Norte-Noroeste Fluminense: Região imprópria para grandes empreendimentos

Por Arthur Soffiati

Arthur Soffiati / Divulgação

Caracterização

Para atuar em defesa do meio ambiente numa região, é preciso, antes de tudo, conhecer seus aspectos naturais e culturais. Esse conhecimento geralmente é superficial por parte dos empreendedores e ativistas. Da mesma forma, o conhecimento da legislação ambiental pertinente é fundamental, assim como dos ritos estabelecidos por lei. Acima de tudo, conta a experiência no ativismo, algo que se adquire com o estudo e a prática.

Esse escrito se dirige àqueles que atuam em defesa do meio ambiente na região Norte/Noroeste do estado do Rio de Janeiro. Trata-se de um território com peculiaridades que devem ser conhecidas por aqueles que pretendem defendê-lo em seus aspectos naturais, sociais e culturais.

Rios

O principal rio da região Norte/Noroeste fluminense é o Paraíba do Sul. Ele nasce na serra da Bocaina e desemboca no mar depois de percorrer pouco mais de 1000 km. Trata-se de um rio de porte médio para o Brasil e de grande porte para a Europa. Sendo o rio principal da bacia, ele recebe vários afluentes de dimensões diversas. Os principais, no Norte/Noroeste fluminense, são o Pomba, o Muriaé, o Grande e o do Colégio. Todos eles são alimentados por subafluentes.

Outros rios principais (com nascente em pontos altos e foz no mar) são o Itabapoana, o Guaxindiba, o complexo formado pelos rios Imbé e Urubu/lagoa de Cima/rio Ururaí/lagoa Feia/rio Macabu/canal da Flecha, e o rio Macaé.

A situação de todos é crítica. As margens de todos, em sua maior parte, perderam a vegetação protetora devido a um desmatamento secular. Sem ela, a erosão torna-se mais intensa. A terra transportada das margens para o leito do rio provoca turbidez e assoreamento, o que afeta a flora, a fauna, a qualidade da água, a navegabilidade, entre outros danos.

A urbanização e a industrialização geram esgoto cujo destino mais rápido e fácil é o rio. Daí, deriva a poluição. Em graus diferentes, todos os rios da região estão poluídos. A drenagem do sistema de brejos e lagoas reduziu a vasão dos rios. Sua situação é agravada pelas barragens para geração de energia elétrica e por transposição de água de uma bacia para outra. A transposição do rio Paraíba do Sul para o rio Guando priva o primeiro de 2/3 de sua vazão. A do rio Macabu para o São Pedro, na bacia do Macaé, desvia o primeiro rio para o segundo em sua parte alta. 

Lembremos ainda da introdução de espécies exóticas. Elas competem com espécies nativas e contribuem para a sua extinção. 

Rio Paraíba do Sul e lagoa do Vigário em Campos

Florestas

O Norte/Noroeste fluminense é um recorte político administrativo que começou a ser construído no século XVII. Ele abrange uma parte alta (a serrana, mais antiga), uma parte média (os Tabuleiros, de idade intermediária) e as planícies dos Goytacazes e de Macaé (com menos de cinco mil anos), assim como a planície de Jurubatiba (com 123 mil anos). Esta última é uma restinga (terreno arenoso) em toda a sua extensão, enquanto que a dos Goytacazes é formada por uma planície aluvial (construída pelo rio Paraíba do Sul, principalmente) e por uma restinga em suas bordas, resultante da retenção de areia transportadas pelas correntes marinhas e retida pelo jato do Paraíba do Sul.

Na parte alta, na margem direita do Paraíba do Sul, desenvolveram-se florestas sempre verdes na Serra do Mar (Imbé). Tecnicamente, estas florestas são denominadas ombrófilas densas). Ainda na margem direita e também na margem esquerda, as baixas altitudes, o tipo de terreno e o clima condicionaram o desenvolvimento de florestas estacionais semideciduais (que perdem entre 20 e 50% das folhas na estação seca). Nas planícies aluviais do Paraíba do Sul e de Macaé, a grande umidade inibiu o desenvolvimento de florestas. O domínio da água doce permite apenas o crescimento de vegetação arbustiva e herbácea, com algumas espécies alcançando porte arbóreo, como a tabebuia. Em certos pontos, como na foz do rio Macabu, cresceram tufos de vegetação florestal. São as chamadas matas higrófilas de várzea. Na planície do rio Macaé, a presença de pontos elevados permitiu o crescimento de matas sempre verdes nos topos.

Mata higrófila de várzea na lagoa Feia, foz do rio Macabu

Nos tabuleiros, as matas estacionais semideciduais dominam tanto em Quissamã quanto no trecho que se estende da margem esquerda do rio Paraíba do Sul à margem direita do rio Itapemirim, no sul do Espírito Santo.

Nas restingas, as espécies da Mata Atlântica ombrófila densa e estacional foram selecionadas pelo solo arenoso, pela salinidade do ar e pelos ventos. Mesmo assim, na parte interna das restingas, desenvolveram-se árvores de grande porte. Podemos distinguir, nas restinga, uma zona de vegetação herbácea (junto à costa). A ação dos ventos não permite que as plantas alcancem porte elevado. A zona central é formada por plantas de porte arbustivo. A terceira zona, mais distante da linha de costa, é formada por plantas de porte arbóreo. Podemos notar essa zonação tanto na restinga da Baixada dos Goytacazes quanto na restinga de Jurubatiba.

Nos estuários dos rios Itabapoana, Guaxindiba, Paraíba do Sul, canal da Flecha e rio Macaé, a vegetação original é constituída por manguezais. Em alguns riachos entre os rios Itabapoana e Guaxindiba, assim como nas lagoas de Gruçaí, Iquipari e Açu, também crescem pequenos manguezais.

