Em menos de seis meses, a cidade amazônica de Belém, no Brasil, sediará a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30). Na preparação, o Brasil tentou se posicionar como líder em clima e sustentabilidade, prometendo priorizar a luta contra as mudanças climáticas e oferecendo-se para sediar a COP30. No entanto, as rachaduras nessa narrativa estão aparecendo à medida que o país toma medidas para reverter as proteções ambientais para projetos de mineração, petróleo e gás, aprova projetos para se posicionar como um grande produtor de petróleo e gás e pressiona para aumentar a mineração na Amazônia e além.
Em 22 de maio, o Senado brasileiro aprovou um projeto de lei que a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, chamou de “golpe mortal” ao fundamento das regulamentações ambientais em vigor desde 1981. A proposta permite que as empresas autodeclarem informações para a renovação de licenças ambientais e flexibiliza os requisitos para que projetos, como minas, considerem os impactos sobre reservatórios de água, desmatamento e comunidades locais, entre outras mudanças altamente criticadas.
O clamor da sociedade civil tem sido inequívoco. Se aprovada, essa legislação prejudicará as comunidades, os povos indígenas e outras populações tradicionais, bem como o meio ambiente. O Instituto Socioambiental do Brasil estimou que cerca de 40% dos territórios indígenas poderiam ser afetados. O projeto de lei seguirá agora para a Câmara dos Deputados do país, onde se espera que seja aprovado, e posteriormente assinado pelo presidente Lula da Silva.
Um boom na produção de petróleo e gás offshore
Em 19 de maio de 2025, o presidente do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Rodrigo Agostinho, aprovou a perfuração de um poço exploratório no Bloco 59 da Margem Equatorial, um campo de petróleo offshore na foz do Amazonas. Essa licença foi aprovada depois que a Petrobras, a empresa nacional de petróleo, apresentou seu plano mais recente ao IBAMA, que já havia negado cinco solicitações anteriores com base, em grande parte, na questão da capacidade da Petrobras de responder a acidentes. As preocupações giram em torno dos riscos elevados em casos de vazamentos na foz do rio Amazonas, uma área de enorme biodiversidade marinha e fortes correntes de difícil acesso para barcos de resgate.
Nos meses que antecederam a decisão do IBAMA, 29 técnicos do IBAMA consideraram o plano inadequado para atender às inúmeras preocupações. O Bloco 59 é o projeto mais avançado de pré-perfuração em uma área que inclui outros cinco blocos em sua vizinhança imediata. (O bloco é o termo usado pelos governos para uma área geográfica autorizada para atividades de petróleo e gás). Há outros 47 perto da foz do rio Amazonas que a Petrobras planeja leiloar em junho. Desde a década de 2000, o Brasil tem aumentado a extração de petróleo e gás do pré-sal nas bacias de Campos e Santos, ao longo da costa sudeste do país. Esse método envolve perfuração subaquática profunda e através de sedimentos e, em seguida, uma espessa camada de sal.
Em anos mais recentes, a Petrobras e outras empresas multinacionais de petróleo buscaram licenças de exploração e produção na Margem Equatorial offshore (seguindo os passos dos projetos extrativistas offshore de longa data da Guiana). De acordo com o estudo Monitor Oceano 2024 do Instituto Internacional Arayara, 47% de uma lista abrangente de blocos nacionais de produção e exploração estão em áreas onde a perfuração é altamente ou muito altamente incompatível com a biodiversidade marinha e costeira e, portanto, são regiões recomendadas para fortes medidas de conservação, mitigação e adaptação. Na região norte (Amazônia), as análises estatísticas do estudo são alarmantes: 86% dos blocos de petróleo são muito altamente incompatíveis e 16% são altamente incompatíveis com a biodiversidade do oceano.
Subsídio aos combustíveis fósseis, não à energia verde
O governo argumenta que a receita da produção de combustíveis fósseis ajudará a financiar a transição verde. Mas, de acordo com o estudo de 2024 do INESC (Instituto de Estudos Socioeconômicos) que monitora os subsídios federais ao setor de energia, em 2023 o governo concedeu quase 82% dos subsídios (~US$ 14,5 bilhões) ao setor de petróleo e gás, já que os subsídios aos setores de energia renovável aumentaram apenas 3,6% em relação ao ano anterior. Isso representa quase cinco vezes mais subsídios para combustíveis fósseis do que para energia renovável.
