A Lei Complementar nº 275, de 8 de novembro de 2024, visa um novo planejamento urbano na cidade do Rio de Janeiro. Esta proposta permite que a Prefeitura faça a desafetação e o licenciamento de 54 lotes públicos, que poderão ser leiloados para construção de edifícios residenciais e comerciais. Entre esses terrenos estão áreas verdes e até de vegetação nativa.
“Importante ressaltar que para o meio ambiente nessas regiões o impacto será irreversível, tendo em vista que grandes áreas de matas, animais silvestres, árvores e plantas nativas serão atingidas“, destaca um trecho de um abaixo-assinado, ainda não publicado ao qual a reportagem do DIÁRIO DO RIO teve acesso, apoiado por movimentos como a ONG Distrito Animal, Brigada Animal, Fórum da cidadania do RJ, Sociedade Civil Organizada e Comitê Popular das Vargens.
Na sequência, o texto pontua: “É cediço que o plano diretor aprovado pelos municípios é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, e devem preservar a ocupação de áreas verdes, visando a redução da impermeabilização das cidades. Assim, A Lei Complementar nº 275/2024 é bem clara no descumprimento da Lei Complementar nº 270/2024 que estabelece diversos dispositivos em defesa do meio ambiente“.
O advogado e ambientalista Rodrigo Bertoli, que está atuando junto com os movimentos críticos à Lei Complementar, afirmou que “em recente declaração ao evento U20 Rio Summit, composto por 87 prefeitos e delegações de mais de 100 cidades ao redor do mundo, o Prefeito Eduardo Paes denunciou que ‘o mundo está atrasado em mais de 80% dos objetivos da ONU para 2023’. Na prática o seu discurso é controverso, eis que veio à tona o leilão de 54 lotes públicos para a construção de edifícios residenciais e comerciais, em afronta os próprios objetivos da agenda 2030 da ONU. Tal ato revela a falta de transparência da própria Prefeitura em dar publicidade ao tema e permitir um debate público com a sociedade civil sobre a viabilidade e os impactos ambientais e urbanos na Cidade. A Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal nº 6.938 de 1981) promove a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. No mesmo sentido, deve-se observar o princípio das cidades e desenvolvimento sustentável, buscando o justo equilíbrio ecológico entre as exigências da economia e as da ecologia (art. 3º, inciso II c/c art. 225 da CRFB/88)”.
As áreas de vegetação nativa que estão entre os 54 lotes que serão leiloados pela Prefeitura são:
Avenida Ayrton Senna, s/nº – Barra da Tijuca (5.579,88m²)
Rua Mundo Novo, próximo ao nº 721 – Botafogo (2.000,00m²)
Rua Osório Duque Estrada, 88 – Gávea (4.361,13m²)
Rua Silvia Pozzano, s/nº (junto ao nº 615) – Recreio dos Bandeirantes (3.099,06m²)
Estrada dos Bandeirantes, 14.951 – Vargem Pequena (6.198,76m²)
Uma das áreas, em Vargem Pequena. Foto: Google.
Grandes áreas verdes que não são de vegetação nativa, mas que colaboram para a qualidade do ar, contenção de chuvas e amenizam temperaturas mais quentes também estão na lista.
Rua Intendente Costa Pinto, s/nº – Barra da Tijuca (6 lotes – +/- 2.400m²)
Estrada do Joá – Barra da Tijuca (6 lotes – 3.000m²)
Av. Octávio Dupont, s/nº – Barra da Tijuca (4.109,29m²)
Av. Afonso de Taunay, 225 – Jardim Oceânico, Barra da Tijuca – (2 lotes – 1.950m²)
Av. Ayrton Senna, 2001 – Barra da Tijuca (51.000,00m²)
Rua Jorge Dodsworth Martins, s/nº – Barra da Tijuca (797,52 m²)
Rua Eduardo Leite, s/nº – Campo Grande (3.166,34m²)
Av. Dom Hélder Câmara, s/n – Engenho Novo (2.000m²)
Estrada Coronel Pedro Corrêa, s/nº – Jacarepaguá (1.943,96m²)
Estrada do Engenho D’água, junto ao 1401 – Jacarepaguá (2.000,00m²)
Estrada dos Bandeirantes, s/nº – Jacarepaguá (16.992,24m²)
Rua Franz Weissman, s/nº – Jacarepaguá (1.668,75m²)
Rua Jardim Botânico, 187 – Jardim Botânico (334,87m²)
Rua Laura Teles, s/nº – Jacarepaguá (2.002,02m²)
Av. Aldemir Martins, s/nº – Recreio dos Bandeirantes (1.702,73m²)
Rua Helena Miranda, s/n – Recreio dos Bandeirantes (2.409,04m²)
Uma das áreas, em Campo Grande. Foto: Google.
A redução ou total eliminação dos lotes verdes não é o único problema apontado por movimentos sociais, ambientalistas e urbanistas. Eles alegam que a falta de planejamento adequado em torno da Lei Complementar 275 poderá resultar em aumento de trânsito, escassez de água e energia, entre outros problemas nas regiões onde os terrenos estão localizados.
O abaixo-assinado ao qual a reportagem teve acesso frisa que: “É público e notório que, no caso da região da Barra da Tijuca, Recreio e Vargens, não há mais condição de incentivar o progresso e aumento de moradias e circulação de pessoas sem melhorar a infraestrutura local, ou seja, as vias já não comportam mais o fluxo de carros com razoabilidade, sendo necessárias passarelas e mergulhões, alargamento de ruas e abertura de ruas; a distribuição de água e energia como são muito frágeis, trazem muitas faltas de água e energia e, por último, a falta de segurança, sendo necessário o aumento de efetivo policial, além claro, na saúde, necessária a criação de hospitais, onde hoje, só existe o hospital Lourenço Jorge e uma clínica da família“.
Em nota enviada ao DIÁRIO DO RIO, a Prefeitura informou que “A Superintendência de Patrimônio Imobiliário da cidade do Rio informa que a Lei Complementar Nº 275 de 2024, que foi aprovada na Câmara dos Vereadores em outubro do ano passado, autoriza a destinação de um conjunto de imóveis municipais sem, no entanto, a obrigatoriedade de que uma alienação seja efetuada.
Qualquer destinação que venha a ser definida, será precedida por uma análise do Poder Executivo Municipal quanto à sua oportunidade e conveniência, o que inclui a importância dessas áreas no contexto urbano no qual estão inseridas.
Vale frisar que a medida autoriza a alienação dos referidos imóveis, mas que estes seguem submetidos às restrições legais e urbanísticas das regiões em que se encontram. Neste sentido, possíveis empreendimentos a serem implantados no futuro, deverão ser devidamente licenciados em estrita observância da legislação vigente na cidade do Rio.”
A Secretaria Municipal do Ambiente e Clima (SMAC) declarou, também em nota enviada à reportagem, que “O licenciamento não se encontra mais como responsabilidade da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima (SMAC) . A SMAC compreende as preocupações da sociedade civil em relação ao licenciamento, e reconhece a importância de um diálogo aberto e transparente sobre as questões ambientais e urbanas que permeiam esta decisão. A SMAC entende que o desenvolvimento da cidade é fundamental, mas que deve ocorrer de forma sustentável e equilibrada, priorizando a qualidade de vida da população e a preservação do meio ambiente. A Secretaria está empenhada em trabalhar em conjunto com outros órgãos municipais para encontrar soluções que promovam um crescimento urbano sustentável. As obras licenciadas e autorizadas serão monitoradas de forma contínua, a fim de verificar o cumprimento das condicionantes ambientais e tomar as medidas necessárias em caso de irregularidades.