A tesoura-do-brejo (Gubernetes yetapa) é uma ave da família Tyrannidae, a qual possui representantes nos mais diversos ambientes desde o Alasca até a Terra do Fogo. É considerada a maior família de aves. A sentinela das áreas úmidas está alocada na subfamília Fluvicolinae, que agrupa lavadeiras, marias-pretas, noivinhas e freirinhas. Como o nome já diz, a tesoura-do-brejo possui cauda alongada e dividida em dois (bifurcada), se assemelhando a uma tesoura.
Ela pode ser confundida com a popular tesourinha (Tyrannus savana), mas ambas se diferenciam por características morfológicas e pelo tipo de ambiente em que vivem. Enquanto a tesourinha é predominantemente branca, preta e cinza, a tesoura-do-brejo possui um espelho ferrugíneo na asa quase inteiramente negra e um colar castanho que acompanha sua garganta branca.
A espécie é exclusivamente neotropical e ocorre no Brasil, do Rio Grande do Sul até Goiás, e também na Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia.
Que a tesoura carrega o brejo no nome, nós já sabemos. Mas qual a verdadeira associação e dependência da espécie com esse ambiente? Guiada por essa e outras questões, iniciei minhas investigações sobre a espécie ainda na graduação, em 2015. Atualmente, sou doutoranda em Biodiversidade Animal pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e já consegui responder algumas das perguntas que nortearam e continuam norteando meu trabalho, como o fato de a espécie depender dos brejos para a reprodução, que acontece de outubro a fevereiro, como outros trabalhos já haviam sugerido.
Sentinelas atentas ao perigo
Além disso, na minha pesquisa percebi que a espécie não se une a bandos mistos durante o período reprodutivo, comportamento que é muito observado nos outros meses do ano. Pude perceber também que quando associada com outras espécies, como o chupim-do-brejo (Pseudoleistes guirahuro) e a espécie ameaçada veste-amarela (Xanthopsar flavus), a tesoura-do-brejo exerce o papel de sentinela. Enquanto os grandes bandos se alimentam no chão, as tesouras-do-brejo colocam-se em um poleiro mais elevado, atentas a qualquer sinal de perigo. E, quando se sentem ameaçadas, elas vocalizam e o bando todo se esconde. Caso as tesouras optem por deslocar, todo bando a segue.
A partir das observações acerca desse comportamento surgiu o Projeto Sentinela do Brejo, que tem como objetivo principal compreender melhor a distribuição da espécie em diversas escalas, além de como as mudanças climáticas podem afetar a espécie até o ano 2100. O projeto contou com a participação de mais de 200 cidadãos cientistas que contribuíram enviando seus registros de ocorrência da espécie. Os primeiros resultados desses estudos deverão ser publicados e divulgados em breve.
É importante destacar que, embora a tesoura-do-brejo possa ser vista fora das áreas úmidas em boa parte do ano, essas áreas são de vital importância para a manutenção da espécie, uma vez que são ambientes fundamentais para sua reprodução. A conservação desses ambientes não só contribui com a manutenção das populações de tesoura-do-brejo, mas também diversas outras espécies de aves que necessitam deles para sobreviver.
Em nossos próximos passos, pretendemos elucidar questões como quais são as preferências da tesoura-do-brejo em uma escala local e quais fatores fazem com que a espécie escolha algumas áreas úmidas e outras não. A pesquisa estão sendo desenvolvida sob orientação do professor doutor Marcelo Weber e da professora doutora Marilise Krügel, também da Universidade Federal de Santa Maria.
Além da produção científica, que é importante para preencher as lacunas de conhecimento sobre a espécie, nosso projeto também tem como objetivos a divulgação desses resultados para a sociedade e o diálogo com proprietários de terra e tomadores de decisão. Afinal, acreditamos que o reconhecimento da importância das áreas úmidas e, consequentemente, sua conservação, são feitas através da união de muitas mãos.
Sendo assim, você também pode atuar como um cidadão cientista e contribuir com a construção do conhecimento. Seja também uma sentinela pelos nossos brejos! Se você avistar alguma tesoura-do-brejo na sua cidade, pode enviar mensagem pelo direct da página do projeto no Instagram @sentineladobrejo.
