Mês do meio ambiente

Por Arthur Soffiati

Floresta Amazônica: desmatamento.

De 1972, quando foi instituído o Dia Mundial do Meio Ambiente, na Conferência de Estocolmo, à Conferência Rio-92, Rio+20 e tantas conferências de cúpula sobre mudanças climáticas, biodiversidade e muitas outras sobre a crise ambiental em níveis mundial, nacionais, estaduais e municipais, entendeu-se que um dia era pouco para discutir a crise ambiental em diversos âmbitos. Então, foram acrescentados mais seis dias e criada a “Semana Mundial do Meio Ambiente”, continuando o dia 5 de junho a ser a data central do evento anual. Agora, já consideramos junho o mês do meio ambiente. Nesse mês, assinalam-se ainda o Dia Mundial dos Oceanos (06/06) e o Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca. Em breve, selecionaremos um ano todo dedicado ao meio ambiente. 

Por muito tempo, acreditei na importância desse dia, dessa semana e desse mês. Participei de muitos eventos, acreditando sinceramente que estava contribuindo para a transferência de informações e para o aumento de consciência. Por muito tempo, fui um pouco de militante que percorre cidades do Brasil, além daquela em que moro, levando a convicção de que minhas palavras contribuiriam para um mundo mais equilibrado do ponto de vista social e ambiental.

Particularmente, lembro-me de uma na cidade fluminense de Japeri, a convite do governo estadual. Viajei de ônibus até o Rio de Janeiro e de lá em outro ônibus até Japeri. Eu vestia uma camisa de manga curta e calça jeans, calçando um par de tênis velho. Eu falaria no início de um evento para gestores públicos. Sozinho, no alto de um palco, falei sobre a importância de proteger a natureza para homens engravatados e vestindo ternos. Eles me olhavam como se eu fosse um invasor, um garoto, um indigente incômodo.

Minha presença não passava de formalidade. É preciso mostrar que homens e mulheres pragmáticos estão preocupados com a questão ambiental e a incorporam em seus planejamentos. Depois de certo tampo falando, percebi que eu já me tornava incômodo para os engravatados. Então, encerrei minha fala para que os homens “sérios” tomassem a palavra e discutissem a retomada do crescimento (que eles estão sempre retomando). Senti-me escorraçado pelos olhares e vim embora fazendo o mesmo trajeto da ida.

O anterior governo federal brasileiro escancarou o verdadeiro interesse por trás das belas palavras que ele e outros governantes pronunciam: enquanto pensam que nós somos sérios, abramos a porteira para a boiada passar. Rasguemos as normas que protegem o meio ambiente. No ano em que se promove a COP-30, em Belém, aprova-se também o Projeto de Lei n° 2.159 no Senado Federal, facilitando mais ainda o licenciamento ambiental. Agora, ele irá para a Câmara dos Deputados, onde, certamente, será endossado. No poder executivo, a necessidade apoio do presidente às vésperas das eleições de 2026 pode afastar a possibilidade de veto total ao PL. Restará o Supremo Tribunal Federal.

Há também a pressão sobre o IBAMA para aprovar a exploração de petróleo na margem equatorial, entenda-se no estuário do rio Amazonas. Os interessados no petróleo são os senadores e deputados da Amazônia, mais especificamente os representantes do Amapá, como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e Randolfe Rodrigues, também senador pelo Amapá. O governo federal defende a exploração alegando que o petróleo extraído ajudará na transição energética. Vale dizer, precisamos aprofundar a crise para combatê-la. No plano mundial, o grande retrocesso é representado pela eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. Se ele fosse eleito como presidente de um pequeno e remoto país, o impacto seria pequeno. Mas, como presidente da ainda maior economia de mercado do mundo, o impacto é o de um macaco enfurecido em loja de louça.

Geralmente, encontramos dois tipos de falas: aquelas sinceras de quem realmente se preocupa com a crise socioambiental e deseja combate-la e aquelas de quem finge preocupar-se com a questão. Os maliciosos falam em promover a sustentabilidade em todos os empreendimentos propostos e defendidos. José Lutzenberger, de ótima memória, dizia que esse discurso propunha demolir uma casa sem mexer nos tijolos. 

