Um estudo inédito do Observatório do Clima, lançado nesta terça-feira (24/10), estima que os sistemas alimentares responderam em 2021 por 73,7% (1,8 bilhão de toneladas) das 2,4 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa lançadas pelo país na atmosfera.
As emissões incluem o gás carbônico que vai para o ar quando vegetação nativa é convertida em lavouras e pastos, as emissões diretas da agropecuária — como o metano do “arroto” do gado —, os combustíveis fósseis queimados por máquinas agrícolas e pelo transporte da comida, o uso de energia na agroindústria e nos supermercados e os resíduos sólidos e líquidos de todos esses processos.
O novo estudo integra o SEEG, o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do OC, e se debruçou sobre as emissões e remoções da produção, da distribuição e do consumo de comida no Brasil.
As emissões de gases de efeito estufa dos sistemas alimentares estão na ordem do dia das negociações internacionais de mudança climática pelo menos desde 2019, quando o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) publicou seu relatório especial sobre Mudança Climática e Terras. O documento concluiu que até 37% da poluição climática do planeta é causada pela alimentação humana.
Sem espanto, as emissões de sistemas alimentares do país são dominadas pelo desmatamento: o setor de mudança de uso da terra responde por 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente, ou 56% do total do setor. Depois vem a agropecuária (cujas emissões são geradas sobretudo pelo rebanho bovino), com 600 milhões de toneladas ou 34% do setor, seguida de energia, com 6% (100 milhões de toneladas).
O recorte da carne bovina estima que essa cadeia tem uma emissão de 1,4 bilhão de toneladas brutas. Se fosse um país, o bife brasileiro seria o sétimo maior emissor do planeta, à frente do Japão. O desmatamento responde por 70,6% das emissões da carne, seguido pelas emissões diretas do rebanho (29,2%). Os setores de energia e resíduos têm participação praticamente desprezível: 0,2% do total.
“Esse estudo inova ao trazer um olhar transversal sobre as emissões, conectando numa cadeia todos os setores de emissão que são tratados isoladamente nas metodologias de inventários. E, no Brasil, os sistemas alimentares, e dentro deles a cadeia da carne bovina, respondem pela maior parcela das emissões, merecendo esse olhar especial”, afirma David Tsai, coordenador do SEEG.
Um exemplo é o sequestro de carbono em solos, sobretudo em pastagens bem manejadas. A imensa área de pastos degradados do Brasil — 96 milhões de hectares, segundo o MapBiomas — tornava o país um grande emissor. Na última década, na esteira do Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), produtores no país inteiro começaram a recuperar pastos degradados. Hoje, essas pastagens recuperadas já capturam 200 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano. A remoção líquida de carbono nos solos chegou a 138 milhões de toneladas em 2021, só que essa captura ainda não é contabilizada no inventário nacional de emissões e, portanto, não pode ser oficialmente computada para efeito de cumprimento de metas internacionais no clima.
“Esse relatório deveria ser lido pelos representantes do agronegócio e pelo governo como um chamado à responsabilidade”, diz Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “Ele demonstra, para além de qualquer dúvida, que está nas mãos do agronegócio o papel do Brasil como herói ou vilão do clima. Até aqui, o setor parece querer que o país encarne o vilão, tentando destruir a legislação sobre terras indígenas, legalizar a grilagem e acabar com o licenciamento ambiental, ao mesmo tempo em que manobra no Congresso para ficar totalmente livre de obrigações no mercado de carbono”, prossegue Astrini.