Durante os meses de novembro e dezembro de 2017, a Profa. Dra. Angélica Soares participou da terceira fase da trigésima sexta Operação Antártica (OPERANTAR), realizada pela Marinha do Brasil, visando dar continuidade ao Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), criado em 1982, com objetivo de garantir a presença brasileira no continente antártico e permitir o desenvolvimento de pesquisas científicas no local.
A professora integrou uma equipe composta por militares da Marinha do Brasil e por vinte e dois pesquisadores, oriundos de áreas e universidades diferentes do país, que conviveram, por cerca de 2 meses, no continente marcado por condições inóspitas. Na Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), a nossa casa brasileira no continente antártico, e a bordo do Navio Polar Almirante Maximiliano, o “Tio Max”, como é carinhosamente conhecido, que serviu também como plataforma para realização de suas pesquisas, ela embarcou rumo à procura de novas substâncias de origem marinha com potencial biotecnológico.
A aventura começou com a participação da professora, como pesquisadora, no projeto “Biodiversidade, Monitoramento, Estratégias de Sobrevivência e Prospecção de Macroalgas Extremófilas da Antártica Marítima”, coordenado pelo Prof. Pio Colepicolo, da Universidade de São Paulo, contemplado pelo edital 63/2013 do CNPq para desenvolvimento das pesquisas com material proveniente da Antártica durante os anos de 2014-2018.
A docente do NUPEM/UFRJ – que atua na área de Química Orgânica e Ecologia Química e coordena o Grupo de Produtos Naturais de Organismos Aquáticos (GPNOA) desenvolve projetos de pesquisas nas áreas de Química de Produtos Naturais Marinhos e de Organismos de Água Doce, ecologia química e avaliação do potencial biotecnológico dessas substâncias.
Para participar da Expedição a pesquisadora teve que incialmente passar pelo Treinamento Pré-Antártico (TPA), aplicado pela Marinha do Brasil e realizado na Restinga de Marambaia, RJ em agosto de 2017. O Treinamento Pré-Antártico (TPA) é realizado anualmente pela Secretaria Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM) no Centro de Avaliação da Ilha da Marambaia (CADIM) e tem por objetivo escolher os 15 militares que irão compor o Grupo-Base (GB) da Estação Ferraz no ano seguinte de cada TPA. O processo de seleção dos novos integrantes do GB é dividido em duas etapas, sendo a primeira composta por aproximadamente 2000 militares. Para os civis, o treinamento permite a preparação técnica de pesquisadores visando a participação desses integrantes com segurança e eficiência, da próxima Operação Antártica. Neste sentido, todos são avaliados física e psicologicamente, além de aprenderem noções básicas de sobrevivência no continente: primeiros socorros, combate a incêndios, estabelecimento e acampamento na região, técnicas de embarque e desembarque de botes e aeronaves com segurança em áreas de condições climáticas adversas, conhecer as vestimentas adequadas para proteção contra o frio, adaptações de rotina para lidar com as dificuldades de logística e de clima, etc.
A Estação Ferraz foi criada em 1984 e está localizada no interior da Baía do Almirantado, na Ilha Rei George. A base destina-se a realizar e apoiar pesquisas na área de climatologia e meio ambiente realizada por brasileiros e cientistas estrangeiros. Estudos sobre mudanças climáticas globais, biodiversidade e o desenvolvimento de substâncias com interesse biotecnológico, são alguns dos objetivos dos projetos desenvolvidos com o apoio da Estação. A administração de “Ferraz” é realizada por militares da Marinha do Brasil, que permanecem na Antártica durante todo o período e são trocados ao final de 13 meses.
Aprovada no teste, a pesquisadora, então, se preparou para embarcar nesta aventura rumo ao continente antártico. Não sem antes lidar com os imprevistos que uma operação como esta comporta, como o atraso da data do início da viagem devido à problemas técnicos no transporte. Feitas as adaptações necessárias, a viagem se deu então a bordo de um avião Hércules, um C-130 da Força Aérea Brasileira – que fornece apoio logístico ao PROANTAR – em direção à Antártica saindo da Base Aérea do Galeão, Rio de Janeiro. Em seguida, após mais uma mudança de planos, toda a equipe de pesquisadores que participavam da Expedição foi enviada para a Estação Ferraz para aguardar o “Max” que durante a viagem para o continente teve que auxiliar nas buscas do submarino argentino San Juan, desaparecido em águas ao sul da América do Sul. Após mais de duas semanas de permanência na base, realizando as coletas de material biológico na região da península, os pesquisadores. embarcaram finalmente no “Max” para cumprir os objetivos finais daquela expedição.
A equipe permaneceu um pouco mais de um mês no local e a jornada diária de trabalho incluiu cerca de 1h dedicada à vestimenta de roupas adequadas para sobreviver naquele ambiente e realizar a busca de organismos (“algumas chegando a pesar cerca de 10kg quando secas, sem contar todo o material para a coleta e os próprios organismos coletados”, relembra a pesquisadora), com potencial biotecnológico, triagem, identificação taxonômica, isolamento de fungos endofíticos das macroalgas e separação do material que será utilizado em diferentes projetos em universidades no Brasil.
As saídas para campo eram sempre realizadas com o acompanhamento de militares mergulhadores e alpinistas, por questões de segurança. A equipe se deslocava de bote inflável até as praias, onde desembarcava e fazia a coleta dos materiais na água, sob temperaturas que giravam em torno de zero grau.
“As jornadas diárias de trabalho chegaram a durar 20 horas, já que, após o trabalho de campo, precisávamos triar, identificar, separar, catalogar e armazenar todo nosso material e tanto a Estação quanto o navio dispunham de condições bastante razoáveis para que isto acontecesse”. Além disto, durante o período na Estação, os pesquisadores também se dedicavam às atividades de limpeza e de preparo de refeições ajudando os militares no dia a dia da Estação: “Todos éramos responsáveis por tudo e nos revezavámos nas atividades de limpeza e preparo das refeições. Isso aproximou muito o grupo, nos fez desenvolver uma relação de amizade e respeito mútuo, tanto entre pesquisadores, quanto entre pesquisadores e militares, que tanto nos ensinaram”.
Angélica avalia a sua experiência: “Em poucos momentos da minha vida eu senti tanto orgulho de ser brasileira. Poder estar na Antártica participando de um Programa brasileiro para pesquisas nesse continente foi um destes momentos. Eu pude realmente ver o que o Brasil faz e o que é capaz de fazer, mesmo com todas as adversidades daquele continente e dificuldades financeiras que atravessamos. Acompanhar a responsabilidade e a seriedade com que os militares da Marinha do Brasil se dedicam à toda a infraestrutura necessária para manter o Programa funcionando, com toda a complexidade logística que cada projeto exige, foi uma experiência única, emocionante e que me fez acreditar ainda mais que somos capazes de construir um país melhor. Eu não acreditei que um dia eu pudesse conhecer o continente antártico. E o meu país me proporcionou isso, nos deu as condições para que isto acontecesse. Então, é importante transmitir uma mensagem, especialmente para os nossos alunos: acredite sempre nos seus sonhos, seja você mesma, abra o seu coração e…se jogue!!! Lute por eles! Vale a pena!”.