Reflexões sobre a crise ambiental da atualidade


Por Arthur Soffiati

Desde seus primórdios, os grupos humanos lutam entre si por recursos naturais ou por costume. As lutas desses primeiros povos não visavam a conquista de territórios, mas apenas de recursos para viver e para demonstrar coragem. Sempre havia repercussões na natureza, mas de pouca monta. A natureza dava conta e absorvia os impactos.

Quando algumas sociedades se tornaram sedentárias graças à agricultura e ao pastorei, foi necessário desmatar. Os povos nômades atacavam as sociedades agrícolas em busca de alimentos. Tanto o desmatamento quanto a guerra entre nômades e sedentários, assim como entre sedentários e sedentários, causavam impactos à natureza, mas ela apresentava resiliência para absorver tais impactos.

Algumas sociedades agrícolas tornaram-se urbanas. O impacto delas sobre a natureza aumentou. Da mesma forma, as riquezas produzidas atraíam povos nômades. As guerras se tornaram frequentes para defesa contra ataques nômades e contra outras sociedades urbanas para conquista de territórios. A natureza ainda apresentava resiliência para absorver os impactos das guerras contra ela para exploração de recursos naturais e contra outros povos.

Estela dos Abutres retratando guerra do rei Ur-Nammu, da Suméria. Um dos mais antigos registros de guerra (2111-2094)

Algumas ultrapassaram os limites da natureza e sofreram as consequências de uma superexploração, como no vale do indo, no vale do Mekong, na América Central e na ilha de Páscoa. Essa ultrapassagem contribuiu para o declínio de tais sociedades. Foram guerras travadas contra a natureza em nome da economia. No final, a natureza venceu.

A mais longa guerra travada pelos seres humanos entre si foi a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), mas a guerra mais longa vem sendo travada pelo Ocidente contra a natureza há pelo menos 600 anos (1415-2025). Essa guerra foi travada em nome do lucro e da ocidentalização do mundo.  

A abundância de recursos e as oscilações climáticas naturais do Holoceno favoreceram o crescimento da produção de certas sociedades. Em especial, da sociedade ocidental. Foi uma fase cálida do clima entre os séculos IX e XIV que estimulou a economia de mercado. Foram a abundância de terras e de produtos considerados preciosos que favoreceram o crescimento da sociedade da Europa Ocidental. Ao mesmo tempo, o acesso à terra exigia o desmatamento. Os metais preciosos exigiam a escravização de nativos e de africanos. 

A obtenção de riquezas provocava o empobrecimento do ambiente, com a derrubada de florestas, com a extinção de espécies animais, com a poluição das águas e do ar, com a erosão, com a emissão de gases que alteravam o clima artificialmente.

Emprego de nativos americanos para o desmatamento. André de Thévet, meados do século XVI

Sempre em busca de lucros crescentes, a sociedade europeia ocidental passou a explorar minerais fósseis para a geração de energia e matéria prima. Carvão mineral, petróleo e gás natural foram produzidos pela natureza. Agora, eles são intensivamente usados e causam danos à própria natureza que os criou. Eles propiciaram os avanços dos processos de produção no que é conhecido como Revolução Industrial assim como começaram a inviabilizar a própria revolução que os gerou.   

Se a natureza já se ressentia dos impactos causados pela sua exploração, os impactos de uma economia criada e expandida pelo ocidente para todo o mundo aumentam de intensidade de forma exponencial.

Em qualquer momento da história da Terra e da vida, predominam processos homeostáticos, ou seja, aqueles em que uma ação gera uma reação que inibe a ação inicial, a exemplo de uma caixa d’água que tem seu nível abaixado. Acontece de a boia também abaixar permitindo a entrada de água que elevará a boia e vedará o cano de entrada. O equilíbrio é, então, restabelecido.

Os processos de produção da economia de mercado são exponenciais. Eles criam uma ação que gera uma reação que acentua a ação inicial, como uma forca cujo laço aperta mais quanto mais pesado for o corpo enforcado.

“Duelo a garrotazos”, de Francisco Goya. Dois homens lutam enquanto afundam dentro de um pântano. O vencedor e o vencido serão tragados pela natureza

O chamado desenvolvimento é um crescimento exponencial: ele explora a natureza para enriquecer as sociedades globalizadas e provoca a inviabilização do desenvolvimento. Tanto as sociedades que exploram muito a natureza quanto as que a exploram pouco tornam-se vítimas da exploração.

O resultado não são apenas as mudanças climáticas antropogênicas pelo acúmulo de gases na atmosfera, como também a destruição de biomas, a extinção de espécies, a degradação dos oceanos, o derretimento de geleiras, a elevação do nível do mar, a poluição do ambiente. 

E a guerra contra a natureza gera uma resposta desta como se fossem bombas com grande poder de destruição lançadas contra as sociedades humanas: chuvas torrenciais, estiagens devastadoras, tempestades de vento, avanço do mar sobre áreas povoadas por pessoas.

Os cientistas vêm advertindo quanto aos perigos de se alterar as condições do Holoceno há 50 anos. A primeira reação foi a de ignorar ou de considerar alarmistas tais advertências. A segunda foi a de negar os aportes da ciência. Atualmente, os avisos estão sendo levados em conta, mas não no nível desejado.

Para discutir… o que? Uma destruição em velocidade mais lenta? O fim progressivo do processo de destruição? A transição de uma economia de baixo carbono com o uso progressivo de fontes como o sol, o vento e o mar? O retorno às condições naturais do Holoceno antes da crise? Um ambiente que, apesar do uso de combustíveis fósseis, não agrida tanto a natureza e os humanos? Para discutir tudo isso, ou seja, a crise ambiental antrópica em todas as suas manifestações, são promovidas reuniões para discutir acordos que reduzam a intensidade da guerra contra a natureza e os revides desta e mesmo o fim da guerra. São as chamadas COPs.

 Como é comum nas negociações de paz, primeiro busca-se continuar com uma guerra rendosa. Não se consegue consenso. Marca-se outra reunião. Avança-se um pouco mais, porém não o necessário para cessar a guerra. A natureza contra-ataca de maneira cada vez mais agressiva. Nova reunião é promovida. Declarações conjuntas empurrando a paz para o futuro e não cumprindo os acordos firmados. 

Os países chamados desenvolvidos são os que mais poder de fogo têm na guerra contra o planeta. Guerrear a Terra foi, durante muito tempo, sinônimo de progresso e desenvolvimento. Os países que mais bombardeiam o planeta não esperavam um contra-ataque dele. Por muito tempo, julgaram que a natureza era inerte diante dos ataques da economia. Agora, que os cientistas revelam o planeta como sujeito de história, a cultura ocidental da exploração busca uma exploração mais moderada ou continua com a guerra confiando na resiliência da natureza.

O que os defensores da Terra pretendem? Criar um equilíbrio perfeito com a cessação dos bombardeios? Criar condições ao menos suportáveis para a vida? Retornar à dinâmica natural do Holoceno? Equilíbrio perfeito nunca existiu. A Terra nasceu em condições insuportáveis para a vida. Com o tempo, essas condições permitiram que a vida se constituísse em meio a condições adversas. Várias crises naturais ameaçaram a vida severamente. O que o autor destas reflexões almeja é o retorno das condições naturais do Holoceno ou a criação de condições suportáveis para a vida. Sabe-se, de antemão, que essas condições sofrerão mudanças naturais até o desparecimento da Terra. Que seja o Universo responsável pela extinção. Não o ser humano. Todos morrerão, mas, enquanto vivos, o tratamento deve valorizar a dignidade.