Por Arthur Soffiati
Os cientistas estão demostrando, cada vez de maneira mais fundamentada, que o manguezal é um ecossistema com enorme capacidade de sequestrar gás carbônico da atmosfera. Assim, ele passa a contribuir de modo significativo para o combate ao aquecimento global e para minorar os desastres climáticos, como chuvas torrenciais, secas e tempestades de vento.
No Estado do Rio de Janeiro, o município que conta com mais áreas de manguezal é São Francisco de Itabapoana. Se somarmos as áreas de manguezal dos rios Itabapoana, GuaxindibaCanal Engenheiro Antônio Rezende e Paraíba do Sul, eles se igualam ou superam a área da baía
da Guanabara, considerada a maior de todas. Com relação à baía de Guanabara, é preciso levar em conta que ela se distribui entre vários munícipios.
Estudei os manguezais de São Francisco de Itabapoana e descobri um pequeno bosque na lagoa de Buena. Na verdade, trata-se de um córrego de tal forma adulterado que perdeu as características de curso d´água. Quando conheci esse manguezal, em 1999, ele estava sob forte estresse provocado pelos trabalhos de lavra das Indústrias Nucleares do Brasil. Esta empresa ergueu um vertedouro na foz do córrego para represar água com o fim de promover a separação líquida dos minérios explorados.

A estabilização da lâmina d`água afogou as plantas de mangue, obrigando-as a desenvolverem processos de adaptação num ambiente hostil. Diante de tanta reclamação do pesquisador que escreve este texto, a empresa retirou o vertedouro por ordem do órgão estadual de ambiente e o córrego voltou a escoar água doce para o mar, recebendo água salgada das marés.
O manguezal retornou, agora de forma pujante, sem as anomalias causadas pelas adaptações a condições ambientais adversas. Visitei-o algumas vezes mais. Ele se somava às outras áreas de manguezal dentro do município, que não apresentam a pujança de outrora, mas resistem.

Foi espantoso encontrar, agora, a lagoa de Buena ou foz do ribeirão de mesmo nome com a vegetação de mangue completamente removida. No momento em que o planeta Terra enfrenta uma crise ambiental provocada pela própria humanidade, a contribuição de São Francisco de Itabapoana é a de agravar ainda mais a crise.

Mas não é apenas a supressão do manguezal do estuário de Buena. Entre os rios Itabapoana e Guaxindiba, existem córregos com nascente e foz nos tabuleiros. Eles são fundamentais para a drenagem do território de São Francisco de Itabapoana. É quase certo que as autoridades governamentais e a população do munícipio desconheçam a existência deles e seus respectivos nomes. De norte para sul são: lagoa Salgada, lagoa Doce, Guriri, Tatagiba (nos mapas, córrego Baixa do Arroz na nascente e Largo na foz), Buena, Barrinha, Manguinhos e Guaxindiba.
Mais uma vez, recorro ao encantamento dos viajantes europeus Maximiliano de Wied-Neuwied e Auguste de Saint-Hilaire. Em seus relatos de viagem, o território que hoje corresponde a São Francisco de Itabapoana era lindo há dois séculos. Ao longo do tempo, proprietários rurais, empresas de mineração, governos e população se incumbiram de transformar esse território num ambiente degradado. Fazendeiros se incumbiram de derrubar as florestas e deturpar os cursos d’água. A mineração revolveu as terras, tirando delas o que interessava e deixando os buracos.
A rede rodoviária estrangulou os córregos, agravando mais ainda as enchentes. O governo federal adulterou completamente o trecho final do rio Guaxindiba. A pecuária e a urbanização avançam sobre os manguezais dos rios Itabapoana e Paraíba do Sul. Desde sua emancipação, em 1995, os prefeitos ajudam a destruir o município. Eles favorecem os degradadores do território municipal, liberando abertamente obras ilegais ou fazendo vista grossa. Sou testemunha desse processo antes mesmo da emancipação. Os prefeitos não têm o conhecimento necessário do município que governam, contando com o apoio e a iniciativa dos vereadores.
Daí, a cultura ambiental da população e do governo de São Francisco de Itabapoana ser baixíssima e predatória. No momento de se executar uma intervenção destruidora, não se pensa no futuro. “Ora, remover o manguezal de Buena é só tirar esse mato”. “Colocar manilha nesse valão pro meu gado passar não vai causar estrago”. E os poderes públicos não só permitem como ainda estimulam tais ações, quando não as executam. Adicionemos a essa lista o governo estadual representado pelo Inea, sempre a postos para liberar intervenções ilegais e desastrosas.
Enfim, destruindo manguezais, outras formas de vegetação nativa e estrangulando córregos, São Francisco de Itabapoana dá uma significativa contribuição para agravar mais ainda a crise ambiental antrópica da atualidade. Tem-se a impressão de que o município está fora do mundo.
O que acontece em São Francisco de Itabapoana muito me entristece depois de 50 aos de atuação em defesa do meio ambiente.







