Estudando os ambientes naturais do norte e noroeste fluminenses em perspectiva histórica, convenço-me cada vez mais de que a população, os gestores públicos, os órgãos de meio ambiente e os operadores de direito necessitam muito de subsídios de história ambiental para conhecerem melhor os municípios e tomarem decisões menos precipitadas, como está acontecendo com muita frequência.
Tomemos o córrego de Tatagiba, o maior entre os rios Itabapoana e Guaxindiba. Equivale a dizer o terceiro maior a correr no território que hoje é a base do município de São Francisco de Itabapoana. Em todos os municípios, o desconhecimento é o mesmo. Mas estamos falando de São Francisco de Itabapoana. As pessoas, de modo geral, acreditam que o ambiente geral do município sempre foi o que é. Que todos os córregos e rios são o que sempre foram. Não lhes ocorre que esses córregos e brejos foram cursos d’água e que antecedem os núcleos habitacionais. Quase ninguém sabe que o território de São Francisco de Itabapoana era coberto por florestas. A maioria pensa que sempre houve lavouras de cana, abacaxi e mandioca. Os poucos historiadores olham para os lados e só veem pessoas.
Com relação ao Tatagiba, aqueles que fazem pesquisa entendem que o córrego Baixa do Arroz, Tatagiba e Largo, seu antigo nome, não indicam um mesmo curso d’água. Vigora a concepção de que ele não passa de um grande brejo sem nome cuja foz é a vala que liga seu trecho final ao mar. Por mais que se explique a alguém sobre a existência de um rio com foz no mar pouco acima da vala, a explicação não convence. Melhor: não interessa. O descaso é tão grande que eu mesmo acabei duvidando das minhas descobertas. Terá mesmo essa grande massa de água doce a característica de um grande lago alongado que só se conectou ao mar por ação humana? Como córregos menores, a exemplo de Guriri, Buena, Manguinhos e até Barrinha chegam ao mar, ao menos em tempo de enchentes? E mesmo em tempo de estiagem?
Voltemos ao passado por meio de documentos. Assim procedem os historiadores. A maioria deles se contenta com arquivos. Os historiadores ambientais partem de um documento chamado paisagem ou lugar, que sentem mais com os pés que com os olhos. O descaso com documentos é muito grande no Brasil. Eles se perdem com facilidade. Pequena é a produção de documentos. O atual desinteresse pelo ambiente existia ontem e talvez continue amanhã. Resta-nos um documento importante: os mapas.
Não foi necessário recuar tanto no tempo. A Carta Itabapoana, do grande levantamento cartográfico do Brasil feito pelo IBGE em 1968, mostra que a foz do Tatagiba situava-se pouco acima da ponta de Buena e pouco abaixo do local em que a situei na década de 1990. Mostra também, claramente, que as lagoas Salgada e Doce chegavam ao mar. Mostra que o ribeirão de Guriri desemboca na praia outrora conhecida como Mangue, recebendo aporte hídrico de uma lagoa pela margem direita.
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A foz do Tatagiba não foi opulenta, como se pode esperar de um curso tão volumoso. Consideremos a descarga de sedimentos em seu leito pelo secular e colossal desmatamento dos tabuleiros. Consideremos as represas que proprietários rurais ergueram nos rios para conservar água em suas terras. Consideremos as estradas municipais e estaduais, que também barraram os rios quase totalmente, instalando apenas, quando muito, manilhas subdimensionadas para a passagem da água de um lado para o outro.
No caso da foz do Tatagiba, certamente existia nela um manguezal, por menor que fosse. Essa foz deveria ter todas as características de um estuário intertropical. Pela foz do Guriri e de Buena, pode-se assegurar que, pelo menos, encontrava-se ali um pequeno bosque de mangue branco (Laguncularia racemosa). A foz foi fechada pelas atividades de lavra das Indústrias Nucleares do Brasil, pela antiga estrada litorânea do Sertão de São João da Barra e, mais recentemente, pela construção civil.
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Na vala aberta para lançar ao mar água acumulada pelas chuvas no fechado ribeirão de Tatagiba, começou a se desenvolver um pequeno manguezal na década de 1990. Ele não foi longe por pisoteamento de banhistas. Como, porém, as condições eram favoráveis (água doce a montante, marés a jusante e água salobra no meio), sementes de mangue (propágulos) sempre tentavam colonizar o espaço.
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A própria vala criou condições a montante e a jusante para o desenvolvimento de um pequeno bosque de mangue muito misturado com plantas de restinga. A montante, essa mistura é maior. Encontram-se ali rabo-de-galo, algodoeiro-da-praia e inimboi, no meio das quais espécies exclusivas de mangue tentam crescer.
Bosque de mangue na vala de Tatagiba. Bosque de montante. Foto do autor (09/08/2021)
Na jusante da vala, o bosque se desenvolveu mais. Ali, encontram-se o domínio do mangue branco (Laguncularia racemosa) e uma bela população de siribeira (Avicennia germinans). Pelo menos uma semente de mangue vermelho (Rhizophora mangle) foi avistada.
Vala de Tatagiba. Bosque de jusante. Foto do autor (24/07/2021)
Esses bosques são considerados Áreas de Preservação Permanente pelo só efeito do Código Florestal, mas podiam contar com a proteção suplementar da prefeitura de São Francisco de Itabapoana, que poderia cercá-los com tabuletas educativas e com uma ecobarreira para o bosque de jusante a fim de impedir que resíduos sólidos se acumulem nele. Favorecer o desenvolvimento de manguezais é contribuir para o sequestro de dióxido de carbono, um dos gases causadores do efeito-estufa. As plantas de mangue apresentam alta capacidade de absorver esses gases, ainda mais em fase de crescimento.
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Semente (propágulo) de mangue vermelho pronto para germinar. Manguezal de Tatagiba. Foto do autor (09/08/2021)