Fiz um resumo da minha viagem a Portugal e Espanha ao taxista que me conduzia ao aeroporto de Ponta Delgada, Açores, no meu retorno ao Brasil. “Que idade o sr. tem?”, perguntou-me ele. “77”, respondi. “O sr. devia estar em casa descansando e não fazendo essas maluquices”, comentou ele.
Eu já havia viajado para Alemanha, Portugal e Galícia em 2019. Chegamos na Europa sem um roteiro, confiando em meus primos. Ficamos em hotéis e viajamos de automóvel e de trem, com conforto e segurança. Minha viagem de junho de 2024 era bem diferente. Eu sabia o que desejava: examinar no terreno uma das raízes da cultura brasileira. Planejei visitar as ex-colônias portuguesas no ano seguinte e, posteriormente, mergulhar no coração da Amazônia. Creio que a viagem a Portugal e Espanha é minha última aventura longa.
Passei cinco meses planejando minha peregrinação a Portugal e Espanha. Selecionei cidades, vilas e aldeias com paciência. Consultei os meios de transporte para alcançá-las. Tive de cortar algumas, como Odemira, Odeceixe, Ribeira de Alzejur, Vila Nova de Milfontes e Sevilha. Já na estrada, tive ainda de fazer outros cortes. Deixei de conhecer San Martin de Trevejo, Elhas, Valverde de Fresno, Sabugal, Sendim, Penacova e Minde. Apenas passei por Leiria sem parar, mas acrescentei Tomar, por forte recomendação dos meus primos que moram em Lisboa. Fiz uma rápida parada em Moura, que não estava nos meus planos, substituindo Vila Verde de Ficalho por ela em razão de facilidade com transporte.
Enfim, meu roteiro incluiu cidades, vilas e freguesias do sul, do norte e das ilhas de Portugal. Entrei na Espanha a fim de alcançar Três Lugares: San Martin de Trevejo, Elhas e Valverde de Fresno. Avaliei bem essa viagem. Eu estava consciente dos riscos que corria uma pessoa sozinha, de 77 anos, com histórico de doenças cardíacas e com um AVC em sua ficha médica. Lisboa foi o ponto de partida e de retorno por duas vezes, mas não o ponto de chegada. Da capital de Portugal, viajei com meus primos a Setúbal e Évora. Daí, segui sozinho para Portimão. Pelas informações do Google, se eu quisesse chegar a Sagres, deveria tomar um trem até Lagos e seguir de táxi, procedendo da mesma forma na volta. Mas tive a sorte de encontrar uma linha de ônibus que me permitiu viagem mais rápida. Nem mesmo um taxista em Portimão tinha conhecimento dela.
De volta a Portimão, segui de trem para Faro, onde passei dois dias. De trem, também cheguei a Vila Real de Santo Antônio, na fronteira com a Espanha, na foz do rio Guadiana. Daí, segui para Beja, onde pernoitei para, no dia seguinte, alcançar a vila de Barrancos passando por Moura. Em Barrancos, abreviei minha estada. Era uma quinta-feira. Soube que o único ônibus para chegar e sair de lá só viaja de segunda a sexta-feira, mais para levar estudantes às escolas do que para transportar passageiros.
Voltei a Beja com a intenção de partir para Cáceres, na Espanha. Para tanto, pernoitei novamente na cidade a fim de retornar a Évora e seguir viagem. As duas linhas estavam lotadas. Tive de novamente ficar em Évora. Depois descobri que os ônibus faziam a linha Lisboa-Madri. Por isso, frequentemente lotados. No dia seguinte, embarquei para Badajós, onde continuaria viagem para Cáceres em outro ônibus. Ao entrar na Espanha, minha vida desandou. Os aplicativos do meu celular despareceram misteriosamente. Restou apenas o do WhatsApp. Além do mais, tudo é informatizado lá, excluindo pessoas analógicas com eu. Dormi em Cáceres a fim de seguir viagem para San Martin de Trevejo.
Diante do quadro adverso, resolvi retornar a Lisboa. Fui informado de que não havia transporte coletivo de San Martin de Trevejo para Coimbra. Perdi duas reservas de hotel. De Lisboa, continuei meu roteiro em direção a Miranda do Douro, cidade de Trás-os-Montes, nordeste de Portugal, fronteira com a Espanha. Na região, fala-se o mirandês, segunda língua oficial de Portugal, ao lado do português. Visitá-la era sonho antigo.
De lá, vou a Coimbra pela segunda vez. Retorno aos lugares visitados em 2019. Aproveito a oportunidade para conhecer Figueira da Foz, cidade que se ergueu no estuário do rio Mondego. De Coimbra, vou a Tomar, cidade dos Cavaleiros Templários. Retorno a Lisboa, onde passo um dia, e embarco para Funchal, capital da ilha da Madeira. Em duas excursões guiadas, visito os pontos principais da ilha e embarco para Ponta Delgada, na ilha de São Miguel. Da ilha Graciosa, saiu meu trisavô para o Brasil, no século XIX. Visitar essa ilha não estava nos meus planos. Fiquei em Ponta Delgada e percorri a ilha de São Miguel também em excursões guiadas.
Alguns viajantes dizem que o melhor de uma longa viagem é o retorno. Coloquei meu corpo à prova. Fiz longas caminhadas. Subi e desci ladeiras. Vivi situações de estresse nas rodoviárias e aeroportos. Mas voltei.