Todas essas formas de vegetação sofreram um secular processo de desmatamento. Na zona serrana da margem direita do Paraíba do Sul, a maior extensão de floresta ombrófila densa está teoricamente protegida pelo Parque Estadual do Desengano. Na margem esquerda do mesmo rio, restaram tufos de mata estacional semidecidual, sendo o maior aquele protegido pela Estação Ecológica Estadual de Guaxindiba. A maior mancha de vegetação de restinga encontra-se no Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. Quanto aos manguezais, todos estão ameaçados. O mais destruído de todos foi o do rio Macaé. O manguezal da lagoa do Açu está legalmente protegido pelo Parque Estadual da Lagoa do Açu. 

Restinga da Baixada dos Goytacazes – Lagoa de Gruçaí: urbanizada e poluída

Zona costeira

O que hoje conhecemos como Norte/Noroeste fluminense, durante a colônia do Brasil, denominava-se Capitania do Rio de Janeiro. No Império (1822-1889), chamava-se Província do Rio de Janeiro. Na República, passou a se chamar Região Norte Fluminense. Nos últimos 50 anos, a região foi desmembrada em Norte e Noroeste. Os municípios do Norte têm litoral no oceano. Os do Noroeste não são banhados pelo mar. O litoral entre a foz do rio Itapemirim, no Espírito Santo, e a foz do rio Macaé, no Rio de Janeiro, tem uma configuração peculiar: ele é novo, baixo, aberto (sem reentrâncias), sem formações pedregosas naturais (costões rochosos e ilhas costeiras) e varrido por fortes correntes oceânicas e por ventos.

Entre o Itapemirim e o Guaxindiba, estende-se a parte mais antiga dessa linha costeira. São tabuleiros com cerca de 5 milhões de anos em que o mar esculpiu falésias ainda ativas. Entre o rio Guaxindiba e Barra do Furado, estende-se uma grande restinga, com menos de 5 mil anos. Entre Barra do Furado e Macaé, formou-se outra restinga com idade de 123 mil anos.

Nesta costa imprópria para empreendimentos de grande porte, foram construídos espigões de pedra em Barra do Furado e o grande condomínio portuário-industrial do Açu. Outros mais estão previstos para o lado esquerdo da foz do rio Itabapoana; no córrego de Barrinha, em São Francisco de Itabapoana; em Barra do Furado e em Macaé. A costa é imprópria para tais empreendimentos, se é que existe lugar próprio num tempo em que os grandes empreendimentos estão sendo questionados. Cada um deles será analisado no seu devido tempo.

Complexo Industrial-Portuário do Açu

Cidades

Dependendo das dimensões, uma cidade pode ser vista como um grande empreendimento. Campos foi a primeira cidade a ganhar dimensões avantajadas e a crescer sem planejamento e justiça social. Exigiu a drenagem de lagoas e avança atualmente sobre as que restaram em terrenos de tabuleiros. Considerando a costa entre os rios Itapemirim e Macaé, encontraremos nas extremidades núcleos urbanos que crescem de maneira desordenada. Na foz do Itapemirim, Marataízes avançou sobre córregos com foz intermitente no mar e os transformou em lagoas. Para conter o avanço do mar, foi construída uma grande praia artificial com espigões de pedra. E o crescimento continua, ameaçando rios e vegetação nativa. 

Lagoa do Meio eutrofizada, Marataízes – 2022

Macaé começou a crescer de forma desordenada após a instalação de um porto da Petrobras para apoiar a exploração de petróleo e gás natural no mar. A zona de exploração recebeu o nome de Bacia de Campos. Atrás dela, vieram migrantes da região e de diversos pontos do Brasil em busca de emprego. Muitos ficaram de fora do mercado de trabalho, passando a viver da caridade pública, da prostituição, do tráfico de drogas e da violência.

A cidade cresceu sobre a área de manguezal e sobre restinga. O crescimento da cidade avançou sobre banhados e brejos ligados à bacia do rio no que se conhece hoje como Nova Macaé. Problemas de drenagem, de esgoto, de trânsito, de enchentes, de pobreza e de violência se avolumam. E mais empreendimentos assediam a cidade, inclusive um novo porto em área de restinga, além de termelétricas. 

Porto da Petrobrás em Macaé

No Noroeste, cidades também estão crescendo de forma desordenada, como Santo Antônio de Pádua, Itaperuna e Bom Jesus de Itabapoana. Até mesmo as pequenas avançam logo para os rios e para os remanescentes de mata nativa.

Empreendimentos

O primeiro grande empreendimento da região foi a agropecuária. Dirão que um curral ou um pequeno engenho não pode causar impactos significativos no meio ambiente. Mas o conjunto das atividades causa. Pensemos nas florestas derrubadas para obtenção de lenha a fim de atender aos engenhos e, posteriormente, às usinas de açúcar e álcool. Pensemos na drenagem de grandes lagoas para conquistar terras à lavoura de cana. Pensemos na extensão de pastos abertos em áreas de matas nativas. Pensemos nas queimadas de canaviais e na produção de vinhoto. Foi o primeiro impacto ambiental da região Norte Fluminense. Na região Noroeste, o café também causou grandes impactos. Hoje, temos terras áridas.

As cidades também causam grandes impactos. Nos últimos cinquenta anos, foram instalados o terminal de Barra do Furado, a base naval de Macaé e o complexo industrial- portuário do Açu. A cana e o gado ocupam posições secundárias depois dos estragos que fizeram. Agora, são atividades extrativistas, como o petróleo, o gás natural e o minério de ferro. Suspeita-se ainda de nova tentativa com a monocultura do eucalipto nas duas regiões. Cada um deverá merecer a devida atenção.  

Cardoso Moreira em área montanhosa desmatada