O hub ferro metálico do Porto do Açu em tempos de colapso climático: ávido consumidor de H20 e grande emissor de CO2

Uma audiência pública que varou a noite, mas pouco explicou

Na noite de ontem foi realizada uma longuíssima audiência pública no Grussai Praia Clube para apresentar os estudos de impacto ambiental do chamado “hub ferro metálico” que deverá ser construído no Porto do Açu. Não estive presente pessoalmente, mas recebi dezenas de imagens do evento, incluindo a maioria dos slides onde foram apresentados os principais impactos que mais este empreendimento instalado em terras expropriadas de agricultores familiares que até hoje esperam pelo ressarcimento que lhes é devido.

Das muitas imagens que me foram enviadas, selecionei as que se refere a três elementos que considero importantes: o consumo de água, as emissões de CO2 e o impacto sobre as localidades no entorno imediato do “hub ferro metálico”.  Quando colocados em unidades que são mais intelegíveis para o cidadão comum, todos esses elementos ganham caras impressionantes.

Mas antes de me deter na análise dos números, tenho que lembrar que esse hub é uma pálida consumação das duas siderúrgicas que foram anunciadas por Eike Batista.  A produção de ferro metálico, por mais impactante que seja social e ambientalmente, não é nada mais do que um processo de redução do ferro à sua forma metálica pura, a qual é inexistente na natureza.  Assim, a produção de ferro metálico não passa de um beneficiamento primário que adiciona mais valor ao ferro, mas com custos altíssimos para o ambiente e a população que reside nas áreas de entorno.

Dito isso, vamos ao anunciado consumo de água nas diferentes fases do processo de produção do ferro metálico que seria de 2.934 metros cúbicos por hora (ver imagem abaixo).

Como a maioria das pessoas consegue entender bem consumo de água em litros, fiz essa conversão para a escala de um dia, e cheguei ao consumo de aproximadamente 70 milhões de litros de água por dia, o que daria um consumo anual de 25,5 bilhões de litros de água.  Para que se tenha ideia do que isso significa só é preciso dizer que essa quantidade de litros abasteceria uma cidade com população de 475 mil habitantes.

Um detalhe não menos importante é que quase um terço dessa água seria obtida de aquíferos, o que implicaria em uma descarga desses corpos hídricos subterrâneos. Um problema imediato seria a penetração de águas ocêanicas para o interior dos aquíferos, o que implicaria em um novo processo de salinização na região do Porto do Açu.

Mas pelo menos agora se pode começar a entender o porquê do Porto do Açu ter uma outorga para o consumo de incríveis 142 bilhões de litros de água anualmente.

O hub como emissor de CO2

Outro impacto direto da construção do hub ferro metálico seria a ocorrência de uma grande elevação na emissão de CO2 pelo Porto do Açu.  Levando em conta apenas os insumos envolvidos em uma produção estimada de 10 milhões de toneladas anuais, as estimativas de emissões de CO2 serão bastante consideráveis (ver figura abaixo).

Se considerarmos o consumo de 9 milhões de m³ de gás natural por ano somados a 18 milhões de metros cúbicos de hidrogênio e a 15 milhões de toneladas anuais de minério de ferro, a conta é assombrosa. Senão vejamos:  apenas o consumo de 9 milhões de m³ de gás natural por ano resulta em uma emissão estimada de cerca de 17 mil toneladas de CO₂ (ou 17,1 kt CO₂) para a atmosfera. E dependendo do tipo de hidrogênio que for usado, as emissões poderão variar de 0 toneladas anuais (se o hidrogênio usado for “verde”), passando para 3,3 milhões de toneladas de CO₂/ano (se for o hidrogênio usado for “azul”), e podendo alcançar 65,7 milhões de toneladas de CO₂/ano (se o hidrogênio usado for “cinza). Já o consumo de 15 milhões de toneladas de ferro/ano gera algo entre 4,5 e 34,5 milhões de toneladas de CO₂, dependendo da rota tecnológica. Em outras palavras, o hub ferro metálico do Porto do Açu tem o potencial de se tornar um grande emissor de CO2, totalizando um valor máximo estimado de 117.2 milhões de toneladas anuais.  E tome aquecimento global!

Curiosamente, a audiência desse hub “fóssil” ocorreu em plena COP30, o que apenas reforça as contradições entre o discurso oficial do Brasil e os projetos econômicos que continuam sendo aprovados e financiados com muito dinheiro público.

A questão dos impactos sobre o território do V Distrito

Até este momento, o que já se documentou em relação aos impactos socioambientais do Porto do Açu envolve o deslocamento forçado de centenas de famílias de pequenos agricultores de suas terras, o processo de salinização de áreas continentais e ainda o grave processo de erosão que ocorre ao sul do molhe do Terminal 2.   A esses impactos se somam as emissões atmosféricas de material particulado, seja por movimentação de cargas, seja pela operação das duas usinas termelétricas instaladas pela GNA.

Agora, com a possível implantação do hub ferro metálico, o que teremos será uma soma da emissão de material particulado e gasoso, e um grande volume de ruídos.   Assim sendo, dado o volume de material envolvido, seja como matéria-prima ou como insumo de produção, o que não vai faltar é poluição atmosférica. Nos slides que me foram enviados, não vi uma estimativa do valor estimado de emissões atmosféricas de materiais particulados e gasosos. Mas que não será pouca coisa, me parece mais do que óbvio.

Por isso, apesar das figuras mostradas (ver uma delas abaixo) não mostrarem a distância do hub das localidades de Água Preta e Mato Escuro, me parece óbvio que a população dessas duas localidades vai ser fortemente impactada pela produção de poluição química e sonora.

Além disso, me parece igualmente óbvio que os impactos inevitáveis desse projeto estão sendo subestimados.  E aí é que mora o problema, já que após o projeto ser instalado não haverá volta. Outra coisa que parece óbvia, dada a situação da erosão em curso na Praia do Açu, é que não se pode esperar que o empreendedor vá assumir espontaneamente a responsabilidade de corrigir os problemas que vão ocorrer com a instalação do projeto.  Por isso seria importante colocar condicionantes explícitas em relação às responsabilidades que deverão ser assumidas em relação à mitigação dos impactos socioambientais desse hub com forte impacto socioambiental.  

Mas dada a experiência pregressa e atual com o Porto do Açu, se a população não se movimentar para exigir condicionantes robustas, as licenças ambientais serão emitidas e daqui a alguns anos vamos conviver com impactos que não terão nem pai nem mãe, apenas vítimas indefesas. E dado o envolvimento da mineradora Vale nesse hub, acho que não é preciso lembrar das experiências de Mariana e Brumadinho para dizer, lembrando a canção “Meu caro amigo” de Chico Buarque, que a coisa aqui vai ficar preta, de pó de ferro…