De todos os rios entre o Itapemirim e o Macaé (área que denomino ecorregião de São Tomé), o rio Itabapoana foi o primeiro a ser adaptado aos interesses da economia de mercado. Entre 1539 e 1546, Pero de Gois, donatário da Capitania de São Tomé, instalou sua sede (conhecida como Vila da Rainha) na foz do Itabapoana. Daí, subiu o rio por embarcação até a última queda d’água (primeira de quem sobe o rio). Ali, instalou um engenho primitivo movido à energia hidráulica para moer cana. Consta que Gois abriu um caminho por terra ligando a vila ao engenho. Para a tecnologia europeia do século XVI, as barreiras elevadas na margem direita do rio pareciam seguras, mas nativos provavelmente puris viviam nas florestas à retaguarda do povoado erguido por Gois. Do mar, vinha a ameaça de outros europeus, que também buscavam terras. Mas o conflito mais importante – talvez responsável pela desistência de Gois – parece ter sido o ataque da capitania do Espírito Santo. As lutas europeias foram transferidas para o Brasil.
Esse pequenino rio de 250 km de extensão nasce em terreno serrano (hoje serra do Caparaó) com o encontro dos rios Preto e São João. Tem como principais afluentes os rios Calçado, Barra Alegre, Muqui do Sul. Sendo encachoeirado, seu potencial energético é considerável, mas tem limites. Antes das hidrelétricas, muita água correu na bacia. A primeira grande transformação sofrida em toda a bacia foi o desmatamento contínuo e secular. Trata-se de abrir terreno para a agricultura – sobretudo de cana – para a produção de açúcar com fins comerciais. A monocultura fazia parte de um tripé que incluía o latifúndio e o trabalho compulsório de africanos. A costa entre os rios Itapemirim e Paraíba do Sul abrigou portos clandestinos de africanos, mesmo depois de abolido o tráfico atlântico.
Um dos grandes proprietários de terra às margens do rio eram os jesuítas. Eles detinham a grande fazenda de Muribeca, dentro da qual ergueram a bela igreja Nossa Senhora das Neves, ainda hoje existente. Quando a ordem foi expulsa do império colonial europeus, em 1759, suas terras foram ocupadas pela Coroa portuguesa ou vendidas a particulares. Hoje, podemos identificar três posturas gerais diante da colonização portuguesa: orgulhar-se dela; rejeitá-la ou aceitá-la de forma crítica. A terceira é apresentada pelo historiador britânico Charles Boxer de forma bastante ponderada.
Quando os naturalistas europeus Maximiliano de Wied-Neuwied (1815) e Auguste de Saint-Hilaire (1818) passarem pela Muribeca, o rio apresentava ainda densas florestas, fauna nativa pujante e águas límpidas. Ambos dão notícia dos puris, que ainda viviam na região. Em meados do século XIX, o suíço Jacob Tschudi registra desmatamento em larga escala entre os rios Itabapoana e Guaxindiba. Já Manoel
Basílio Furtado sobe os vales do Itabapoana e do Itapemirim em 1873, registrando florestas e uma fauna bastante diversificada, mas nota a destruição progressiva das matas. O desmatamento era, então, sinal de civilização. Mas o resultado ambiental – sabe-se hoje – é a erosão dos solos desprotegidos e o assoreamento de leitos. Terras férteis se perdem ao deslizarem para os rios. Elas causam turbidez das águas e parte se acumula no fundo. De límpidos, os rios se tornam barrentos.
Na segunda metade do século XIX, o Itabapoana foi ainda visitado por Charles Frederick Hartt, geólogo canadense bastante atento ao relevo e à topografia. Existem hoje vários estudos acadêmicos sobre a bacia, mas eles parem mecanicistas e frios demais diante dos relatos vívidos de naturalistas do século XIX. Até mesmo da breve descrição do cartógrafo Manoel Martins do Couto Reis, no século XVIII.
A urbanização da bacia iniciou-se no século XIX depois do desbravamento dos sertões dos rios Itapemirim, Itabapoana e Muriaé. Em toda a sua extensão, o Itabapoana foi usado como divisa entre as capitanias, províncias e estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais. Núcleos urbanos cresceram em todo o vale e bacia, da nascente à foz. Esses núcleos urbanos consolidaram-se numa época em que o comportamento do clima ainda era previsível. Hoje, as mudanças climáticas produzem estiagens e chuvas severas. Bom Jesus do Itabapoana e Bom Jesus do Norte, uma no estado do Rio de Janeiro e outra no Espírito Santo, conurbaram-se. Atualmente, são vítimas anuais de alagamentos e transbordamentos. Em 2024, Mimoso do Sul, às margens do Muqui do Sul, e Santo Eduardo, nas margens do córrego de mesmo nome, ambos afluentes do Itabapoana, foram destruídos por chuvas sem precedentes.
Cabe registrar ainda a canalização do rio principal e de alguns afluentes pelo extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento e a construção de usinas hidrelétricas, verdadeiros garrotes ao rio. A invasão da bacia por espécies exóticas, sobretudo o bagre africano afetou negativamente a atividade pesqueira. Agora, a grande ameaça é a construção do enorme Porto Central na foz do Itabapoana. A bacia e tornou cativa da economia de mercado, tendo seus limites de sustentação há muito
ultrapassados.