Não apenas as cidades do tipo ocidental – hoje espalhadas pelo mundo – representam um corpo estranho nos ecossistemas nativos formados por campos, savanas e florestas. As rodovias também, sobretudo as asfaltadas. Elas impermeabilizam o solo, exigem a remoção da vegetação nativa, estreitam vales de rios com pontes e bueiros subdimensionados, ameaçam a fauna aquática e terrestre, representando riscos também para pessoas. Quanto mais moderna, mais impactante é uma rodovia. Daí, merecer a rede viária uma especialização da ecologia denominada ecologia de estradas.
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Estrada destruída pelas chuvas recentes no Rio Grande do Sul. Rio retomando seu curso
Nas extraordinariamente volumosas chuvas que se precipitaram sobre o Rio Grande do Sul, Uruguai e norte da Argentina recentemente, várias cidades foram simplesmente varridas do mapa. Fotos aéreas delas mostram amontoados de escombros e de lixo. Fala-se muito em refazê-las, não ficando muito claro se essa reconstrução será promovida nos moldes anteriores ou se haverá um grupo de trabalho para estudar, projetar e orientar a reconstrução de modo que a cidade não seja mais tão vulnerável à próxima tempestade. Solução definitiva é algo difícil de se conceber num mundo em permanente transformação. As mudanças climáticas antrópicas estão fortemente indicando que chuvas torrenciais e contínuas, alagamentos e transbordamentos, deslizamentos, queda e elevações de temperaturas vão se tornar cada vez mais ingentes e irregulares. Soluções ideais parecem impraticáveis. Portanto, não basta apenas um representante federal que coordene processos de reconstrução. Cada vez mais se impõe a criação de grupos de trabalho multi e transdisciplinar nos planos federal e estaduais pelo menos para estudar caso a caso as consequências e o enfrentamento de desastres naturais (que não são tão naturais assim).
Com relação a rodovias, um estudo recente mostrou onde as chuvas no Rio Grande do Sul mais afetaram a rede viária. Poder-se-ia supor que as maiores avarias ocorreram numa linha de direção norte-sul em virtude da orientação dos rios, que, em grande maioria, correm nesse sentido, formando o rio Guaíba, que desemboca na lagoa dos Patos. Porém, os estragos mais intensos foram registrados no sentido leste-oeste, entre as cidades de Gramado e Santa Maria, passando por São Leopoldo, Caxias do Sul, Porto Alegre, Lajeado e Santa Cruz do Sul.
Examine-se um mapa atualizado e verificar-se-á que a maior concentração de rodovias gaúchas se concentra nessa área. Elas formam uma espécie de barreira semiporosa para as águas fluviais, com suas pontes e bueiros. Muitas pontes ruíram, inclusive as flutuantes instaladas em regime de emergência pelo Exército. Muitos bueiros foram arrastados, abrindo brechas nas estradas e impedindo a circulação de veículos. Engana-se quem pensa que água não tem força de destruição por ser formada por moléculas unidas que giram umas sobre as outras de forma coesa.
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Estradas interditadas no Rio Grande do Sul
A engenharia de estradas no Brasil ainda é muito atrasada. Reconstruir a malha viária no Rio Grande do Sul vai exigir uma nova concepção desse sistema tão consagrado em todo o mundo que é o das rodovias.