Em 1957, meu pai comprou uma baratinha. Não lembro de que marca. Ela era de segunda mão e só tinha o banco da frente. Fomos do Rio a Itatiaia nela, como já relatei ou vou relatar. No único banco, meu pai ao volante, minha mãe a seu lado, eu e meu irmão. Doze horas de viagem. Ela deu defeito várias vezes, principalmente na subida para Petrópolis.
Em 1959, meu pai decidiu passar férias em Barra de São João. Ele queria pescar. A pesca não era um esporte para ele, mas uma diversão. Tudo estava bem com peixe ou sem peixe. Não lembro quantas horas levamos para chegar lá. Não havia hotel. Ficamos hospedados numa pensão ligada a um posto de combustível.
A ponte velha sobre o rio São João ainda era transitável. Hoje, restam apenas ruínas dela. O objetivo do meu pai era pescar no mar e no rio. A pensão ficava às margens de um rio ainda cheio de meandros que o Departamento Nacional de Obras e Saneamento eliminou anos mais tarde. Soube dessas transformações apenas na década de 1970. A casa de Casimiro de Abreu estava lá e me impressionou. A estrada até Macaé era de terra. Rio das Ostras limitava-se a uma colônia de pescadores.
Meu pai não tinha muito sucesso em suas pescarias. Foi sempre assim. Era comum contar mentiras sobre suas façanhas de pescador. Eu tinha então 12 anos. Estava atrasado nos estudos. Eu cursava o quarto ano primário. Meu atraso não se devia à repetência, mas por ter sido matriculado tarde.
Num dia dessas férias longínquas, fomos a Macaé. A viagem durou mais de uma hora naquela baratinha rodando numa estrada de terra. Macaé era uma pequena cidade. Meu pai morara nela nos anos de 1920, quando meu avô — militar intendente — serviu no Forte. O rio Macaé tinha outra fisionomia na foz. No seu curso final, ainda existia o caudaloso Brejo da Severina.
Não sei se ele pescou no rio. Lembro que pescou na lagoa de Imboacica. Era, então, bem diferente daquela que conhecemos hoje. Tratava-se de um rio de mesmo nome com foz barrada. Eu apenas saberia dessa condição vinte anos depois. Lembro bem do cheiro de mar que exalava dela. Era uma linda cidade, bem diferente da fisionomia que tem hoje. Parodiando Erasmo Carlos, eu era uma criança e não entendia nada.
Limitava-me a acompanhar meu pai e a ler “Guia do Escoteiro”, de Velho Lobo. A segunda edição dele foi lançada exatamente em 1959. Foi meu primeiro livro e até hoje eu o conservo. Eu queria ser escoteiro e nunca pude. Meu pai não deixava, embora admirasse o escotismo.
Naquele mesmo ano, meu pai me deu de presente a obra completa de Júlio Verne. Eram quarenta e dois livros que li com interesse e sofreguidão em dois anos. Até hoje, conservo comigo a maior parte dos livros que formam a coleção.
Certo dia, minha mãe quis visitar uma tia que morava em Rio Dourado. Creio que ela saiu do Rio de Janeiro com esse plano. Rio Dourado era então uma localidade perdida no mundo, embora perto de Barra de São João. Lá fomos os quatro na baratinha pelas estradas de terra. Não lembro de quanto tempo durou a viagem. Chegamos. Tia Santa e seu marido Lolô. Ela era a mais nova irmã de minha avó materna e sogra de um tio que casara com uma prima muito querida de minha mãe. Não cheguei a conhecê-la.
Eles moravam numa casa grande. Parecia uma chácara. No fundo, um rio. Era o rio Dourado, me informaram. Caudaloso com suas águas barrentas. Mais tarde, vim a saber que se tratava de um afluente do rio São João. A partir da década de 1970, passei a estudar os rios entre o sul do Espírito Santo e a Região dos Lagos. Eles tiveram uma triste sorte. Hoje são pálida imagem do que foram outrora. Voltei a Rio Dourado no fim da década de 1990 para um encontro de família.
Em resumo, conheci Barra de São João, Rio das Ostras, Macaé e Rio Dourado em 1959. Tenho retornado a Macaé com certa frequência. Desde 2014, tenho passado em Rio Dourado e em Barra de São João quase que anualmente. Hoje, Macaé se ligou a Rio das Ostras, formando uma só mancha urbana. Existe apenas uma área livre entre as duas cidades. Eu diria que a tendência é formar-se uma conturbação ligando Macaé, Rio das Ostras, Barra de São João e Unamar.
Quem viaja com hora marcada, não mais toma o caminho de dentro, mas segue pela BR 101 até a entrada de Rio Dourado. Quando vim morar em Campos, o caminho para o Rio de Janeiro era a linha férrea ou uma estrada que passava por Macaé, Araruama, contornava a baía da Guanabara por Magé e chegava ao Rio. Percorria-se o caminho de dentro. Uma viagem de trem podia demorar dez horas. Em cinquenta anos, houve muita mudança.