.
E arrematam: “A questão de saber se seremos capazes de atingir as metas firmadas no Acordo de Paris não é uma questão científica”.
Têm razão, os autores. A questão da capacidade das sociedades de atingir essas metas não é uma questão científica. É uma questão ao mesmo tempo individual e política. No plano da percepção e conduta individuais, trata-se de tomar decisões baseadas na consciência de que a economia é um subsistema da natureza, e não o contrário, como pensam os que nela enxergam apenas matéria-prima. Dessa consciência decorre um programa mínimo e inadiável de decisões individuais: consumir o estritamente necessário, evitar o uso de plásticos, produzir menos resíduos e separá-los para a reciclagem, não comer carne ou peixe ou comer sempre menos, alimentar-se à base de produtos locais e sem agrotóxicos. O que é bom para o planeta é bom para nós, como indivíduos, física e moralmente. No plano da cidadania, impõe-se declarar guerra política frontal e total aos que lucram com a destruição dos alicerces da vida no planeta, nomeadamente o agronegócio desmatador e asmegacorporrações da agroquímica que o controlam, o Big Food e todo o complexo industrial-financeiro ligado à mineração (em particular de combustíveis fósseis) e às grandes represas, destruidoras de rios e grandes emissoras de metano. O que é bom para a elite que lucra com esse modelo econômico agropecuário e termo-fóssil, é letal para as nossas sociedades e para as demais espécies.
Soluções, portanto, existem, ainda estão ao nosso alcance e são tão claras quanto difíceis, sobretudo em âmbito político. E como exigem que saiamos de nossas zonas de conforto, é mais fácil negá-las ou travesti-las de soluções fáceis, o que resulta em dois tipos de negacionismo. Há os que negam descomplexadamente os fatos e a ciência. Representantes emblemáticos dessa posição são, nos EUA, o Partido Republicano, que Noam Chomsky definiu como “a mais perigosa organização da história humana” [3] e, no Brasil, o ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo. Enquanto Donald Trump afirma que “o conceito de aquecimento global foi criado por e para a China no intuito de tornar a indústria dos EUA não competitiva”, Aldo Rebelo afirma em uma carta aberta dirigida a Marcio Santilli que [4]:
“O cientificismo positivista que você opõe à minha devoção ao materialismo dialético como uma ciência da natureza não terá o condão de me converter à doutrina da fé que é a teoria do aquecimento global, ela sim incompatível com o conhecimento contemporâneo. Ciência não é oráculo. De verdade, não há comprovação científica das projeções do aquecimento global, e muito menos de que ele estaria ocorrendo por ação do homem e não por causa de fenômenos da natureza. (…) O chamado movimento ambientalista internacional nada mais é, em sua essência geopolítica, que uma cabeça de ponte do imperialismo”.
Por obtuso e cínico que seja, esse primeiro tipo de negacionismo é eficiente porque se associa a uma verdadeira engrenagem de desinformação de massa, financiada por corporações que controlam órgãos da grande imprensa e mesmo alguns cientistas, tal como Wei-Hock (Willie) Soon, vinculado ao prestigioso Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics [5].
O segundo tipo de negacionismo, dirigido a um público mais informado, é sem dúvida mais sofisticado e também mais mistificador. Sem negar de modo pueril as crises ambientais e seu caráter antropogênico, ele se desdobra em contorcionismos conceituais no intuito de (se) vender duas ilusões: (1) temos tempo, pois o desastre não é iminente; (2) a causa do desastre não é a máquina de acumulação de capital, ou seja, o próprio capitalismo, mas suas distorções e desvios de conduta. De onde se segue que a tecnologia, a diplomacia e o mercado, guiado por lideranças corporativas “responsáveis” e encorajado por subsídios à transição energética e doses crescentes de carbon tax (desde que, naturalmente, não inibam o crescimento…), serão capazes de corrigir gradualmente a rota e nos desviar a tempo da catástrofe.
