A Criação da Zona de Sacrifício no Norte Fluminense: Racismo Ambiental e Crise Ambiental no Estado do Rio de Janeiro

Por Thièrs Wilberger

Pescadores entram na Barra do rio Macaé com a favela ao fundo: contraste comum no Norte Fluminense Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo

A região Norte do estado do Rio de Janeiro, está vivenciando uma crescente crise ambiental e social, marcada pela criação de uma chamada “zona de sacrifício do Norte Fluminense”. Essa região, historicamente ocupada por comunidades vulneráveis, é alvo de grandes projetos industriais, como a instalação de termelétricas, portos, hubs de gás, gasodutos e linhas de transmissão. A ausência de uma gestão ambiental responsável, somada ao descaso e às omissões do poder público, resulta em graves problemas para o meio ambiente e para as populações locais. Esta situação se caracteriza por uma forma de racismo ambiental, em que comunidades marginalizadas são desproporcionalmente impactadas pelas consequências ambientais, enquanto os benefícios econômicos desses empreendimentos raramente chegam até elas. Além disso, a crise hídrica que já afeta a região é exacerbada pelas mudanças climáticas e pela má gestão dos recursos hídricos.

Zona de Sacrifício e Racismo Ambiental

O termo “zona de sacrifício” refere-se a regiões onde grandes empreendimentos industriais são implantados, em detrimento da qualidade de vida das populações locais e do meio ambiente. No Norte Fluminense, esta dinâmica é clara. A instalação de termelétricas, como as 12 novas que estão em licenciamento, e a construção de grandes portos e hubs de gás, estão profundamente conectadas ao conceito de racismo ambiental. As comunidades, muitas delas formadas por populações de baixa renda e, em sua maioria, afrodescendentes, enfrentam os maiores impactos ambientais e de saúde desses empreendimentos, mas raramente são consultadas ou envolvidas no processo de decisão.

O racismo ambiental se manifesta quando as populações mais vulneráveis, com menos poder político e econômico, são desproporcionalmente impactadas pelos danos ambientais, ao passo que as elites econômicas e políticas da região permanecem imunes aos seus efeitos. No Norte Fluminense, isso é exemplificado pela localização 

dessas infraestruturas industriais em áreas habitadas geralmente por comunidades historicamente marginalizadas, expondo-as a maiores níveis de poluição, degradação ambiental e riscos à saúde.

Os Empreendimentos Industriais e Seus Impactos Ambientais

A construção de novas termelétricas, portos, hubs de gás e toda a infraestrutura associada no Norte Fluminense, traz consigo uma série de impactos ambientais e sociais. Estes empreendimentos aumentam significativamente a emissão de gases poluentes, como o dióxido de enxofre (SO2), óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado, contribuindo para o agravamento da qualidade do ar. As termelétricas, por exemplo, são fontes intensivas de poluição atmosférica, emitindo gases tóxicos que podem causar doença respiratórias crônicas, cardiovasculares e até câncer. O Instituto Energia e Meio Ambiente (IEMA) publicou um estudo que alerta para os altos níveis de poluição atmosférica em no município Macaé, exacerbados pela instalação de diversas termoelétricas na região. A nota técnica “Qualidade do ar em Macaé (RJ)”, publicada no dia 15 de dezembro de 2021 (disponível em: https://energiaeambiente.org.br/produto/nota-tecnica-qualidade-do-ar-em-macae-rj#:~:text=A%20nota%20t%C3%A9cnica%20%E2%80%9CQualidade%20do,Mundial%20da%20Sa%C3%BAde%20(OMS) pelo Instituto, demostrou que a população do município Fluminense respirou no ano de 2020 uma quantidade de ozônio acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Além disso, a queima de combustíveis fósseis nessas usinas contribui diretamente para o aquecimento global, agravando as mudanças climáticas, que impactam significativamente nos padrões climáticos regionais e globais.

