Bioma é um conjunto de ecossistemas aparentados e intimamente relacionados. A Amazônia não é uma floresta homogênea. Ela é constituída por matas em terras secas, matas em terras alagáveis, matas em terras alagadas, campos, rios e lagos. No estuário do rio Amazonas, existem ainda pujantes manguezais. Esses ecossistemas formam o bioma amazônico.
O território brasileiro comporta seis biomas: Amazônia, Cerrado, Pantanal Mato-grossense, Campos Sulinos, Mata Atlântica e Caatinga. Há quem desmembre a zona costeira da Mata Atlântica e a considere o sétimo bioma do Brasil. Há ainda quem identifique a plataforma continental do oceano Atlântico como o oitavo bioma. Da minha parte, vejo as ilhas oceânicas formando o nono bioma.
Viajei recentemente do Rio de Janeiro a Belém, com destino final na ilha de Marajó. No rumo seguido pelo avião, pude examinar três biomas: a Mata Atlântica, o Cerrado e a Amazônia. Do alto, a Mata Atlântica parece, dos três, a mais destruída. Era de se esperar minha constatação. Se incorporarmos a ela os ecossistemas formadores do bioma costeiro, a Mata Atlântica apresentava-se íntegra em praticamente 100% em 1500. A economia praticada pelos povos nativos implicava em queimadas, desmatamentos, uso de recursos vegetais e de caça. Como, porém, a economia deles visava a subsistência, os impactos ambientais causados na Mata Atlântica eram mínimos. Esses impactos eram ainda mais reduzidos porque as ferramentas usadas pelos nativos não tinham poder de causar grandes estragos. Além do mais, os povos indígenas pautavam sua vida por uma concepção sacralizada de mundo, na qual havia entidades protetoras de rios, vegetais e animais.
Com a chegada dos europeus à América, os biomas começaram a ser destruídos. No Brasil, os portugueses começaram a destruição com a extração de pau-brasil. Em seguida, com a monocultura de cana de açúcar, com a exploração de ouro e diamantes, com o plantio de café e com a urbanização. Esta última domina o território antes ocupado pela Mata Atlântica. Do alto, na minha viagem, vi muita terra montanhosa desmatada, com muita erosão, estradas e núcleos urbanos. Causa espanto o grau de destruição da cobertura florestal que existia de forma pujante no século XVI. Os núcleos urbanos se espalham por todo o território da Mata Atlântica potencial. Alguns deles chegam a se conectar. Os grandes parecem vastas feridas mutiladoras e irreversíveis no ambiente nativo.
Depois de um pequeno cochilo, abro os olhos e vejo, do alto, uma paisagem muito estranha. Parece que estou sobrevoando um espaço de filme de ficção científica. Vejo linhas retas e quebradas. Vejo retas trançadas como num estrado. Vejo círculos perfeitos. O espaço é geométrico. De uma geometria euclidiana. Aquela que busca formas perfeitas. A geometria fractal, que lida com as formas irregulares da natureza, parece expulsa ou aprisionada no espaço que vejo do avião. O que são aquelas linhas irregulares? Rios e córregos secos, sugados que foram para irrigar as imensas monoculturas do agronegócio. A paisagem é insólita, lunar, aterrorizante.
Uma pesquisa recente sobre a vegetação nativa do cerrado, coordenada por Bernardo Strassburg, alerta para a maior extinção de espécies vegetais nativas do mundo criado pela Europa Ocidental. Cerca de 657 espécies de plantas nativas podem desaparecer definitivamente em face do avanço da monocultura e do gado. Os números que eu tenho não batem ou ocultam a realidade. Por um lado, propala-se que o Cerrado é o celeiro do mundo. Que a humanidade precisa dele para matar a fome. O agronegócio exalta sua importância para o desenvolvimento. Por outro lado, os capitães do agro pop ocultam os estragos causados pela agropecuária no Cerrado, o bioma brasileiro com três aquíferos fundamentais para a alimentação de rios que fornecem água para cidades. Além de sugar a água subterrânea, o agronegócio a contamina com produtos químicos.
Mais um cochilo. Desperto sobre uma floresta. Sobrevoamos a Amazônia. Ela já foi mais densa e mais saudável. Agora, mostra falhas na sua cabeleira. Nos pontos calvos, há plantações e gado. Pouco adiante, aparece a ponta de uma cidade. Chegamos a Belém. O avião ainda plana por um bom tempo sobre a malha urbana, limitada mais adiante pelo grande estuário do rio Amazonas. Ele forma a baía de Guajará.
Vamos aterrissar numa mancha urbana conquistada à selva. O rio é portentoso. Difícil crer que ele se torne um valão poluído por produtos químicos, esgoto e lixo. Mas a poluição já ocorre. Por enquanto, o grande volume de água a dilui. Mas não se deve duvidar do poder de destruição da economia de mercado.