Os sinceros geralmente não têm conhecimento do sistema em que se movimentam. Ignoram o peso dos dez ou seis séculos de economia de mercado. Daí concluírem inocentemente que, num evento ou com a boa vontade do governo, começaremos a mudar o mundo em uma semana ou em um ano. São os voluntaristas. Um conhecimento mais profundo da parte deles entenderia que não é possível, em pouco tempo, construir um sistema junto com os pobres e equilibrado com a natureza. Entenderia que essa mudança só se efetua no mínimo em 50 anos. Mas é preciso começar. Nós estamos ouvindo mentiras e pronunciamentos ingênuos desde 1972.

Houve civilizações que cometeram agressões à natureza, mas nenhuma alcançou a extensão e a intensidade alcançadas pela civilização ocidental, exatamente a nossa e de toda humanidade atualmente, pois ela atingiu dimensão realmente global. Diante da crise socioambiental da atualidade, só vislumbro três caminhos à frente: 

1- Continuar privilegiando o crescimento econômico convencional em detrimento da justiça social e da agressão à natureza. É o caminho mais rápido e mais cruel para o desastre global. Talvez, depois dele, nasça um mundo novo com os destroços deixados, como imaginou Immanuel Wallerstein; 

2- As experiências feitas em pequena escala em direção a um mundo novo, como no campo da energia, da agricultura e do consumo. Tais experiências representam a crisálida de uma nova cultura, mas o grande risco é que dessa crisálida não nasça a borboleta de um novo mundo e que a crisálida permaneça sempre crisálida. As experiências isoladas nesse sentido são elogiáveis, mas ficam restritas e contribuem pouco para uma nova civilização.

3- Um novo plano para instituir um estado de bem-estar, como aconteceu na década de 1930. O capitalismo entendeu, a duras penas, que era preciso perder os anéis para não perder os dedos. Mas depois relaxou e voltou a cortejar um capitalismo puro, sem a regulação do Estado. É o chamado neoliberalismo, que nunca chegou a vigorar no mundo todo. Agora, carecemos de um estado de bem-estar socioambiental em cada país combinado com o abandono progressivo de soberania nacional em nome de uma autoridade mundial. Por mais que eu admire o ecologismo ou o ecossocialismo, entendo que ambos ou um apenas é inviável num mundo eminentemente capitalista, inclusive nos países considerados comunistas, como China. E agora é um momento propício para iniciar a mudança. A pandemia e os desastres causados pelas mudanças progressivas do clima em nível mundial vêm mostrando a incompetência do neoliberalismo.

Podem discordar e condenar meu pessimismo, mas não apareceu melhor ecologista até agora que a covid-19 associada aos desastres causados pelas mudanças climáticas. 

Chuvas arrasam o Rio Grande do Sul; veja fotos de hoje - 03 ...
Enchentes no Rio Grande do Sul em maio de 2024

Não nos esqueçamos dos ensinamentos que o coronavírus nos transmitiu. Não nos esqueçamos das chuvas torrenciais e devastadoras que se abateram sobre o Rio Grande do Sul. Não nos esqueçamos dos incêndios que, anualmente, assolam a Califórnia. Talvez, mais uma vez, eu esteja sendo ingênuo ao manifestar minha esperança. Talvez a economia de mercado se torne mais agressiva sob o biombo da sustentabilidade.    

Quando se fala em Brasil no exterior, a primeira ideia que vem à mente da pessoa é o nome de Pelé, o maior jogador de futebol de todos os tempos, e a Amazônia, a floresta mais ameaçada do mundo e que regula o clima do planeta. Pelé já se foi. A Amazônia está seguindo a mesma trilha. Não por ela. A economia global é que a ameaça. O atual governo federal brasileiro mudou o discurso. Agora, a Amazônia é uma das duas prioridades. A outra é acabar com a pobreza extrema dentro do país. 

O discurso mudou entre empresários e políticos, mas as práticas não mudam de um dia para o outro. O cotidiano ilustra permanências e mudanças. A prospecção de petróleo na zona estuarina do rio Amazonas gera discussão, não mais cheia de convicções desenvolvimentistas como antes, mas demostrando que, pelo menos, atravessamos uma transição talvez longa entre a concepção clássica de desenvolvimento e a nova concepção compatibilista. Fica difícil pensar numa civilização ecologista, como a conceberam pensadores das décadas de 1970/80. 

Como demonstrou o historiador indiano Dipesh Chakrabarty, pela primeira vez na nossa trajetória, tomamos consciência de uma realidade existente desde os primórdios da humanidade: a confluência das histórias da Terra, da vida e dos seres humanos. Deixamos a era global para entrarmos na era planetária. Mas estamos aquém do que o mundo requer de nós, caso queiramos viver bem nele por muito tempo.