Essas pílulas ansiolíticas de “desenvolvimento sustentável” são música para os ouvidos dos que, diante da “imensa angústia” (huge anxiety) a que se referiu Christiana Figueres em seu discurso no último Fórum Econômico Mundial em Davos [6], preferem a retórica tranquilizante à ciência e à responsabilidade pessoal e política. A miragem de uma descarbonização acelerada da economia e o sonho de que os signatários do Acordo de Paris não apenas cumprirão suas lindas promessas de redução das emissões de GEE, mas aumentarão sua ambição a cada cinco anos, são parte essencial dessa psicoterapia do autoengano.
Statements for the Record
Um traço comum a esses dois tipos de negacionismo é o automatismo com que ambos desqualificam e condenam ao descrédito o “catastrofismo” dos alertas da comunidade científica. O inteiro arco ideológico do negacionismo é, contudo, frontalmente desmentido e desmascarado quando o aviso de incêndio é acionado pelos próprios serviços de repressão e de inteligência do establishment governamental.
Tomemos os relatórios apresentados anualmente desde 2006 à Comissão de Inteligência do Senado dos EUA pelo aparato policial e de inteligência dos EUA. Até 2012, as sucessivas edições desses documentos, intitulados Statement for the Record. World Threat Assessment of the U.S. Intelligence Community (Declaração para Registro. Avaliação das Ameaças Globais pela Comunidade de Inteligência dos EUA), nem sequer mencionavam questões relativas às mudanças climáticas e às crises ambientais em geral. Mas a partir de 2013, esses documentos revelam uma crescente percepção do perigo. A parte não secreta (unclassified) do último Statement foi lida no último dia 13 de fevereiro no Senado, com o endosso e a presença perfilada de Christopher Wray, Mike Pompeo, Daniel Coats, Robert Ashley, Michael Rogers e Robert Cardillo, diretores, respectivamente, do FBI, da CIA, da National Intelligence, da Defense Intelligence Agency, da National Security Agency e da National Geospatial Intelligence Agency. Eis o que afirma esse documento, assinado por Daniel Coats, diretor da National Intelligence, nas seções intituladas Ambiente e Mudanças Climáticas, Deslocamentos humanos e Saúde:
“Os impactos das tendências de longo prazo em direção a um clima mais quente, mais poluição, perda de biodiversidade e escassez de água reforçarão provavelmente o descontentamento econômico e social – e possivelmente a revolta – em 2018.
– Os últimos 115 anos foram o período mais quente na história da civilização moderna e os anos recentes foram os mais quentes já registrados. Eventos meteorológicos extremos em um mundo mais quente têm o potencial de causar maiores impactos e podem se associar a outros fatores para aumentar o risco de desastres humanitários, conflitos, escassez de água e alimentos, migrações em massa, penúria de empregos, choques de preços e quedas de energia elétrica. As pesquisas não identificaram indicadores de pontos críticos nos sistemas climáticos sugerindo possibilidades de mudanças climáticas abruptas.
– A piora da poluição atmosférica por causa de incêndios florestais, da incineração de resíduos agrícolas, urbanização e rápida industrialização – com crescente preocupação pública – pode suscitar protestos contra as autoridades, tais como os ocorridos recentemente na China, Índia e Irã.
– A aceleração da perda de biodiversidade e da extinção de espécies – causada por poluição, aquecimento, sobrepesca e acidificação oceânica – ameaçarão ecossistemas vitais que dão crucial suporte aos sistemas humanos. Recentes estimativas sugerem que a taxa atual de extinção de espécies é 100 a 1.000 vezes maior que a taxa natural de base.
– Escassez de água, associada a falhas na gestão de acordos de gestão cooperativa em cerca de metade das bacias hidrográficas internacionais no mundo todo, bem como novos represamentos unilaterais, devem, provavelmente, elevar as tensões entre os países.
