As cenas registradas e algumas transmitidas em tempo real de pontes e estradas cedendo à força da correnteza no Rio Grande do Sul são a parte mais visível dos danos à infraestrutura causadas por eventos extremos. Os novos padrões climáticos têm imposto necessidade de adaptação do setor e de rever normas, padrões e incorporar a perspectiva climática para tornar a infraestrutura mais resiliente.
“Não falamos somente de chuva, estamos vivenciando ondas de calor com maior frequência”, explica a pesquisadora do Programa de Engenharia de Transportes da COPPE da Universidade Federal do Rio de Janeiro Andréa Souza Santos. “A gente vai seguir fazendo o business as usual?”, pergunta sobre os desafios de reconstrução e de adaptação.
Santos é ponto focal indicado pela Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas (Rede Clima) para apoiar a construção do plano de adaptação do setor de transportes do Plano Clima e lembra que, em nível global, por muitos anos a agenda de adaptação foi colocada em segundo plano. “Sempre havia aquele olhar de futuro. Porque se pensava que conseguiríamos avançar na agenda de mitigação, o que não aconteceu. A mudança climática prosseguiu. A gente caminha para os cenários mais pessimistas. Vimos que não tem como fugir, precisa adaptar”, afirma a pesquisadora que colaborou como autora dos Terceiro e Sexto Ciclos de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre mudança do Clima (IPCC).
No Brasil, a pesquisadora participou do estudo AdaptaVias, que avaliou mais de 100 mil km da malha rodoviária e ferroviária federal para mapear os riscos atuais de impactos associados ao clima. O estudo considerou o risco atual e projetou os riscos para cenários para 2045 e 2065. Os resultados foram incorporados à plataforma AdaptaBrasil. “É uma primeira boa base de planejamento associado à mudança do clima”, relata.
De acordo com a pesquisadora, as estradas e rodovias atuais foram projetadas a partir de padrões climáticos das décadas passadas. Mas os sucessivos recordes de temperatura, a intensidade e frequência de ondas de calor e enchentes indicam necessidade de mudança no planejamento e na execução. “Tem que rever normas, padrões de construção, código de obras, construção de edifícios, rodovias e pontes. Rever os parâmetros climáticos, volume de chuva esperado, considerar períodos de influência do El Niño – que exacerba os novos padrões, altas temperaturas”, analisa a pesquisadora.
Ela defende a incorporação do ‘olhar climático’ nos planos de ação para todos os projetos de infraestrutura, desenvolvimento de cidades e transportes. “A gente precisa de novos materiais. Precisa que o pavimento, por exemplo, permita absorção maior da água, reflita mais a temperatura e não aqueça tanto, porque tem dano de deformidade de asfalto relacionado as altas temperaturas”, afirma Santos.
Para Santos, o primeiro passo é desenvolver um planejamento estratégico robusto. Canalizar financiamentos, investir em estudos técnicos baseados na melhor ciência disponível, adotar técnicas de engenharia, novos materiais e estratégias que podem ser de fato utilizadas, implementadas para ajudar a reduzir risco de inundação e deslizamento. Além disso, a pesquisadora defende uma governança que envolva os atores-chave, incluindo os níveis subnacionais. “É lá que os gestores públicos têm que lidar no dia a dia, no planejamento ou na reconstrução após um desastre”, explica. Medidas que envolvam gestão de resíduos, preservação da mata ciliar e observação da legislação ambiental complementam as observações da especialista sobre as vulnerabilidades associadas.
Túnel multifunção
Um dos exemplos de engenharia adaptada vem do outro lado do mundo. A capital da Malásia, Kuala Lumpur, construiu um túnel inteligente que serve a dois propósitos. Além do tráfego de carros, auxilia no escoamento da água durante enchentes. De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional a obra custou U$$ 500 milhões e estima-se prevenir mais de U$1,5 bilhão em danos causados por enchentes. “A engenharia pode ajudar muito. A ciência, a academia, com estudos identificando as melhores práticas e materiais, altura, sistemas mais robustos de drenagem e realistas com as previsões considerando que já está ocorrendo hoje”, afirma.