Mais de 180 povos indígenas, além de grupos isolados, vivem na Amazônia e cultuam a floresta não apenas como moradia, mas como parte de si, a partir da conexão profunda com o meio ambiente e a defesa dos territórios.
Segundo o levantamento do MapBiomas, divulgado em agosto, as terras indígenas são os territórios mais preservados do Brasil e perderam apenas 1% da vegetação nativa em 38 anos, entre 1985 e 2023 – enquanto as terras privadas perderam 28%.
Em uma área de 280 mil hectares de extensão, a TI Alto Rio Guamá conta com 33 aldeias. / Mariana Castro/ Brasil de Fato
A Terra Indígena Alto Rio Guamá, localizada no Pará, é um dos territórios que acumula histórico de violência, luta e resistência em defesa das florestas.
“No passado teve muitos conflitos, tanto queimada quanto devastação. O pessoal colocava muito pasto, mas agora não, nós temos uma equipe fiscalizando, que vai duas vezes por mês. São os guarda-parque, os guardas florestais”, explica o cacique da Edivaldo Tembé, da aldeia P’ Noir, no município de Santa Luzia do Pará, localizado no nordeste paraense.
Edivaldo Tembé foi uma das lideranças presas durante a chamada Batalha do Livramento, no ano de 1996, que resultou em uma das maiores apreensões de madeira do Brasil a partir de operação conjunta entre os indígenas, a Funai e o Ibama.
Com histórico de violências e ameaças, indígenas Tembé retomam território e proteção da floresta. / Mariana Castro/ Brasil de Fato
Nessa batalha em defesa das florestas e do território, os fazendeiros aprisionaram 77 indígenas Tembé e, em uma disputa de narrativas, garantiram o apoio de parte da população. Os indígenas dizem ter sido submetidos à tortura e à falta de condições mínimas para sobreviver durante três dias.
“A gente entrou para fiscalizar madeireiro, que tinha muito na época. Os madeireiros mobilizaram o pessoal e acabaram prendendo a gente lá na Vila, foi um desconforto muito grande, houve muita ameaça, você sabe como é, a Justiça é muito lenta, tocaram fogo nos nossos carros, e a briga sempre foi essa aí”, relembra o cacique.
Ao longo dos anos, os Tembé sofreram com a invasão de colonos e tiveram a terra, a fauna e os rios degradados. Somente em março deste ano, após 40 anos de luta pela desintrusão, mais de 1.600 invasores foram retirados pelo governo federal e eles receberam direito exclusivo ao território.
Recém criado, grupo de guardiões da etnia Tembé atua na defesa das florestas e do território. / Arquivo
Desde então, a área conta com o grupo de Guardiões da Floresta, que, a exemplo de outros territórios, é composto por indígenas com a missão de proteger o território, impedir o desmatamento da floresta e expulsar invasores.
“Esse projeto surgiu para que a gente viesse proteger a floresta das queimadas, e inclusive já fomos para algumas missões, já apreendemos drogas, armas, quase tivemos conflitos e é uma coisa muito importante para o povo Tembé e estamos querendo ir muito além disso e proteger mais a natureza”, explica o jovem guardião Ronald Tembé.
A Terra Indígena Alto Rio Guamá tem mais de 280 mil hectares, onde abriga 42 aldeias e vivem cerca de 2.500 indígenas das etnias Tembé, Timbira, Kaapor, Urubu-Kaapór e Guajajara. No caso dos Tembé, a desintrusão é um marco histórico e dá início a uma retomada recente dos modos de vida. Mas os novos tempos trouxeram também novos problemas, como a pulverização aérea de agrotóxicos por aeronaves e drones.
“A gente conseguiu controlar o avião, mas recentemente soubemos que há drones. A gente já denunciou isso, porque de qualquer forma vai afetar a gente, vai afetar o açaizal que geralmente é a única coisa que existe no entorno da reserva, e aqui dentro existe uma colheita de açaí muito grande. Estamos tentando preservar isso”, explica o cacique Edivaldo Tembé.
Festa da Menina Moça necessita de recursos naturais que vão desde a ornamentação até a alimentação. / Reprodução/Governo Federal
Para os povos indígenas, a floresta cumpre ainda papel fundamental na preservação dos ritos tradicionais, como a Festa da Menina Moça, que celebra a passagem da infância das meninas para a vida adulta.
“Se não tiver a floresta, não podemos ter festa, porque essa festa depende do porco, do nambu e do jacu, entre outras coisas como o jenipapo. Há 20 anos não existia essa festa, porque não tinha a matéria-prima para a gente fazer uma festa dessas. A gente ia para muito longe. Hoje não, a gente já conseguiu ter [novamente] esse tipo de coisa aqui dentro devido ao afastamento dos colonos”, complementa.
A maioria das terras indígenas concentra-se na Amazônia Legal: são 430 áreas, 115.803.611 hectares, representando 23% do território amazônico e 98.25% da extensão de todas as unidades desse tipo do país. Diante do cenário devastador de crise climática e incêndios florestais, cumprem um papel fundamental na preservação do bioma, mas os povos indígenas alertam que isso não é suficiente.
“Só as áreas indígenas não são suficientes. Se o governo não tomar uma atitude de preservar, só as áreas indígenas não vão suprir a necessidade. A gente sabe que estamos preservando. Mas [por exemplo] aqui mesmo, não existe devastação, mas a quentura é imensa”, explica Edivaldo Tembé.
Para além de manter a luta em defesa das florestas com a própria vida, a urgência dos impactos da crise climática apontam para um cenário cada vez mais devastador.
“Isso aqui é um pedido de socorro. A floresta precisa de ajuda, não só dos indígenas. Hoje ninguém precisa só de dinheiro ou só de gado, não… de tudo a gente precisa um pouco. E se não tiver ajuda de alguém esse pouco vai acabar e o mundo vai incendiar”, diz.
Confira a reportagem em vídeo:
Edição: Nathallia Fonseca