Minha primeira impressão ao chegar a Manaus, ainda do avião, foi o espanto que aquele mundo de água nos arredores da cidade me causou. Vê-se o núcleo urbano em meio a um caos aquático entremeado de floresta. Não me deixo enganar. Meu encantamento não me faz esquecer que a Amazônia está sendo destruída. De que Manaus ergueu-se à custa de muito desmatamento e de muita violência contra os
povos indígenas.
Mas, finalmente, estou em Manaus. O táxi nos leva para o hotel na zona histórica da cidade. Estranho, para mim, classificar uma zona como histórica, já que todas elas são históricas. O que se pretende dizer com zona histórica é a parte mais antiga da cidade. Avenida movimentada. Logo adiante, ergue-se o Palacete Provincial, antiga sede do governo e hoje museu.
Subindo uma rua perpendicular à avenida do hotel, chega-se a uma praça em que foi construído o famoso Teatro Amazonas, datado de 1896. Ele se tornou famoso por estimular a vida cultural de tipo europeia no meio da floresta. Foi erguido com o sacrifício de muitas pessoas pobres, exploradas para a obtenção de borracha nos seringais. Lentamente, contemplo a praça: a Igreja de São Sebastião, as belas casas
e me pergunto: o que esta cidade ocidental está fazendo aqui, no meio da maior floresta tropical do mundo?
Mais uma vez, lembro o verso de Mário de Andrade: “Sou um tupi tangendo um alaúde.” Mas me esforço para entender esta dicotomia. É duro pensar. Porém, não podemos apagar o passado. Não consigo evitar o pensamento crítico diante do que estou vendo, mas não posso deixar de me encantar. O teatro é suntuoso. Minha tia cantou nele em 1940. Procurei alguma placa registrando sua passagem naquele
monumento. A guia turística me informou que todas foram tiradas das paredes.
Manaus tem sua origem em meados do século XVII, com uma fortaleza construída no encontro dos rios Negro e Solimões. A Amazônia era um mundo colonizado por povos indígenas de diferentes línguas, cobiçado por aventureiros e ponto de encontro dos interesses portugueses e espanhóis. A nação manau dominava aquela área e resistiu ao avanço europeu. O líder da resistência foi Ajuricaba, que acabou morrendo na luta de resistência. Foi, então, criada a Capitania de São José do Rio Negro, com capital em Barcelos. Em 1832, a capital foi transferida para a vila de Manaus, elevada a cidade em 1848.
Uso meu método predileto para conhecer um lugar: caminhar. Manaus é uma grande cidade. Como outras capitais do Brasil, teve seu charme no passado. Aquele charme que só foi possível à custa de uma estratificação social e injustiças. As ruas, avenidas, mansões, palácios, teatro, bonde, elegância nos trajes. Manaus atraiu imigrantes. Para lá, foram libaneses, judeus, japoneses. A vida cultural era intensa.
Os livros “Relato de um certo oriente”,“Cinzas do Norte” e “Dois irmãos”, todos do manaura Milton Hatoun, levaram-me a procurar um restaurante libanês. Só encontrei uma espécie de bar nos lados de Adrianópolis, a parte nova de Manaus que não me interessou conhecer.
Gastronomia: gostei do Tambaqui assado, mas não me dei bem com pirarucu. Pareceu-me gorduroso. Caminho pelas ruas. Mercado municipal junto ao porto. Bem organizado com muitas bugigangas imitando peças indígenas. Procurei CDs com músicas populares típicas. Com dificuldade, encontrei. O porto é um magnífico caos: canoas, lanchas, barcos, navios.
Fazemos um passeio turístico nos arredores de Manaus. O barco nos leva ao encontro das águas pretas do rio Negro com as barrentas do rio Solimões. Muitas fotos de turistas que se encantam com tudo sem perceber o motivo. Parada para brincar com boto rosa. Exploração do animal, que se comporta como um cachorrinho para ganhar comida. Outra parada para simular pesca de pirarucu. Um tanque apertado cheio de peixes enormes. A pessoa paga e tem direito a uma vara com isca para simular a pesca de peixes esfomeados. Prática nada educativa que devia ser proibida.
Lojas de suvenires na beira do rio com donos nitidamente evangélicos pelos sinais. Contudo, vendendo lembrancinhas demoníacas feitas por indígenas ou por alguém que os imite. Restaurante, árvore gigante, campo de vitória-régia. Por fim, visita a uma comunidade indígena. Indivíduos de diversas nações já aculturadas simulando práticas culturais já abandonadas. Danças para e com turistas. Mulheres de
seios nus semicobertos por cabelos longos. Ao final da simulação do ritual, essas mulheres oferecem, a preço módico, pinturas indígenas nos turistas que logo se apagam. É o momento de o turista sentir-se um pouco índio, enquanto estes moram em casas pobres com ar condicionado. Eles querem ser ocidentais e nós queremos ser eles. Eu os entendo mais, aculturados para sobreviver, do que os turistas de vida supérflua.
*Professor, escritor, historiador e ambientalista