Buscando notícias sobre as manifestações da crise ambiental atual, recorro a vários jornais do Brasil, dos Estados Unidos, de países europeus e do oriente. Tenho limitações. Leio relativamente bem em português, galego, espanhol e francês. Jornais e TVs brasileiras informam sobre a progressiva destruição da Amazônia, que parece seguir os passos da Mata Atlântica. Houve uma mudança significativa de paradigma entre a destruição de uma e de outra. No tempo em que a destruição da Mata Atlântica foi mais intensa, o desmatamento significava progresso, civilização. Derrubar árvores era bem visto até mesmo por intelectuais. É claro que havia vozes contrárias, como as de José Bonifácio, Joaquim Nabuco, André Rebouças, Euclides da Cunha, Saturnino de Brito e Alberto Torres. Porém, eram vozes mais solitárias que as da atualidade. Esse tempo passou ou deveria ter passado. Não há cabimento para aqueles que defendem e praticam a destruição da Amazônia e de outros biomas, no Brasil e no mundo, em nome do progresso e do desenvolvimento.
Mas é o que se verifica no Brasil atualmente. Sei muito bem que é difícil deter completamente as forças de destruição. É difícil conter a mineração, o desmatamento, a caça, o extermínio dos povos indígenas, mas não se pode incentivar ou ignorar esses processos, como acontece no Brasil atualmente, de forma surda e sonora.
Não cabe mais permitir que o agronegócio avance sobre ambientes nativos. Ele já avançou muito na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal, na Caatinga, nos Campos dos Sul e em outros biomas do mundo. As regiões Centro-Oeste e Leste do Brasil foram excessivamente urbanizadas. Esse processo acarretou desmatamento, represamento de rios para geração de energia e abastecimento público de água, poluição do ar, do solo e da água. No verão, chuvas torrenciais destroem cidades inchadas por pessoas pobres em sua periferia. Atingem também, em menor escala, os ricos. Durante o inverno, a seca favorece incêndios, em sua maioria, criminosos.
Passemos para o hemisfério norte. As poucas e superficiais informações se referem a incêndios e furacões colossais nos Estados Unidos quando eles se tornam muito destrutivos. Em escala menor, a imprensa os ignora, como se eles ocorressem em outro mundo. Na Europa, jornais de cada país não abordam a gravidade das altas temperaturas e dos incêndios na dimensão de sua gravidade.
A Europa também foi invadida por altas temperaturas no verão de 2022. Minha hipótese – não totalmente absurda- é que a mudanças climáticas antrópicas estão aquecendo mais ainda o quente e vasto deserto do Saara, levando sua ampliação para o sul e para o norte. Esse processo de saarização atravessa o mar Mediterrâneo e afeta todo o sul europeu, produzindo ressecamento do solo e condições favoráveis a incêndios. Um jornal de Portugal, da Espanha, da Itália, da Grécia e da Turquia, contudo, noticiarão, de forma convencional, os fenômenos do ressecamento e dos incêndios apenas em suas fronteiras nacionais, como se eles só ocorressem nesses países. As altas temperaturas também atingiram a França e a Grã-Bretanha pelo menos. Há incêndios na França. Uma notícia isolada em rodapé de um jornal francês informou que a nascente do rio Tâmisa secou. Pouco se falou também da crise hídrica que assola a bacia hidrográfica do rio Pó.
O tratamento desses acontecimentos não parece ser estrutural. Apenas eventual. No máximo conjuntural. As secas extremas devem ser tratadas de forma convencional. Técnicos sugerem que elas são normais, embora se intensifiquem ano a ano. Talvez a formação de especialistas em estiagens e a criação de corpos de bombeiros em incêndios florestais e rurais sejam suficientes.
Corro o dedo sobre um mapa-múndi. Percebo a profunda secura do oeste da China. Descubro uma pequena notícia num jornal de Macau, na foz do rio das Pérolas, redigido em português e informando que a província de Sichuan enfrenta severa seca. A população dessa província alcança 81 milhões, como é comum nos núcleos megaurbanos da China. Ela se situa fora da área mais seca do país, constituindo-se na bacia do grande rio Yang-tsé. Todos os rios, do pequeno ao grande, foram colocados a serviço da economia, com barragens enormes para geração de energia. Mas os rios perderam vazão. Suas águas estão paradas.
No inverno, os eventos climáticos se invertem também de forma extrema: chuvas extremas, enchentes extremas, destruição extrema. A economia de mercado hoje reinante no mundo é exponencial. Vale dizer: uma ação gera uma reação que acelera a ação inicial, como o laço da forca: quanto maior o peso, mais ele aperta. Contudo, esse sistema exponencial ocorre dentro de um mundo regido por um sistema homeostático: uma ação gera uma reação que inibe a ação, assim como a boia de uma caixa d’água. O nível baixa e a boia libera a entrada de água, que levanta a boia que veda o cano adutor.
A imprensa convencional deveria abrir espaço para as questões ambientais, assim como mantém um espaço permanente para os esportes.