– Deslocamentos globais quase certamente permanecerão próximos do recorde durante o próximo ano, aumentando o risco de surtos de doenças, recrutamento por grupos armados, revolta política e produtividade econômica reduzida. Conflitos impedirão muitos refugiados no mundo todo e pessoas deslocadas em seus próprios países de retornar à casa.
– A frequência e diversidade de surtos de doenças aumentaram a uma taxa contínua desde 1980, provavelmente reforçada pelo aumento da população, padrões de viagens e de comércio e urbanização rápida.
– O aumento da resistência a antibióticos, a habilidade de patógenos – incluindo vírus, fungos e bactérias – a resistir a tratamentos farmacêuticos, deve provavelmente superar o desenvolvimento de novas drogas, levando a infecções que não serão mais tratáveis.
– As áreas afetadas por doenças transmissíveis por vetores, inclusive o dengue, devem provavelmente se expandir à medida que mudanças nos padrões climatológicos aumentarem o alcance dos insetos.
– O Banco Mundial estimou que uma grave pandemia global de gripe pode custar o equivalente a 4,8% do PIB mundial – mais de US$ 3 trilhões – e causar mais de 100 milhões de mortes”.
Obviamente, ao descrever esses efeitos em curso ou previstos, esses serviços de Inteligência não mencionam suas causas. Apenas alertam aos que os causam que há problemas políticos crescentes à frente: “As respostas políticas a tais questões tornar-se-ão mais difíceis – especialmente para as democracias – à medida que a população torna-se mais cética em relação às fontes de informação governamentais”.
As advertências do Pentágono e do Ministério da Defesa dos EUA
Se os termos em que se exprimem esses registros do aparato policial e de inteligência dos EUA são cada vez mais incisivos, sua mensagem geral não é nova nos meios militares e governamentais desse país. Há 30 anos, em 1988, James Hansen testemunhou diante do Senado dos EUA sobre a evidência das mudanças climáticas. Em 2004, Andrew Marshall, diretor do Office of Net Assessment (ONA) do Departamento de Defesa dos EUA, encomendou um relatório cujas conclusões sublinhavam que “um cenário de iminente e catastrófica mudança climática é plausível e desafiaria a segurança nacional dos EUA num modo que deve ser imediatamente considerado” [7]. Em 2012, Leon Panetta, então Secretário de Defesa dos EUA, admitiu que “a questão das mudanças climáticas tem um impacto dramático sobre a segurança nacional, da elevação do nível do mar às secas graves, ao degelo das calotas polares, a desastres naturais mais frequentes e devastadores” [8]. Um mais recente relatório do Pentágono, intitulado 2014 Climate Change Adaptation Roadmap, volta a alertar [9]:
“Temperaturas globais em alta, mudanças nos padrões de precipitação, elevação dos níveis do mar e eventos meteorológicos mais extremos intensificarão os desafios da instabilidade global, fome, pobreza e conflito. Esses fenômenos provavelmente provocarão escassez de alimentos e água, pandemias, conflitos sobre refugiados e recursos, e destruição por desastres naturais no mundo todo”.
Como se vê, alertas não faltam ao capitalismo, provenientes de sua própria burocracia policial, militar e de inteligência. O que lhe falta é a percepção de que, tal como Édipo em Tebas, a causa da peste a ser conjurada não é outra senão ele próprio.
Em Davos, o capitalismo late para o espelho
O mesmo ocorre nos últimos encontros do Fórum Econômico Mundial de Davos. Há animais dotados de autoconsciência e de senso de individualidade, o que lhes permite reconhecer sua própria imagem ao espelho. Não é o caso do capitalismo em geral e, em particular, dos milionários que miram em Davos o mundo por eles criado à sua imagem especular mas nele não se reconhecem. É que, tal como a de uma personagem de Guimarães Rosa, em Tutameia, essa imagem é “feia, de se ter pena do espelho”.
