Rosa Alegria
Crescimento sem geração de emprego representa a nova ordem econômica. Investir em capital e tecnologia é mais vantajoso do que investir em trabalho humano
O mundo está bem mais rico, mas também muito mais desigual. Parte dessa desigualdade tem, entre suas principais causas, a intensidade tecnológica, que vai crescendo, e os empregos acabando.
Ao longo da História, as máquinas foram substituindo os humanos, mas os empregos foram se renovando, se reinventando, fazendo com que ocupações humanas extintas dessem lugar a novas profissões.
Até pouco tempo atrás, podíamos dizer que as reposições conseguiram conviver ou até ultrapassar as eliminações no mercado de trabalho.
Mas agora está sendo bem diferente. Depois das três revoluções industriais e todos os impactos deixados na economia, estamos entrando na quarta revolução e ela vem bem concentrada, não só na geração de riqueza, mas também nas inovações biológicas, tecnológicas, cognitivas e informáticas, como num destino convergente e exponencial capaz de eliminar 50% dos empregos até 2050.
Crescimento sem geração de emprego representa a nova ordem econômica. Investir em capital e tecnologia é mais vantajoso do que investir em trabalho humano.
Além de atividades físicas, agora também as atividades mentais começam a ser substituídas pela inteligência artificial.
O que era antes ficção científica passou a ser essa realidade que nos assombra. Diante desse desemprego em massa iminente, o que realmente está sendo feito para que a humanidade possa se sustentar e sobreviver?
Que estratégias de longo prazo estão sendo encaminhadas para o futuro?
Os governos, as escolas e as empresas estão conscientes do que tudo isso vai representar para as novas gerações?
A impressão é a de que todos estão esperando acontecer aquilo que já sabemos e já está em curso: conhecimento sucateado, desemprego estrutural, trabalho informal crescente, demissões em massa e carteiras de trabalho amareladas.
Fica difícil prever até onde vão chegar os avanços da inteligência artificial, da robótica, da impressão 3D/4D, da biologia sintética, dos drones, da nanotecnologia e suas poderosas sinergias.
Para poder clarear um pouco esse céu nublado e ajudar a criar estratégias para responder a esse suposto conflito entre ser humano e máquina, o Projeto Millennium (rede global de pesquisadores futuristas) está conduzindo um estudo com 50 países.
Aqui no Brasil, o Núcleo de Estudos do Futuro da PUCSP está coordenando um processo de construção coletiva que começou com três cenários compartilhados publicamente.
Para reunir lideranças em torno do tema e exercitar a criação de propostas criativas, foi realizado um workshop inicial em São Paulo no final de outubro, com a presença de Jerome Glenn, fundador do projeto Millennium e autor dos três cenários Trabalho/Tecnologia 2050 já traduzidos em diversos idiomas.
Os cenários Trabalho/Tecnologia 2050 já começaram a pautar o planejamento de alguns países como Argentina, Grécia, Italia, Alemanha, Espanha e Coreia do Sul que, além do Brasil, se juntaram em torno de sistemas de inteligência coletiva para influenciar políticas públicas.
Para que esses cenários pudessem ser desenvolvidos, mais de 450 futuristas e especialistas compartilharam suas visões e projeções. Eles requerem leitura cuidadosa e atenta.
Como todos os cenários bem feitos, eles são descritos no presente com detalhes na medida certa e apresentam impactos inter-relacionados muito bem pensados para que o leitor possa se transportar ao futuro e senti-lo.
A versão em português está publicada na Internet.
Aqui a apresentação do que cada um descreve, para instigar a leitura e instigar a todos os que já querem protagonizar esse novo mundo, que dependendo de nossas atitudes e decisões poderá ser desesperador ou radicalmente diferente de tudo o que já imaginamos viver.
Cenário 1 – Está complicado: um pouco de tudo
Uma projeção tendencial do business-as-usual do aumento da aceleração tecnológica considerando tanto a inteligência quanto a estupidez percebida nas decisões que foram tomadas. Adoção irregular dos avanços tecnológicos; alto desemprego pela falta de estratégias de longo prazo, sucesso misto na aplicação da renda básica universal. Poderes dos gigantes corporativos foram além do controle do governo nesse mundo governo-corporação, 3D-virtual e multipolar em 2050.
Cenário 2 – Agitação político-econômica: o desespero no futuro
Os governos não se anteciparam aos impactos da inteligência artificial geral e não tinham estratégias preparadas para receber o desemprego que explodiu nos anos 2030 deixando o mundo de 2050 em agitação política. A polaridade social e política cresceu de diversas formas. A ordem global se deteriorou e se transformou numa combinação de nações-estados, megacorporações, milícias locais, terrorismo e crime organizado.
Cenário 3 – Se os seres humanos fossem livres: a economia autorrealizável
Os governos se anteciparam aos impactos da inteligência artificial geral, conduziram extensivas pesquisas em como aplicar sistemas de renda básica universal e promoveram auto emprego. Artistas, personalidades da mídia e profissionais do entretenimento ajudaram a criar uma mudança que transformou a cultura do emprego numa cultura da auto realização.
Que caminho vamos escolher?
A moral de todas essas histórias fica valendo desde já. Se não tivermos emprego, que tal pensarmos em trabalhar por prazer, aprender aquilo que nunca pensamos em aprender, revelar talentos ocultos, retomar relações perdidas, sermos mais felizes e nos reconectarmos com o trabalho de formas mais divertidas e significativas? As novas economias (criativa, colaborativa, compartilhada, circular) em expansão já representam caminhos abertos para começarmos a reorientar nossas rotas.
Se a máquina irá trabalhar, pensar por nós e através de nós, em vez de tentar enfrentar o inexorável, por que não investir naquilo que nos liberta do relógio? Afinal de contas, vamos viver muito mais e o tempo será todo nosso. Como ancestrais que já somos, na velocidade das mutações sociais e econômicas, podemos juntos dar as mãos e acelerar essa grande obra milenar: reinventar nossa vida na Terra e semear novos mundos para nossos filhos, netos, bisnetos e gerações futuras.
As consequências de escolhas acertadas serão intensas e transformadoras para criar uma nova civilização. Estamos diante do maior desafio da história: o de provar que realmente somos inteligentes, muito além das máquinas.
Rosa Alegria, Master of Sciences, há 15 anos pioneira em Estudos do Futuro no Brasil, academicamente certificada pelo mais reconhecido centro mundial nessa área: University of Houston, Clear Lake, USA. Fundadora do NEF – Nucleo de Estudos do Futuro, na PUC/SP. É colunista da Envolverde.