Como todo rio com foz na zona intertropical, o Itabapoana forma um estuário favorável ao desenvolvimento de um manguezal. Por se tratar de um rio médio se comparado aos grandes rios da América, da África e da Ásia, o manguezal que cresceu na zona estuarina do rio também é médio, contando com as três espécies do sudeste-sul: Laguncularia racemosa (mangue branco) Rhizophora mangue (mangue vermelho) e Avicennia germinans (siribeira). Nos poucos levantamentos da composição florística desse manguezal, não existe menção a Avicennia schaueriana, embora ela possa ocorrer ao norte do rio da Ostras (RJ).
Na primeira tentativa de implantar o modo de vida europeu na região entre os rios Itapemirim e Macaé, área correspondente à capitania de São Tomé, Pero de Gois encontrou o rio Itabapoana, o manguezal e o território do entorno com ambientes muito mais pujantes que hoje. Os povos nativos (puris, principalmente) viviam de uma economia extrativista numa área ampla. A relação população-meio ambiente era muito favorável ao meio ambiente. O manguezal devia ser uma fonte de recursos para esses povos. A vila da Rainha e os dois engenhos que Pero de Gois ergueu na enseada da Lagoa Doce não produziram impactos ambientais profundos, pois de tratava de um assentamento modesto que durou pouco tempo. Logo depois de abandonar sua capitania, as florestas repovoaram a possível área desmatada pelo donatário e expulsaram a cana-de-açúcar.
Em suas cartas ao rei D. João III e a seu sócio em Portugal, Martin Ferreira, Pero de Gois não menciona as florestas e o manguezal. Apenas o rio Itabapoana (chamado de Managé na época) merece sua atenção por razões econômicas. Foi na sua última queda d’água que o donatário ergueu um porto e um engenho movido a energia hidráulica.
O capitão de infantaria e também cartógrafo Manoel Martins do Couto Reis visitou a Enseada do Retiro, entre 1783 e 1785, e assinalou no seu minucioso mapa o rio Itabapoana (então conhecido também como Cabapuana) e sua barra. Ao sul da foz, ele registrou uma espécie de braço (que assinala como gamboa), até hoje existente, ainda com uma expressiva mancha de manguezal, mas já ameaçado pela expansão urbana. Santa Catarina deriva de uma confusão. Entendia-se que Pero de Gois havia fundado uma vila que batizou de Santa Catarina em homenagem à rainha de Portugal. Na verdade, esse povoado foi fundado, até informações mais precisas, na margem direita da foz do rio Itapemirim por seu filho Gil de Gois (LAMEGO, Alberto Frederico de Morais. Mentiras históricas. Rio de Janeiro: Record, s/d.)
Mais abaixo, foi feito o registro da lagoa Doce, que tanto pode corresponder ao córrego Doce, hoje transformado em lagoa Doce, como à praia da Lagoa Doce. Na verdade, esse córrego desemboca na atual Enseada do Retiro, que o cartógrafo, no seu mapa, assinala mais abaixo como Entrada do Retiro. Entre Lagoa Doce e Ponta do Retiro, ele registrou Baixo Salgado.
Hoje, sabe-se que existem duas lagoas alongadas na Enseada do Retiro: a Salgada e a Doce. Pelo formato de ambas, acredita-se que tenham sido córregos com nascente nos tabuleiros e foz no mar aberta permanente ou periodicamente. Portanto também com pequenos mangues. No recorte do mapa, o autor assinalou três lagoas e usou a convenção para indicar florestas. Elas tomavam conta de toda a extensão dos tabuleiros e da zona serrana. A menção ao Baixo Salgado pode remeter à água de superfície do território, conhecido na época com Sertão das Cacimbas. Mais de um viajante estrangeiro notou que a água de superfície no Sertão era salobra. Daí as cacimbas para obter água potável.
O cartógrafo localizou duas mós num valado profundo entre o cômoro da praia e a terra firme, que vai fenecer na gamboa. Subindo-se uma pequena eminência do lugar, entre densos matos, encontram-se resíduos de paredes e telhas que mostram haver ali antigamente algum estabelecimento que o tempo consumiu (COUTO REIS, Manoel Martins do. Manuscritos de Manoel Martins do Couto Reis – 1785. Campos dos Goytacazes: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima/Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 2011).
Os naturalistas que passaram pelo Sertão das Cacimbas no século XIX escrevem sobre suas vastas e belas florestas, além dos perigosos puris. Nenhum deles sofreu qualquer ataque desses integrantes da nação macro-jê. Há também o registro de queimadas e de desmatamento. A urbanização foi tardia. Pela cartografia, só na carta formulada entre 1858 e 1861 aparecem, além de Santo Antônio de Guarulhos, São Francisco de Paula (atual São Francisco de Itabapoana), São Sebastião e Morro do Coco (ainda hoje com esse nome) como novas freguesias; uma infinidade de fazendas com os nomes de seus proprietários assinalados e de possíveis lugarejos (BELLEGARDE, Pedro D’Alcantara e NIEMEYER, Conrado Jacob de. Carta corográfica da Província do Rio de Janeiro. 1861). Esse mapa requer um estudo minucioso pela quantidade e qualidade das informações sobre a margem esquerda do Paraíba do Sul no trecho entre ele e o rio Itabapoana; entre o rio Muriaé e o mar. Parece que os mapas anteriores não estavam registrando o processo de ocupação do chamado Sertão de São João da Barra. Não é possível que todos os registros feitos pelos autores correspondam a localidades instaladas em quinze anos, desde 1846. Mais fácil entender que os mapas imediatamente anteriores a este tenham repetido o vazio dos mapas do século XVIII e do princípio do século XX.
São Sebastião hoje é conhecido coma Barra do Itabapoana. Essa vila cresceu em grande parte sobre o manguezal do rio Itabapoana. Existem ainda manchas consideráveis do ecossistema estuarino. Uma delas restou ao sul da vila. O meio urbano cercou o mangue. Hoje, ele é visto nos poucos intervalos entre uma casa e outra. Deve-se considerar a carga de esgoto e de lixo atirada nos canais e na vegetação. É possível encontrar animais mortos em seu âmbito. O trecho mais conservado encontra-se na margem esquerda do rio, já no Estado do Espírito Santo.
Manguezal do rio Itabapoana. Vê-se a vila de Barra do Itabapoana na margem direita do rio, onde o mangue em grande parte foi invadido pelo núcleo urbano. Na margem esquerda, lado do Espírito Santo, o manguezal mostra-se mais conservado. Imagem Google
Examinei esse manguezal na década de 1990. Voltei a ele várias vezes posteriormente. Existe uma sentença judicial contra o Ibama e a prefeitura do município, mas ela nunca foi cumprida e, pelo visto, não será. Com problemas pontuais de invasão, o mangue não mudou muito desde então na parte fluminense. Foi o que pude constatar em visita efetuada em agosto de 2021.