No último domingo (21/07), o MPF do Rio de Janeiro anunciou que o Museu Nacional dos Povos Indígenas, na zona Sul do Rio, receberá 585 artefatos indígenas de mais de 50 etnias, retidos na França por mais de 20 anos. Entre os itens estão máscaras, cocares, mantos, adereços, instrumentos musicais, cestarias, armas, esculturas e outros itens etnográficos. O retorno foi viabilizado após uma década de negociações com autoridades francesas e a instauração de um inquérito civil público pelo MPF.
Parte dos artefatos voltou ao país no dia 10/07, incluindo o Manto Tupinambá, que estava na Dinamarca desde o século 17. Este regresso foi possível após atuação conjunta do Ministério Público Federal (MPF), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Ministério das Relações Exteriores (MRE). Segundo o MPF, os bens foram adquiridos em 2003 e levados ao Museu de História Natural e Etnografia em Lille, França, sem seguir os trâmites legais.
Agora, as peças passarão por um período de quarentena para evitar contaminações, como ocorre com acervos museológicos. No Museu do Índio, vinculado à Funai, será ainda verificado o estado das peças em comparação com os relatórios emitidos quando os objetos saíram da França. O objetivo é exibir os itens ao público.
Entenda o caso
Conforme explicações da MPF, os artefatos foram adquiridos em 2003 por representantes do museu de Lille em uma loja em São Paulo, que não tinha permissão para vender esse tipo de produto. Entre os itens, há adornos Kayapó e Enawenê-Nawê, considerados raros ou inexistentes nas coleções brasileiras, além de objetos Araweté como chocalhos, arcos e brincos emplumados feitos com penas de anambé azul e arara vermelha.
Os bens são protegidos pela Convenção das Nações Unidas sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites), de 1973. Esse acordo atribui aos países produtores e consumidores responsabilidades comuns e estabelece mecanismos para garantir a exploração sustentável das populações.
Para o MPF, além da Cites, a Convenção da Unesco sobre Importação e Exportação de Bens Culturais (1970) e a Convenção de Unidroit sobre Bens Culturais Ilicitamente Furtados (1995) garantem o retorno dos bens culturais ao seu local de origem, independentemente da boa-fé do comprador.
A solução encontrada à época pelas autoridades francesas foi a doação do acervo ao Museu do Índio, no Rio de Janeiro, seguida da assinatura de um contrato de comodato com prazo de cinco anos, renovável por igual período, autorizando o museu francês a exibir a coleção. Isso ocorreu em novembro de 2004. Após esse prazo, o acordo previa que a prefeitura de Lille arcaria integralmente com os custos de transporte, seguro e devolução do acervo.
De acordo com o órgão, o contrato não foi cumprido e, por isso, foi instaurado um inquérito civil público em 2015 para obter o retorno dos artefatos indígenas. Em 10 anos, houve inúmeras reuniões e trocas de comunicações entre o MPF, Funai, Itamaraty e o museu francês para negociar a repatriação do acervo.
No final, o museu francês informou que não cobriria os custos de retorno, que incluíam transporte, despacho e seguro das peças. A Funai, então, assumiu a responsabilidade pelo transporte dos itens, que finalmente chegaram ao Brasil. Atualmente, os objetos aguardam a liberação aduaneira e o período de quarentena antes de serem exibidos ao público.