Mais de um terço das escolas nas capitais brasileiras enfrentam uma preocupante falta de áreas verdes. Essa carência é exacerbada por desigualdades raciais e econômicas, afetando especialmente estudantes de favelas, comunidades urbanas mais pobres e escolas com maior proporção de alunos negros, que também são mais vulneráveis a temperaturas extremas e riscos climáticos, refletindo o racismo ambiental nas cidades. O alerta vem de um estudo do MapBiomas em parceira com o Instituto Alana e a Fiquem Sabendo.
Em um mundo em transe, a falta de verde impacta diretamente o desenvolvimento das crianças, e a ausência de infraestrutura adaptada aos extremos, como enchentes e calor, agrava os efeitos das mudanças climáticas nas escolas, prejudicando o aprendizado e colocando em risco os estudantes.
O estudo aponta soluções para mudar essa realidade, sugerindo o plantio de árvores nas escolas, a integração com praças e parques próximos, e a promoção de uma cultura de prevenção e percepção de riscos climáticos. Essas ações não só melhorariam a saúde e o bem-estar dos alunos, como também fortaleceriam a educação climática e a resiliência. Analisa ainda a relação entre ocupação do solo, áreas de risco e calor nas escolas, destacando a importância de políticas públicas baseadas em dados para criar ambientes mais saudáveis e resilientes, com foco na justiça climática e no benefício de todas as crianças e adolescentes.
“A gente precisa desconcretar as escolas, ou seja, criar espaços abertos, substituir cimento por áreas verdes, porque essas áreas verdes não só servirão de espaço para a criança poder brincar na natureza, mas vai ser uma área de maior permeabilidade do solo”, diz ao Um Só Planeta João Paulo Amaral, gerente de Natureza do Instituto Alana, entidade de impacto socioambiental, com foco na proteção e promoção dos direitos das crianças.
Recentemente, o Brasil atualizou sua Política Nacional de Educação Ambiental, que entrará em vigor em 2025, incluindo a obrigatoriedade de temas como mudança climática e biodiversidade no currículo escolar. João Paulo destaca que não é possível implementar a educação ambiental de forma eficaz sem mudar a infraestrutura das escolas, algo que a política não aborda. E menciona que, embora o Ministério do Meio Ambiente (MMA) incentive a criação de escolas sustentáveis, equipadas com painéis solares e outras medidas que promovem a sustentabilidade, muitas escolas públicas no Brasil são construídas sem necessariamente seguir diretrizes que incluam áreas verdes.
Segundo ele, a política de educação no Brasil atualmente limita as ações da Secretaria de Educação ao perímetro da escola, dificultando a promoção de áreas verdes e parques no entorno, o que representa um gargalo significativo para a implementação de uma educação ambiental eficaz. “Quando vai para a rua, aí já não é mais de responsabilidade da educação”, afirma.
Para o especialista, além de mais atenção ao entorno, é urgente a necessidade de considerar as escolas como espaços que devem ser preparados para enfrentar desastres climáticos, enfatizando a importância de reformas e adaptações para garantir a segurança dos alunos. “A gente está trabalhando com o Rio Grande do Sul na criação de políticas de prevenção e redução de riscos de desastres que envolvam as escolas. Foram mais de mil escolas e 400 mil impactados pelas enchentes no estado”, conta.
A seguir conheça os principais resultados e alertas do estudo “O acesso ao verde e a resiliência climática nas escolas das capitais brasileiras”.
Natureza ausente
A presença de áreas verdes nas escolas é essencial para o desenvolvimento das crianças, proporcionando espaços para brincar, aprender e se conectar com a natureza, algo nem sempre possível no cotidiano urbano. Além de beneficiar a saúde física e mental dos alunos, as escolas com mais vegetação são mais resilientes às mudanças climáticas, oferecendo sombra, biodiversidade e solo permeável. Essas áreas também são fundamentais para integrar o currículo escolar à educação ambiental e climática, promovendo um aprendizado real.