A 13ª edição do The Global Risks Report 2018 de Davos é a primeira a incluir uma seção intitulada “Choques Futuros”, que sublinha, nas palavras de Klaus Schwab, fundador e diretor-executivo do Fórum, “a importância de estar preparado não apenas para os riscos familiares e de desenvolvimento lento (familiar slow-burn risks), mas para rupturas dramáticas que podem causar deterioração rápida e irreversível nos sistemas dos quais dependemos” [10]. O primeiro desses choques, segundo esse relatório, é a possibilidade de “Rupturas de estoque que ameaçam a suficiência alimentar global”. O texto afirma:
“Em um mundo de tensões ambientais crescentes, nosso sistema alimentar cada vez mais complexo está se tornando mais vulnerável a choques repentinos de oferta. A interação entre fatores desestabilizadores, tais como eventos meteorológicos extremos, instabilidade política e pestes agrícolas, pode resultar em uma quebra simultânea de colheitas em regiões-chave de produção de alimentos, provocando escassez global e picos de preços. O risco de uma quebra sistêmica poderia ser ainda mais elevado por fragilidades mais amplas, incluindo a redução da diversidade de culturas, a competição pela água de outros setores e as tensões geopolíticas”.
Outro choque para o qual esse documento alerta é o colapso dos cardumes:
“Um terço de todos os peixes consumidos no mundo são pescados ilegalmente. Tecnologias de Inteligência artificial e drones são cada vez mais comuns. Acrescente a esses fatos a automação da pesca ilegal e os impactos sobre os estoques de peixes podem ser devastadores – particularmente nas águas internacionais, onde a fiscalização é mais fraca. Existem inúmeras outras áreas onde a mesma lógica pode se desdobrar: grandes incentivos de curto prazo podem levar ao uso de tecnologias emergentes de forma a desencadear danos irreversíveis a longo prazo. Um rápido colapso dos estoques de peixes pode gerar falhas em cascata nos ecossistemas marinhos”.
Mais uma vez, o capitalismo late para o espelho, pois é incapaz de perceber que, como afirma Horácio, de tua res agitur, de ti o assunto trata. De fato, aqui não se lê palavra sobre as causas desse choque: uma indústria da pesca dominada por corporações que lucram com a escassez crescente dos cardumes e uma agropecuária dominada pela agroquímica, produtora de soft commodities globais e não de alimentos, despreocupada com a biodiversidade e com a autossuficiência alimentar dos territórios, funcionando à base de exploração insustentável do solo e da água, além de dependente de uso crescente de agrotóxicos e de fertilizantes industriais.
O capitalismo não é capaz de conservar o mundo que o nutre
Num artigo publicado no site do último Fórum Econômico Mundial de Davos, Johann Rockström, diretor do Stockholm Resilience Centre, escreve:
“Não posso lhes dar uma data precisa, mas em algum momento nos últimos dois anos o mundo atravessou um limiar, e a ação incremental sobre as mudanças climáticas saiu do menu. Agora, para manter temperaturas abaixo de 2 °C, precisamos de ação exponencial. A Terra está agora 1,1 ℃ mais quente devido às nossas emissões de gases de efeito estufa, e a mais recente avaliação científica, apresentada na revista Geophysical Research Letters, sugere que, se removermos toda a poluição do ar, que ameaça a vida, tal como fuligem, sulfatos e nitratos, alguns dos quais diminuem as temperaturas, essa remoção elevaria as temperaturas globais entre mais 0,5 °C e mais 1,1 °C. A mensagem é terrível. Um mal global – o aquecimento global – está sendo camuflado por outro mal global, a poluição do ar. Este é um lembrete de que estamos realmente muito atrasados na solução da questão atmosférica”.
