STF suspende julgamento e determina realização de audiência pública sobre ‘bolsa-agrotóxico’

Ação pede que isenção de tributos a insumos químicos seja considerada inconstitucional; organizações comemoram decisão

O relator do caso, ministro Edson Fachin, votou pela inconstitucionalidade da atual política fiscal para os agrotóxicos - Andressa Anholete/SCO/STF

O ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, relator da ação que questiona a constitucionalidade de isenções fiscais que beneficiam a indústria dos agrotóxicos, determinou a suspensão do julgamento e a reabertura do processo de instrução, com realização de uma audiência pública, ainda sem data marcada. A decisão veio após intenso debate sobre o tema na tarde desta quinta-feira (13), no plenário da Corte.  

A coordenadora de litigância de organização Terra de Direitos, Camila Gomes, que é parte na ação, comemorou a decisão do relator.  

“O deferimento da realização da audiência pública é uma vitória para organizações de direitos humanos que questionam essa política fiscal de benefício aos agrotóxicos porque é a garantia de ampliação do debate público sobre uma matéria muito importante”, declarou ao Brasil de Fato.  

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) foi movida pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016 e questiona a atual política relacionada à taxação dos insumos químicos usados na agricultura brasileira. A ADI argumenta que a isenção ou redução de impostos sobre esses produtos ferem os princípios da capacidade contributiva, da seletividade, dos direitos à saúde e do cuidado com o meio ambiente.  

Atualmente, alguns insumos químicos de uso agrícola têm redução de 60% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), estados e União deixaram de arrecadar R$ 12,9 bilhões em 2021 devido a essa política fiscal.   

Organizações ambientalistas e de direitos humanos argumentam ainda que a atual política funciona como um incentivo ao uso abusivo de agrotóxicos na produção agrícola brasileira.  

Debate intenso 

Durante a sessão desta quinta, os ministros ouviram as partes envolvidas na ação, que levaram ao plenário um debate intenso sobre o tema.

A advogada do Psol, Geovana Patrício, destacou a inversão de princípios da atual política, na medida em que garante margens de lucros altíssimas aos empresários do agronegócio, enquanto os impactos recaem sobre a população.   

“Trata-se aqui de uma internalização dos lucros por empresas multinacionais, que movimentam em torno de 60 bilhões de dólares por ano, enquanto a externalização dos custos recai sobre a população e, por consequência, sobre o Sistema Único de Saúde, em evidente afronta ao princípio do poluidor pagador”, destacou. 

O advogado da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo de Oliveira Kaufmann, negou que a política fiscal incentive o uso de agrotóxicos na produção agrícola, e afirmou que o fim das isenções e reduções de impostos teria impacto na segurança alimentar.  

Já o representante do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), Valter José Fayad, rebateu os argumentos do colega e afirmou que “90% das áreas tratadas com defensivos químicos foi direcionada para a produção de commodities, e não para produzir alimentos”.

Na mesma linha, o defensor público de São Paulo Rafael Ramia Munerati foi enfático ao afirmar que, em mais de 27 anos de vigência da atual política fiscal, o uso de insumos químicos “não acabou com a fome no Brasil”, e ressaltou que não se trata do banimento desses produtos, mas da adoção de uma nova forma de tributação, em consonância com os estudos mais recentes sobre os impactos do uso desses insumos químicos.  

Edição: Martina Medina