No Brasil, 37,4% das instituições, incluindo tanto escolas públicas quanto privadas, não oferecem nenhum espaço vegetado em seus terrenos. Quando presente, a vegetação é escassa: 33% das escolas com área verde têm menos de 20% de cobertura, e apenas 20,6% possuem mais de 30% de área verde. A situação é ainda mais grave nas escolas particulares, com 85,7% delas apresentando uma área verde limitada a 20% ou nenhuma cobertura vegetal. As escolas públicas, por outro lado, possuem uma proporção maior de áreas verdes, com 31% delas tendo mais de 30% de vegetação no lote, em contraste com apenas 9% das privadas.
Essa carência de áreas verdes é especialmente crítica nas regiões mais vulneráveis, como as favelas e comunidades urbanas, onde 52,4% das escolas não possuem espaços vegetados. As desigualdades também são evidentes entre as capitais, com Salvador liderando a lista (87% das escolas não possuem áreas verdes). O estudo defende políticas que incentivem a criação e ampliação de espaços verdes, especialmente em regiões como o Nordeste, onde a escassez é mais acentuada. Em contraste regional, nas escolas de São Paulo, 39% das instituições não oferecem nenhum espaço verde, impactando diretamente mais de 374 mil estudantes.
Como virar esse jogo?
Para solucionar essa questão, é recomendado remover concretos e criar novas áreas verdes, priorizando espécies nativas, e envolver os estudantes no cultivo de hortas e jardins. Além disso, a criação de pátios naturalizados, com a integração ao sistema municipal de áreas verdes e abertura aos finais de semana, pode ampliar o acesso à natureza, especialmente em regiões mais vulneráveis e carentes de espaços verdes.
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Falta de praças e parques próximos
Praças e parques são essenciais para o desenvolvimento da educação integral e o bem-estar de crianças, especialmente em escolas sem áreas verdes. Mas a distribuição de praças e parques ao redor das escolas brasileiras revela um padrão desigual que afeta especialmente as crianças de áreas mais vulneráveis. Análise dos arredores das escolas em raios de 500 metros e 1.000 metros mostra que cerca de 20% das escolas não possuem espaços verdes próximos, impactando mais de 1,5 milhão de alunos. A falta de vegetação dentro das escolas poder ser atenuada com áreas verdes nas imediações: por exemplo, 77,2% das escolas de educação infantil e 89,9% das escolas de ensino fundamental sem área verde em seu terreno têm acesso a praças e parques em um raio de até 1 km.
No entanto, essas áreas verdes estão frequentemente ausentes em contextos de maior vulnerabilidade social, como favelas e comunidades urbanas mais pobres, o que evidencia a persistência do racismo ambiental, com disparidades relacionadas ao perfil socioeconômico e racial das escolas. Enquanto 30,1% das escolas negras não têm praças ou parques em seu entorno de 500 metros, essa realidade afeta apenas 11,4% das escolas brancas.
Além disso, as escolas localizadas nas regiões Norte do Brasil enfrentam desafios ainda maiores, com 44% delas sem áreas verdes nas proximidades, um percentual muito superior às regiões Sul (14%) e Sudeste (13%). Essa distribuição desigual reforça a exclusão social e a falta de infraestrutura nas comunidades mais periféricas.
Como virar esse jogo?
O estudo recomenda integrar as escolas aos espaços públicos próximos, criando ambientes para convivência e aprendizado. Além disso, ações de urbanismo tático, como ampliar calçadas e melhorar a segurança viária, podem facilitar o acesso. É fundamental ampliar as áreas verdes, especialmente em regiões periféricas, garantindo que todas as escolas tenham um parque ou praça qualificada a até 500 metros de distância.
Escolas na rota de desastres
A crescente frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos, como deslizamentos de terra e inundações, têm um impacto devastador nas comunidades mais vulneráveis, especialmente crianças e adolescentes que vivem em áreas empobrecidas e marginalizadas. Esses desastres climáticos podem resultar em escolas destruídas ou fechadas por longos períodos, afetando diretamente o acesso à educação e agravando problemas como abandono escolar, insegurança alimentar e aumento do trabalho infantil.
