Nota à Imprensa: Mesmo com lobby da FIRJAN, CECA rejeita licença de hidrelétrica no rio Macaé por 13 votos a 1

Decisão atende a parecer técnico do INEA e à pressão de comunidades atingidas por projeto que ameaça ecossistemas e modo de vida das comunidades.

Rio de Janeiro, 27/05/2025 — Em sessão marcada por tensão e mobilização popular, a Comissão Estadual de Controle Ambiental (CECA) votou nesta terça-feira pela rejeição da Licença Prévia da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Macaé, proposta pela empresa IPAR Participações Ltda. A decisão foi aprovada por 13 votos a 1, contrariando os interesses da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), que havia solicitado vistas ao processo, na reunião de hoje pediu para retirar da pauta o processo de indeferimento, em uma clara tentativa de adiar a votação e manter viva a possibilidade de aprovação da barragem.

O parecer técnico do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), publicado em 16 de maio, já havia recomendado o indeferimento da licença com base em falhas graves no estudo de impacto ambiental, omissão de dados essenciais e contrariedade à legislação ambiental vigente — como a Lei Estadual nº 10.612/2024, que classifica o rio Macaé como Área Estadual de Interesse Turístico (AEIT) e veda barramentos ou intervenções que comprometam a continuidade do fluxo natural do rio.

A aprovação do indeferimento representa uma das raras vezes em que um projeto hidrelétrico de pequeno porte é barrado por decisão colegiada no Estado, após forte pressão da sociedade civil, comunidade científica e populações diretamente atingidas.

O projeto e os impactos

O projeto da PCH Macaé previa uma barragem com 17,7 MW de potência e a redução drástica da vazão de um trecho de 7 km do leito do rio, que cruza regiões de alto valor ecológico, como a APA do Sana, no coração do bioma Mata Atlântica. Estudos independentes apontaram que o empreendimento colocaria em risco espécies ameaçadas de extinção, como o peixe Prochilodus vimboides, e espécies ainda desconhecidas da ciência ainda em estudos pelos pesquisadores do NUPEM-UFRJ e comunidades da fauna bentônica sensíveis as alterações e que dependem da conectividade ecológica do rio.

Além dos danos ambientais, o parecer técnico e os moradores destacaram os impactos socioeconômicos e culturais sobre as populações que vivem às margens desse território, e que dependem do rio para agricultura familiar, pesca, abastecimento de água e turismo de base comunitária.

A força do lobby e a resistência popular

Mesmo com argumentos técnicos robustos e manifestações contrárias de órgãos como o Ministério Público do RJ, o Comitê de Bacia Hidrográfica do rio Macaé e das Ostras, a Prefeitura de Macaé, o Conselho Gestor da APA do Sana e diversas universidades, o projeto ganhou novo fôlego quando a FIRJAN — principal representante do setor industrial do estado — solicitou vistas ao processo na CECA.

Para movimentos sociais e coletivos que acompanharam a votação, o pedido de vistas e o pedido de retirada da pauta foram interpretados como uma tentativa clara de pressionar os conselheiros e ganhar tempo para articulações políticas. Ainda assim, prevaleceu a maioria técnica: 13 conselheiros votaram pela rejeição da licença, e apenas a FIRJAN se posicionou contra.

Apesar de ter sido a única a votar contra o indeferimento, a FIRJAN apresentou justificativas incondizentes com a legislação ambiental e os padrões técnicos do licenciamento no estado do Rio de Janeiro. Suas argumentações ignoraram tanto o conteúdo da Lei Estadual nº 10.612/2024, que protege o rio Macaé como Área Estadual de Interesse Turístico, quanto os princípios fundamentais do processo de licenciamento, como o da precaução e da necessidade de dados primários atualizados para tomada de decisão. A tentativa de relativizar critérios legais e técnicos expõe o risco de interferência político-econômica nos ritos ambientais, num contexto em que há, inclusive, movimentações no plano federal para flexibilização de marcos regulatórios ambientais. A sociedade civil alerta: qualquer eventual recurso movido pelo empreendedor ou por seus representantes institucionais deve ser tratado com máxima transparência e rigor jurídico, respeitando os limites que a ciência e a lei já impuseram a este projeto.

Essa vitória é do território, das águas, da floresta e das comunidades que se recusam a ser silenciadas.

Histórico do Movimento Rio Macaé Livre

O Movimento Rio Macaé Livre surgiu da mobilização popular em defesa de um dos rios mais preservados do estado do Rio de Janeiro. O rio Macaé, que nasce em Nova Friburgo e deságua em Macaé, é um patrimônio coletivo de grande valor ecológico, cultural e socioeconômico. Desde o início dos anos 2000, a população local já se manifestava contra a instalação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) no rio. A primeira grande resistência ocorreu em 2001, com a criação do Movimento em Defesa do Rio Macaé, que conseguiu barrar um projeto no alto curso do rio, na região do Encontro dos Rios.

A ameaça retornou em 2016, com a proposta de construção de três PCHs pelas empresas Alupar, W. Energy e IPAR Participações. Diante disso, o movimento se reorganizou, ganhando força sob o nome “Rio Macaé Livre”. A articulação envolveu moradores, instituições locais, pesquisadores, artistas, políticos e conselhos de unidades de conservação. A atuação combinou mobilização comunitária, ações jurídicas e produção técnica qualificada, o que levou a desistência de dois dos projetos e à promulgação de leis municipais em Nova Friburgo (Lei 4642/2018) e Macaé (Lei 4708/2020) proibindo PCHs em seus territórios.