Portanto, mesmo que nenhum grama de GEE fosse emitido a partir de hoje (mas estamos emitindo 41 Gt GtCO2 e 53,4 GtCO2-eq ao ano, e crescendo!), já estaríamos condenados a um aquecimento global médio entre 1,6 ℃ a 2,2 ℃ acima do período pré-industrial. A meta central do Acordo de Paris – manter o aquecimento médio global o mais próximo possível de 1,5 ℃ – já foi pulverizada pelo aquecimento camuflado pela poluição. Para evitar aquecimentos ainda maiores, e definitivamente arrasadores, é preciso a ação exponencial reclamada por Rockström. Mas ela é impossível no âmbito do capitalismo. Prova suplementar dessa evidência é a clarividente percepção de Mark Carney, diretor do G20 Financial Stability Board, citado por Rockström: “Quando as mudanças climáticas tornarem-se um perigo claro e presente para a estabilidade financeira, poderá ser já tarde demais para estabilizar a atmosfera em 2 ℃” [11].
Os negacionistas soft procuram se tranquilizar com a ilusão de que a solução já está a caminho na forma de uma grande transição energética em direção às energias renováveis e de baixo carbono. Esquecem (?) que as energias renováveis e de baixo carbono não estão substituindo os combustíveis fósseis. Estão apenas ajudando a satisfazer a crescente e insaciável sede de energia do capitalismo. A dinâmica das mudanças climáticas em curso nada tem a ver com a crescente quantidade de gigawatts gerada por energias mais limpas. Ela é função das concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa emitidos pela queima de combustíveis fósseis. Ora, a queima desses combustíveis continua crescendo e, consequentemente, também as emissões dela resultantes, e não há uma única projeção à vista de que se estabilizem, e muito menos diminuam, num futuro discernível. Se nossas sociedades desejam conservar uma chance razoável de manter o aquecimento médio global abaixo do nível considerado “catastrófico” (+3 ℃), elas devem começar a diminuir essas emissões de GEE dentro de três anos e, em seguida, proceder a um carbon crunch, isto é, diminuí-las pela metade a cada decênio, aproximando-se de zero até 2040 (a “ação exponencial” evocada por Rockström). Essa “lei do carbono” foi reiterada mais uma vez por Christiana Figueres aos seus milionários em Davos [12]:
“Podemos dirigir toda a nossa tecnologia, todo nosso engenho para fazer isso. Se não o fizermos, o sofrimento humano, o custo humano – sem falar na natureza – é francamente inaceitável, intolerável, irresponsável e jamais nos perdoaremos como sociedade humana que tenhamos deixado isso acontecer”.
A semeadora lançou palavras ao vento. Não é nessa audiência de ouvidos de mercador que as sementes de sua mensagem germinarão. Nenhum dirigente presente em Davos, nem menos Angela Merkel, que passa por campeã da transição energética (a tão alardeada Energiewende), pode exibir alguma coerência entre propaganda e ação. Seu governo abandonou suas metas de redução de GEE para 2020 e a realidade pura e dura é que desde 2009 as emissões da Alemanha estacionaram na casa dos 900 MtCO2-eq. Tal como na famosa fábula do escorpião e do sapo, é da natureza dessa audiência se preocupar antes e acima de tudo com suas taxas de lucro.
Restam ainda alguns anos antes que as mudanças climáticas, o desmatamento, o declínio da biodiversidade, a poluição e eutrofização do meio aquático e a intoxicação dos organismos pelo agronegócio criem um mundo no qual a humanidade e muitas outras espécies estarão condenadas inapelavelmente à extinção ou ao sofrimento evocado por Christiana Figueres. Políticas efetivas, capazes de evitar o pior, são ainda possíveis, mas, ao contrário do que propõem as mistificações do negacionismo soft, elas não nascerão em Davos. Elas devem ser buscadas em programas alternativos, biocêntricos e populares, à margem da empulhação e, sobretudo, contra o capitalismo, sua ideologia do crescimento ilimitado e seus serviços de inteligência.
Fonte: JORNAL DA UNICAMP