Em várias capitais brasileiras, muitas escolas estão localizadas em áreas de risco climático, expondo centenas de milhares de crianças a desastres naturais como inundações, enxurradas e deslizamentos. Mais de 370 mil alunos da educação infantil e do ensino fundamental estudam em escolas situadas em regiões vulneráveis, com a maioria dessas instituições (57%) sem áreas verdes em seus terrenos. A desigualdade também é evidente, já que as escolas públicas representam a maior parte das instituições em risco (59%), enquanto as particulares somam 41,4%. Além disso, 89,6% das escolas em áreas de risco estão em regiões próximas a favelas ou comunidades urbanas, onde a população negra predomina, refletindo uma clara vulnerabilidade socioeconômica.

As capitais com maior concentração de escolas em áreas de risco incluem Salvador (50%), Vitória (25%), Recife (23%) e Belo Horizonte (14%). Em termos absolutos, São Paulo e Rio de Janeiro têm 252 e 117 escolas, respectivamente, em áreas de risco, afetando mais de 100 mil alunos. A análise revela que, além do risco climático, existe um padrão de desigualdade racial e social, com 51,3% das escolas em áreas de risco sendo predominantemente negras, o que intensifica a necessidade de políticas públicas eficazes para mitigar esses riscos e garantir a segurança e o bem-estar dos estudantes, especialmente nas regiões mais vulneráveis.
Como virar esse jogo?
Para mitigar esses impactos, é crucial priorizar as escolas em áreas de risco nas políticas públicas de redução de desastres, reformando as infraestruturas existentes ou construindo novas escolas em locais seguros. Também é necessário desenvolver protocolos claros para enfrentar emergências, promover uma cultura de prevenção e melhorar o mapeamento de áreas de risco, com foco na justiça climática, para garantir a segurança e o bem-estar de estudantes e comunidades escolares em contextos de vulnerabilidade.
Menos verde, mais ilhas de calor e desconforto
O aumento das temperaturas e a intensificação das ondas de calor no Brasil representam um grande desafio para a saúde e o aprendizado das crianças. Ondas de calor prejudicam a qualidade do sono, aumentam a ansiedade e, principalmente, comprometem a capacidade de concentração, resultando em perdas significativas de aprendizado.
A análise da relação entre escolas e ilhas de calor em várias capitais brasileiras revelou que uma grande parte das escolas está localizada em áreas significativamente mais quentes que as médias urbanas. Em 2023, 64% das escolas estavam em territórios com temperatura pelo menos 1°C acima da média, e cerca de um terço das capitais apresentaram mais de 50% de suas escolas em locais com desvios de temperatura considerados altos (acima de 3,57°C).
Esse fenômeno é agravado pela falta de áreas verdes: 78% das escolas mais quentes têm pouca ou nenhuma vegetação, com 47% sem nenhuma área verde no lote. Essa ausência de verde contribui diretamente para a elevação das temperaturas nas escolas, tornando-as ambientes menos saudáveis e mais desconfortáveis para os estudantes.
Além do impacto térmico, as ilhas de calor nas escolas também refletem disparidades raciais e sociais. Escolas em áreas mais quentes atendem predominantemente alunos negros (35%), enquanto apenas 8,6% atendem estudantes brancos. Isso indica que as comunidades negras são mais afetadas pelas altas temperaturas urbanas, o que reforça a desigualdade social e ambiental.
As capitais do Norte e Nordeste, como Manaus, Macapá e Boa Vista, destacam-se com as maiores proporções de escolas em áreas com temperaturas superiores à média, evidenciando a necessidade urgente de políticas públicas que integrem a recuperação e ampliação de áreas verdes nas escolas, especialmente nas regiões mais vulneráveis, para mitigar efeitos.

Como virar esse jogo?
Para enfrentar esse problema, é fundamental adotar medidas de adaptação climática nas escolas, como a reforma e construção de instituições com foco no conforto térmico, utilizando materiais como telhados reflexivos, pavimentos “frios” e sistemas de ventilação eficientes. Além disso, a ampliação de áreas verdes urbanas, com o plantio de árvores e florestas, pode reduzir a temperatura e promover ambientes mais agradáveis ao ar livre. Também é importante ajustar a rotina escolar para evitar atividades ao ar livre nos horários mais quentes, priorizando a realização dessas atividades à sombra e em horários mais frescos, garantindo ainda o acesso constante à água e o uso de roupas leves e chapéus para proteção.