Procurando compreender as mudanças climáticas atuais

Por Arthur Soffiati

Mamute, espécie animal extinta naturalmente pelas mudanças ambientais do fim do Pleistoceno.

Comecei a me interessar pelas mudanças climáticas atuais no fim dos anos de 1970. Enfrentei muitas críticas. Políticos, empresários, partidos de direita e esquerda e população em geral adotavam uma postura de desdém e de incredulidade. A imprensa não colocava nas suas pautas temas como temperaturas excessivas, secas ingentes e tempestades destruidoras como manifestações de alterações climáticas, mas apenas como fenômenos naturais inevitáveis. Hoje, as reportagens são excessivas e confusas. As mudanças climáticas são responsáveis por tudo, mas ainda me ressinto de uma necessária especialização jornalística para tratar do tema sem as confusões cometidas. Levanto pelo menos seis.

1- Mudanças climáticas na história da Terra: Desde a origem do planeta Terra, ocorrem oscilações climáticas. Foram registrados episódios muito mais intensos que os atuais. Geralmente, eles vinham associados a fenômenos muito mais complexos. Em torno de 12 mil anos antes do presente, a Terra se aqueceu e entrou, naturalmente, numa época (chamada de Holoceno) de estabilidade climática que favoreceu o cultivo de plantas, a domesticação de animais, a sedentarização de grupos humanos e a construção de cidades. Ao longo desses 12 mil anos, também ocorreram oscilações climáticas naturais que afetaram as atividades humanas em seu benefício ou prejuízo.  

2- Natureza das mudanças climáticas da atualidade: A criação de um sistema de produção à base de combustíveis fósseis, principalmente, começou no ocidente e se alastrou para outros continentes, quer na posição de dominadores (Europa Ocidental, Estados Unidos e Japão), quer na posição de dominados (América, Ásia e África). Esse sistema de produção dependeu dos capitais acumulados entre os séculos XV e XVIII. A queima de combustíveis fósseis liberou carbono na atmosfera e começou a alterá-la. Outros gases contribuíram para esta alteração. Paradoxalmente, os combustíveis fósseis aceleraram o sistema produtivo, que foi se tornando global, e, ao mesmo tempo, começaram a criar obstáculos a ele.  

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Paisagem urbana dos primórdios da Revolução Industrial.

3- Marco temporal das mudanças climáticas: A imprensa e até mesmo cientistas frequentemente afirmam que o ano de 2023 ou o mês de janeiro de 2024 foram os mais quentes da história ou fornecem uma data a esmo, tipo mil anos. Tanto para o leitor leigo como para o experimentado, a referência é imprecisa e confusa. De que história se trata? Da Terra? Da vida? Ou humana? Qual o marco temporal? Essas informações mais desinformam que informam. As medições mundiais de temperatura começaram em 1850. Com o tempo, o sistema de medições foi se aprimorando. De lá pra cá, constatou-se que as temperaturas do planeta foram aumentando progressivamente. Portanto, a proposta é tomar o ano de 1850 como marco inicial para reduzir a confusão reinante. 

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Gráfico assinalando as oscilações e as médias climáticas entre 1850 e os dias atuais.


4- Caráter planetário das mudanças climáticas: O mundo foi globalizado pelo ocidente. A valorização das diversas culturas do mundo não implica em desconhecer o papel do ocidente, para o bem ou para o mal. Num mundo globalizado, insistimos em posturas paroquiais, estaduais e nacionais. Os serviços de meteorologia informam apenas sobre o comportamento do clima em escala nacional, quando muito. Já existem órgãos de informação que cobrem o comportamento do clima em nível planetário. Mas a grande imprensa passa a ideia de que uma tempestade, por exemplo, ocorre apenas nos limites de um país. Trata-se de um ufanismo nacional às avessas. Os jornais deveriam tratar as mudanças climáticas com mais frequência e de modo sistemático, contemplando todo o planeta.

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Charge representando a crise ambiental global da atualidade.

5- Fenômenos climáticos excessivos: os excessos de temperatura para mais ou para menos (estou evitando a expressão “extremo climático” por não saber aonde isso vai parar. Extremo indica o fim. Exemplo: ponto extremo da América no Atlântico) podem causar estresse e mesmo a morte, além de alterações ambientais. O excesso, aqui, indica ultrapassar a capacidade de resiliência de um organismo e de um ecossistema. O que temperaturas excessivas podem causar ao corpo humano? O que chuvas e secas excessivas podem provocar num ambiente natural, numa lavoura, num pasto, numa cidade? O surto de dengue no Brasil decorre do excesso de chuvas associado às altas temperaturas, sobretudo nas cidades. Sobretudo nos bairros pobres das cidades.

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Chuvas excessivas e enchente no Paquistão.

6- Mudanças culturais: estou ciente de que a crise ambiental tem raiz em atividades humanas. Sociedades humanas podem alterar o ambiente. Algumas provocaram mudanças ambientais locais e temporárias. Nenhuma causou uma crise ambiental global e duradoura como o ocidente. Estou ciente de que a economia capitalista é a responsável por esta situação. Mas não faço a crítica cômoda do acadêmico, pregando a substituição do capitalismo por outro sistema. Sejamos realistas. Reivindiquemos o possível. Não vislumbro forças que possam derrubar o capitalismo no momento. Cabe a ele – ao capitalismo –, portanto, encontrar uma saída para a crise que ele próprio criou não por respeito à humanidade e à natureza, mas para continuar existindo como economia. Do contrário, podemos pensar em finais infelizes, sempre alertando que a natureza não sucumbirá. Ela já enfrentou situações bem mais dramáticas.

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Exemplo de cidade parcialmente adaptada às mudanças climáticas atuais.