Por Arthur Soffiati
Há vários métodos, ou maneiras, de se identificar um sítio arqueológico. Um montículo de terra estranho à topografia do terreno pode esconder vestígios de uma cultura, seja ela autóctone ou alóctone. Algum fenômeno meteorológico, como chuvas torrenciais e enxurradas, podem descobrir material que estava enterrado. Com as mudanças climáticas, as grandes estiagens estão provocando a redução de nível dos rios e trazendo à tona construções e objetos móveis que estavam submersos.
Mas, sem dúvida, nos países pobres, o principal arqueólogo são máquinas que atuam no campo, como arados, e nas cidades, como retroescavadeiras. Elas trazem à tona o que estava debaixo da terra havia muito tempo. A descoberta de material arqueológico aparece sob o signo da destruição. E, geralmente, as obras param muito rapidamente apenas para uma prospecção de salvamento. Os arqueólogos retiram o que podem retirar e as obras prosseguem destruindo o possível material que ficou enterrado.
Ao me mudar para o Norte Fluminense, primeiro para São Fidélis e depois para Campos, fui chamado a identificar sítios arqueológicos nessa situação: salvar às pressas o que for possível. O primeiro deles apareceu em São Fidélis. Numa farmácia da cidade, ouvi pessoas conversando sobre obras efetuadas na Vila dos Coroados, margem direita do rio Paraíba do Sul. Elas revelaram cacos de vasos de cerâmica e esqueletos. Corri ao local e verifiquei tratar-se de um sítio arqueológico. Sabe-se que missionários católicos aldearam indígenas coroados naquele ponto por notícias deixadas por Maximiliano de Wied-Neuwied. Imediatamente, fiz contato com os diretores do Centro Brasileiro de Arqueologia, do qual eu fazia parte. Imediatamente, uma turma de estudantes de arqueologia chegou a São Fidélis para empreender uma prospecção de salvamento. Foi minha última atividade pelo CBA.
Mudando-me para Campos, o primeiro sítio que me mobilizou localizava-se em Donana. Corri para lá e ainda cheguei a ver uma urna mortuária de cerâmica com um esqueleto inteiro. O material foi confiscado pela polícia civil. Fui chamado a prestar esclarecimentos. O delegado que cuidava do caso instaurou um inquérito para descobrir o(s) assassino(s). Expliquei-lhe que se tratava de um sítio arqueológico e que o vaso era uma urna funerária. Estávamos diante de um enterramento ritual. O delegado não se convenceu e prosseguiu com o inquérito. O arado que fez a descoberta continuou seu trabalho de destruição. Nada pôde ser salvo. Um canavial cresceu sobre o sítio, sendo substituído pela cidade posteriormente.
O mesmo aconteceu em Macaé, no bairro do Barreto. A expansão da cidade encontrou vestígios de um assentamento indígena. Instigado pela imprensa, identifiquei o sítio e pedi ao prefeito para interditá-lo invocando a lei de proteção dos sítios arqueológicos. Pelo menos, uma pesquisa de salvamento pôde ser efetuada por arqueólogos.
Nos anos de 1988-9, trabalhei no Departamento de Cultura de Campos. A Santa Casa de Misericórdia iniciou o rebaixamento de um terreno para construir uma capela mortuária nas imediações do cemitério municipal. Rebaixamento anterior feito pela prefeitura de Campos revelou um sítio arqueológico que passou por prospecção de salvamento pelo arqueólogo Ondemar Dias. Em nome da prefeitura, embarguei a obra. Ninguém se importou com o embargo. Pedi socorro ao IPHAN, que emitiu embargo. A obra continuou. Apresentei denúncia à Polícia Federal. Fui mais punido que o provedor da Santa Casa. O delegado queria saber quem eu era para acusar uma autoridade. Foi preciso pedir ajuda ao Centro Brasileiro de Arqueologia. Tudo em vão. No final, a capela foi construída.
Com a professora Simonne Teixeira, visitamos os remanescentes de um provável sambaqui na lagoa do Mulaco, que hoje não mais existe. Na restinga, o sítio era uma prova de que o mar recuou e o continente avançou, pois, a cerca de 10 quilômetros da costa, conchas marinhas estavam presentes. Em direção diametralmente oposta, registramos um sítio arqueológico em Cambuci, na zona serrana da região. Mais tarde, eu receberia daquela cidade dois batedores de pedra polida.
Agora, o professor André Velasco encontra inscrições numa pedra no alto do morro do Itaoca. Ele me levou ao local, que eu já conhecia. Contudo, nunca reparei aquelas incisões na rocha. Eu acabara de ler “Petróglifos sul-americanos”, de Theodor Koch-Grünberg. Os povos pré-colombianos deixaram inscrições em rochas duras. Não eram desenhos feitos para passar o tempo, como pensava o autor. Elas tinham um cunho sagrado. Entendo que as marcas numa pedra do morro do Itaoca têm origem humana. Não foram feitas por algum desocupado. Parecem muito antigas pelo desgaste. Merecem estudos.
*Professor, escritor, historiador, ambientalista e membro da Academia Campista de Letras








