O que a IA não quer fazer

Por Maíra Santafé

Estudo realizado por Mark McNeilly, professor de marketing da Universidade da Carolina do Norte, lançou a hipótese de a Inteligência Artificial roubar os empregos das mulheres.

De bate pronto, confesso que fiquei feliz. Gostaria que a IA ‘roubasse’ minhas tarefas domésticas e me ajudasse na criação do meu filho.

Quero que a Inteligência Artificial lave roupas, pendure-as no varal, recolha todas as peças e as guarde quando estiverem secas. Que a IA faça almoço e jantar, prepare o lanche para a criança levar para a escola, lave a louça, o banheiro, a casa, leve e busque meu filho nos compromissos do dia a dia, enquanto eu sento e escrevo.

Mas a IA, segundo a pesquisa do professor norte-americano, só pode roubar meu trabalho remunerado. O não remunerado? Nada. Ele é invisível. Se nem a inteligência ‘natural’ o quer, imagine a artificial.

No dicionário, prover significa ‘munir-se com o necessário ou providenciar o necessário para abastecer’. Etimologicamente, a palavra ‘prover’ deriva do latim ‘providere’, com o sentido de perceber, prever. E as mulheres são as provedoras dos seus lares. Em todos os sentidos. Isso, claro, enquanto a IA não nos tirar a chance de ganhar dinheiro para pagar contas. As nossas e as de outros.

Um estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) de março de 2023 mostra que a maioria dos lares no Brasil é chefiada por mulheres. Dos 75 milhões, mais de 50% tinham liderança feminina. São 38,1 milhões de famílias. E 56,5% dessas líderes familiares – leia-se ‘provedoras’ – são mulheres negras.

Eu, mulher branca, classe média, trabalhando em home office e com ‘teto próprio’ – pra lá de privilegiada – estou aqui discorrendo sobre a ‘ameaça’ da IA, enquanto tento driblar inúmeras dificuldades no dia a dia, por morar sozinha com meu filho. A Inteligência Artificial, porém, ainda não deve estar entre as principais preocupações de mulheres que trabalham fora de casa e não têm com quem deixar as suas crias. Algumas delas, inclusive, saem de seus lares para cuidar dos filhos de outras mulheres – algo que a IA não faz. E nem deve querer fazer.

E quanto aos homens, será que a Inteligência Artificial também os ameaça profissionalmente? Certamente sim. Mas, olhando pelo lado daquele trabalho que a IA não quer – o de casa, não remunerado –, eles vão continuar reinando. Não porque o fazem na mesma proporção que as mulheres, mas porque, pasmem, têm reconhecimento por fazerem o que para nós muitos acham que é ‘obrigação’.

Quando o homem é um adulto funcional – lava suas próprias roupas, divide as tarefas domésticas e os cuidados com a família –, muitas vezes é aplaudido de pé. Um trabalho que nós, mulheres, fazemos rotineiramente, sem recebermos sequer um ‘obrigado’ por isso.

Enquanto houver essa discrepância entre homens e mulheres, em casa, no trabalho, na representatividade política e em outros espaços de poder, sempre seremos nós as maiores prejudicadas. Não precisa de IA para nos ‘roubar’ oportunidades e protagonismo. Porque isso já acontece há séculos. Inclusive por parte de gente ‘inteligente’.