Outro impacto significativo é sobre os recursos hídricos. A operação de termelétricas demanda grandes volumes de água para resfriamento, o que, em uma região já sofrendo com a escassez hídrica, representa um risco crítico. O volume de água outorgado pelo INEA para operação  somente de uma das Termoelétricas contratadas, a Marlim Azul 1 (OUT Nº IN002565 – instalada e operando em Macaé) é de 12.384 m³ de água por dia. Esse volume, poderia abastecer aproximadamente 112.582 pessoas/dia, considerando um consumo médio de 110 litros diários por pessoa, recomendado pela OMS, ou seja, o volume consumido por uma só 

outorga, é quantidade suficiente para abastecer a população de uma cidade de médio porte diariamente ou quase a metade da população macaense. Agora imaginamos o volume necessário para abastecer 15 termoelétricas ou para gerar os 14 gigawatt de energia, sugeridos pelos projetos em analise no IBAMA, será que o rio Macaé teria água para tanto e ainda abastecer a população de três municípios?

Além disso, o despejo de efluentes dessas usinas, mesmo que tratados, podem alterar a água dos rios e córregos da região, especialmente a temperatura e o pH, prejudicando a fauna aquática, o abastecimento de água potável e a irrigação das plantações.

Já o impacto da construção de portos e hubs de gás também não pode ser ignorado. O novo porto em Macaé, por exemplo, afeta diretamente a biodiversidade costeira, alterando ecossistemas marinhos, manguezais e áreas de proteção ambiental. Além disso o projeto para Macaé cria uma grande área de exclusão de pesca, prejudicando principalmente a pesca de camarões, uma das principais atividades econômicas da região, causando uma diminuição na produção e, consequentemente, na renda dos pescadores locais. Segundo Azevedo é colaboradores (disponível em: https://visaosocioambiental.com.br/sustentabilidade-para-quem-um-olhar-sobre-a-pesca-artesanal-em-macae/#) Macaé possui 1,5 mil pescadores/as cadastrados, contando com uma frota de 400 barcos e 15 mil trabalhadores ligados direta e indiretamente às atividades pesqueiras, cerca de 15% da população economicamente ativa na região. Imaginem o impacto do novo porto neste setor econômico sustentável?

Impactos na Saúde Pública

A poluição gerada por esses empreendimentos tem impactos diretos na saúde da população do Norte Fluminense. A exposição prolongada a poluentes atmosféricos como os compostos orgânicos voláteis (COV), dioxidos de enxofre (SO2), ozônio troposférico (O3) e óxidos de nitrogênio (NOx), por exemplo, está associada ao aumento de doenças respiratórias, como asma e bronquite crônica, e doenças cardiovasculares. Crianças, idosos e pessoas com condições pré-existentes são os mais vulneráveis a esses efeitos. Além disso, a contaminação de recursos hídricos por efluentes industriais aumenta o risco de doenças de veiculação hídrica, exacerbando ainda mais a situação de saúde pública na região.

Estudos já indicam que moradores das áreas próximas às termelétricas e zonas industriais têm taxas mais altas de doenças crônicas, além de uma qualidade de vida reduzida devido à má qualidade do ar, água contaminada e a falta de saneamento básico adequado.

Crise Hídrica e Mudanças Climáticas

A crise hídrica é um dos maiores desafios enfrentados pelos municípios do Norte Fluminense. A falta de políticas públicas adequadas, aliada à estiagem severa causada pelas mudanças climáticas, tem afetado diretamente o abastecimento 

de água para consumo humano, agricultura e indústria. A superexploração do rio Macaé e outros corpos hídricos da região pela indústria, somada à seca prolongada, tem criado um cenário de escassez que prejudica tanto a população urbana quanto rural.

As mudanças climáticas intensificam os eventos de seca, e a ausência de políticas de adaptação e mitigação agrava o problema. Sem um gerenciamento adequado dos recursos hídricos, a crise tende a se agravar, colocando em risco a segurança hídrica da região e aumentando os conflitos pelo uso da água.

A criação de uma zona de sacrifício no Norte Fluminense, impulsionada pela instalação de grandes empreendimentos industriais, configura um cenário de racismo ambiental e crise ecológica. As populações vulneráveis da região estão pagando o preço mais alto por um modelo de desenvolvimento que negligencia os impactos sociais e ambientais. O descaso e a omissão do poder público frente à crise hídrica, à poluição e à degradação ambiental comprometem o futuro da região.

É urgente a necessidade de políticas públicas que protejam o meio ambiente e garantam o desenvolvimento sustentável da região. A fiscalização dos empreendimentos industriais, a implementação de medidas de mitigação dos impactos ambientais e a promoção da justiça ambiental são essenciais para reverter essa situação e garantir que o Norte Fluminense tenha um futuro mais equilibrado e justo para suas comunidades e para o meio ambiente.