Por Arthur Soffiati
Desde seus primórdios, os grupos humanos lutam entre si por recursos naturais ou por costume. As lutas desses primeiros povos não visavam a conquista de territórios, mas apenas de recursos para viver e para demonstrar coragem. Sempre havia repercussões na natureza, mas de pouca monta. A natureza dava conta e absorvia os impactos.
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Quando algumas sociedades se tornaram sedentárias graças à agricultura e ao pastorei, foi necessário desmatar. Os povos nômades atacavam as sociedades agrícolas em busca de alimentos. Tanto o desmatamento quanto a guerra entre nômades e sedentários, assim como entre sedentários e sedentários, causavam impactos à natureza, mas ela apresentava resiliência para absorver tais impactos.
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Algumas sociedades agrícolas tornaram-se urbanas. O impacto delas sobre a natureza aumentou. Da mesma forma, as riquezas produzidas atraíam povos nômades. As guerras se tornaram frequentes para defesa contra ataques nômades e contra outras sociedades urbanas para conquista de territórios. A natureza ainda apresentava resiliência para absorver os impactos das guerras contra ela para exploração de recursos naturais e contra outros povos.

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Algumas ultrapassaram os limites da natureza e sofreram as consequências de uma superexploração, como no vale do indo, no vale do Mekong, na América Central e na ilha de Páscoa. Essa ultrapassagem contribuiu para o declínio de tais sociedades. Foram guerras travadas contra a natureza em nome da economia. No final, a natureza venceu.
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A mais longa guerra travada pelos seres humanos entre si foi a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), mas a guerra mais longa vem sendo travada pelo Ocidente contra a natureza há pelo menos 600 anos (1415-2025). Essa guerra foi travada em nome do lucro e da ocidentalização do mundo.
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A abundância de recursos e as oscilações climáticas naturais do Holoceno favoreceram o crescimento da produção de certas sociedades. Em especial, da sociedade ocidental. Foi uma fase cálida do clima entre os séculos IX e XIV que estimulou a economia de mercado. Foram a abundância de terras e de produtos considerados preciosos que favoreceram o crescimento da sociedade da Europa Ocidental. Ao mesmo tempo, o acesso à terra exigia o desmatamento. Os metais preciosos exigiam a escravização de nativos e de africanos.
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A obtenção de riquezas provocava o empobrecimento do ambiente, com a derrubada de florestas, com a extinção de espécies animais, com a poluição das águas e do ar, com a erosão, com a emissão de gases que alteravam o clima artificialmente.

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Sempre em busca de lucros crescentes, a sociedade europeia ocidental passou a explorar minerais fósseis para a geração de energia e matéria prima. Carvão mineral, petróleo e gás natural foram produzidos pela natureza. Agora, eles são intensivamente usados e causam danos à própria natureza que os criou. Eles propiciaram os avanços dos processos de produção no que é conhecido como Revolução Industrial assim como começaram a inviabilizar a própria revolução que os gerou.
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Se a natureza já se ressentia dos impactos causados pela sua exploração, os impactos de uma economia criada e expandida pelo ocidente para todo o mundo aumentam de intensidade de forma exponencial.
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Em qualquer momento da história da Terra e da vida, predominam processos homeostáticos, ou seja, aqueles em que uma ação gera uma reação que inibe a ação inicial, a exemplo de uma caixa d’água que tem seu nível abaixado. Acontece de a boia também abaixar permitindo a entrada de água que elevará a boia e vedará o cano de entrada. O equilíbrio é, então, restabelecido.
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Os processos de produção da economia de mercado são exponenciais. Eles criam uma ação que gera uma reação que acentua a ação inicial, como uma forca cujo laço aperta mais quanto mais pesado for o corpo enforcado.
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“Duelo a garrotazos”, de Francisco Goya. Dois homens lutam enquanto afundam dentro de um pântano. O vencedor e o vencido serão tragados pela natureza
O chamado desenvolvimento é um crescimento exponencial: ele explora a natureza para enriquecer as sociedades globalizadas e provoca a inviabilização do desenvolvimento. Tanto as sociedades que exploram muito a natureza quanto as que a exploram pouco tornam-se vítimas da exploração.
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O resultado não são apenas as mudanças climáticas antropogênicas pelo acúmulo de gases na atmosfera, como também a destruição de biomas, a extinção de espécies, a degradação dos oceanos, o derretimento de geleiras, a elevação do nível do mar, a poluição do ambiente.
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E a guerra contra a natureza gera uma resposta desta como se fossem bombas com grande poder de destruição lançadas contra as sociedades humanas: chuvas torrenciais, estiagens devastadoras, tempestades de vento, avanço do mar sobre áreas povoadas por pessoas.
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Os cientistas vêm advertindo quanto aos perigos de se alterar as condições do Holoceno há 50 anos. A primeira reação foi a de ignorar ou de considerar alarmistas tais advertências. A segunda foi a de negar os aportes da ciência. Atualmente, os avisos estão sendo levados em conta, mas não no nível desejado.
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Para discutir… o que? Uma destruição em velocidade mais lenta? O fim progressivo do processo de destruição? A transição de uma economia de baixo carbono com o uso progressivo de fontes como o sol, o vento e o mar? O retorno às condições naturais do Holoceno antes da crise? Um ambiente que, apesar do uso de combustíveis fósseis, não agrida tanto a natureza e os humanos? Para discutir tudo isso, ou seja, a crise ambiental antrópica em todas as suas manifestações, são promovidas reuniões para discutir acordos que reduzam a intensidade da guerra contra a natureza e os revides desta e mesmo o fim da guerra. São as chamadas COPs.
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Como é comum nas negociações de paz, primeiro busca-se continuar com uma guerra rendosa. Não se consegue consenso. Marca-se outra reunião. Avança-se um pouco mais, porém não o necessário para cessar a guerra. A natureza contra-ataca de maneira cada vez mais agressiva. Nova reunião é promovida. Declarações conjuntas empurrando a paz para o futuro e não cumprindo os acordos firmados.
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Os países chamados desenvolvidos são os que mais poder de fogo têm na guerra contra o planeta. Guerrear a Terra foi, durante muito tempo, sinônimo de progresso e desenvolvimento. Os países que mais bombardeiam o planeta não esperavam um contra-ataque dele. Por muito tempo, julgaram que a natureza era inerte diante dos ataques da economia. Agora, que os cientistas revelam o planeta como sujeito de história, a cultura ocidental da exploração busca uma exploração mais moderada ou continua com a guerra confiando na resiliência da natureza.

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O que os defensores da Terra pretendem? Criar um equilíbrio perfeito com a cessação dos bombardeios? Criar condições ao menos suportáveis para a vida? Retornar à dinâmica natural do Holoceno? Equilíbrio perfeito nunca existiu. A Terra nasceu em condições insuportáveis para a vida. Com o tempo, essas condições permitiram que a vida se constituísse em meio a condições adversas. Várias crises naturais ameaçaram a vida severamente. O que o autor destas reflexões almeja é o retorno das condições naturais do Holoceno ou a criação de condições suportáveis para a vida. Sabe-se, de antemão, que essas condições sofrerão mudanças naturais até o desparecimento da Terra. Que seja o Universo responsável pela extinção. Não o ser humano. Todos morrerão, mas, enquanto vivos, o tratamento deve valorizar a dignidade.