O Brasil está entre os dez maiores produtores de petróleo do mundo, e o petróleo é hoje o principal produto de exportação do país, superando os produtos do agronegócio e da mineração. O aumento da produção fóssil resultante da exploração atual e futura destina-se aos mercados de exportação da Europa, dos EUA e da Ásia, bem como da América Latina.
Em um momento em que a Agência Internacional de Energia prevê que a demanda por petróleo atingirá seu pico antes de 2030, o aumento da dependência do Brasil em relação a essa commodity, exatamente no meio de uma grave crise climática nacional e global, torna-se motivo de grande preocupação para muitos. Segundo Suely Araujo, Coordenadora de Políticas Públicas da ONG Observatório do Clima e ex-presidente do IBAMA, “a produção no Bloco 59 levará pelo menos dez anos e, portanto, os royalties também. O Brasil tem capacidade de atender à sua demanda interna sem maior exploração e extração de petróleo. É necessário que os brasileiros debatam o futuro da produção de petróleo na região.”
Longe da Margem Equatorial, os moradores preocupados das comunidades do norte do Rio, como Macaé, vêm sofrendo os duros impactos de ser a capital do petróleo do Brasil há muito tempo, com a expansão de usinas termelétricas a gás e um centro de processamento de gás alimentado pela produção offshore das Bacias de Campos e Santos. Como explica Thiérs Wilberger, diretor executivo do Instituto-Escola Tiê-Sangue, “A degradação ambiental e os impactos sobre a saúde humana são resultados dessas atividades que não podem ser ignorados… são exemplos de como decisões políticas e econômicas podem condenar ecossistemas inteiros e comunidades vulneráveis em nome de um modelo de desenvolvimento que se provou destrutivo”.
Projetos de mineração se expandem
Em fevereiro de 2024, o Ministro de Minas e Energia declarou que “não há transição energética sem mineração”. No entanto, a mineração e o processamento mineral representam 17% das emissões globais de gases de efeito estufa e os projetos de mineração ameaçam comunidades e ecossistemas frágeis em todo o mundo e no Brasil.
O Brasil está avançando com novos projetos de mineração de determinados metais usados em tecnologia para a transição energética, tecnologia militar e muito mais. Um relatório constatou que a exploração de minerais de transição no Brasil aumentou 39% na última década, em comparação com 9,3% do crescimento da exploração do setor como um todo. O Instituto Humanitas Unisinos informou que há 800 empresas de mineração de minerais de transição explorando somente na Amazônia.
No Vale do Jequitinhonha, na região central do Brasil, rebatizado de “Vale do Lítio” por políticos e mineradoras, as comunidades indígenas e afrodescendentes estão se opondo a uma série de novos projetos de lítio, alguns dos quais já começaram a operar sem o seu Consentimento Livre, Prévio e Informado. No estado do Pará, cuja capital Belém abrigará a próxima COP, a licença da gigante brasileira de mineração Vale para a mina de níquel Onça Puma foi suspensa por violações ambientais pela quarta vez em abril de 2024. Líderes indígenas da tribo Xikrin do Cateté denunciaram a poluição da mina que afeta sua capacidade de manter o estilo de vida tradicional.
Essas não são reclamações isoladas. Um relatório de 2025 mostrou uma série de violações contínuas dos direitos humanos e trabalhistas, bem como danos ambientais causados pelas operações significativas da Vale no estado de Minas Gerais. Outras empresas, como a Anglo American e a Belo Sun, também estão promovendo grandes projetos de mineração na Amazônia.
A nova legislação aprovada pelo Senado brasileiro abre mais territórios indígenas para novas minas e enfraquece a supervisão dos projetos de mineração nas fases de licenciamento e operação.
O caminho para o COP
Precisamos urgentemente de uma mudança rápida para uma economia de energia 100% renovável que não dependa mais de combustíveis fósseis. Esta é uma oportunidade única em uma geração para mudar a forma como o mundo é abastecido e abandonar a extração suja. Como anfitrião desta histórica COP 30, o Brasil tem o potencial de ser um líder global. No entanto, o Brasil não pode liderar o mundo para um futuro mais limpo e saudável flexibilizando as regulamentações ambientais, promovendo a produção de combustíveis fósseis e permitindo projetos de mineração que violam a soberania indígena e destroem sumidouros de carbono como a Amazônia.