Atualmente, o movimento resiste à tentativa da empresa IPAR de instalar a PCH Macaé, que prevê desvio de águas, construção de túnel subterrâneo e redução de vazão em trecho de 7 km do rio. Tal empreendimento é considerado de alto impacto ambiental, social e paisagístico, além de colocar em risco a segurança hídrica da região.

O Movimento Rio Macaé Livre defende não apenas a preservação do rio, mas também uma visão de desenvolvimento baseada na agricultura familiar, no turismo ecológico e na valorização dos bens comuns. A luta é pelo direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em oposição a projetos que favorecem interesses privados em detrimento do bem coletivo.

Sua principal frente de ação é a articulação comunitária e política, com presença ativa nas redes sociais e em conselhos e espaços institucionais, denunciando os impactos das barragens e propondo alternativas energéticas mais sustentáveis. Como lema, sustenta que o rio é nosso maior tesouro — e deve correr livre.

Reconhecimento à construção coletiva desta conquista

A vitória da sociedade fluminense na defesa do rio Macaé não seria possível sem o trabalho incansável do deputado estadual Carlos Minc, autor da Lei Estadual nº 10.612/2024, que reconheceu o rio Macaé como Área Estadual de Interesse Turístico (AEIT). Com sensibilidade ambiental, escuta ativa e firmeza política, Minc atuou ao lado das comunidades, cientistas e defensores ambientais para garantir a aprovação de um marco legal que protege a integridade ecológica e social de um dos últimos rios livres da Serra Fluminense.

A sociedade civil também manifesta seu profundo agradecimento às instituições e órgãos públicos que se posicionaram com coragem e responsabilidade durante o processo de licenciamento:

Ao Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Macaé e das Ostras (CBH-VIII), pela atuação firme e comprometida com a proteção das águas da bacia e o respeito aos usos múltiplos e sustentáveis do rio Macaé.

Agradecemos aos pesquisadores do Programa de Pós-graduação em Engenharia Ambiental e do Programa de Doutorado em Modelagem e Tecnologia para Meio Ambiente do Instituto Federal Fluminense, pela emissão de parecer técnico acerca dos impactos do empreendimento.

A Universidade Federal do Rio de Janeiro e o NUPEM-UFRJ (Campus Macaé), especialmente os pesquisadores da área de hidrologia, ictiofauna e ecologia que atuaram na produção de pareceres técnicos independentes, pelo compromisso contínuo com a ciência pública, crítica e territorializada;

Ao INEA pelo trabalho técnico e comprometido com a legalidade dos processos de licenciamento, agindo com firmeza e coerência na defesa dos interesses públicos e do desenvolvimento sustentável do nosso Estado.

A Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Casimiro de Abreu (SEMA), pela defesa firme do interesse público;

Ao SANAPA / Prefeitura de Macaé, que por meio do Conselho Gestor da APA do Sana manifestou-se contra o projeto desde o início, representando as vozes locais com legitimidade e coerência.

Agradecemos à Casa dos Saberes de São Pedro da Serra, por cultivar a memória, a arte e a educação como forças vivas na defesa do território e das águas livres do rio Macaé.

Nosso reconhecimento ao Baque e Rebaque das Montanhas, que com seus cantos, tambores e presença viva fortaleceram a resistência em defesa do rio Macaé e das comunidades do território  Serramar.

Nossa gratidão à Reserva do Nativo, por defender com firmeza a conservação do rio Macaé e da Mata Atlântica, mostrando que é possível viver em harmonia com a natureza e proteger o que é sagrado para o território.

Agradecemos à AFRICA – Associação Friburguense de Canoagem, pela defesa incansável dos rios livres e pela conexão entre esporte, natureza e preservação das águas da serra fluminense.

Nosso agradecimento à Lumiar Aventura, por reafirmar com coragem que o turismo de natureza depende de rios livres, vivos e protegidos — como o rio Macaé deve continuar sendo.

Gratidão à Nativa Rafting, por mostrar, na prática, que a correnteza livre do rio Macaé é fonte de aventura, sustento e educação ambiental para todos que vivem e visitam a região.

Nosso carinho e gratidão à Biblioteca Comunitária Bem-te-vi, por semear consciência ambiental, afeto e mobilização nas margens do rio Macaé, fortalecendo a luta desde a infância até a comunidade inteira.

Este é um exemplo emblemático de que quando sociedade, ciência e gestão pública se alinham em defesa do bem comum, é possível derrotar grandes interesses privados e preservar o que é de todos: a água, a floresta e a vida.

Próximos passos

Apesar da vitória, organizações e lideranças locais afirmam que a vigilância continua. O empreendedor pode recorrer, e novos projetos podem ser propostos. Nosso papel é garantir que o rio Macaé siga livre e protegido.

A decisão da CECA será agora registrada em ata e deve servir como precedente para casos similares, em que interesses privados tentam se sobrepor ao interesse público e à legislação ambiental.

O rio Macaé permanece correndo livre — por enquanto — graças à mobilização popular, à resistência dos territórios e ao trabalho técnico comprometido com a vida.

Assinam esta nota: Observatório Terra Puri, Instituto Escola Tiê-Sangue, Movimento Rio Macaé Livre, Coletivo Rio Macaé Figueira Branca, Projeto Piabanha, Instituto Visão Socioambiental, Pastoral da Ecologia Integral, Projeto Flora Macaense, Projeto Mata Atlântica Macaense, Baía Viva

 Contato – www.terrapuri.com.br @terrapuri_observatorio