Lagoa de Iriri

Por Arthur Soffiati

Traçado do antigo Córrego de Iriri. Imagem Google Earth

As lagoas de Itapebussus e Iriri dispõem-se perpendicularmente à costa. Observando bem, apresentam feição fisiográfica de curso d’água com foz barrada por cordões arenosos.

Pela imagem de satélite acima, pode-se perceber que a lagoa de Iriri, assinalada em azul, foi cercada e invadida pela cidade de Rio das Ostras, muito adensada depois das instalações da Petrobras em Macaé no fim dos anos de 1970. Sua nascente não pode mais ser identificada com clareza do alto. Seu leito foi impiedosamente secionado pela RJ-106 (Rodovia Amaral Peixoto), por ruas, bairros e até casas. Junto à foz, quando o curso d’água se fechou natural ou artificialmente, permanente ou periodicamente, um braço se formou à esquerda. Uma hipótese é que a extensão à esquerda seja um antigo afluente do curso principal. A ausência de qualquer vestígio de manguezal indica que a barra se fechou há bastante tempo, eliminando o estuário (segmento do curso em que a água doce se mistura à água salgada e gera água salobra, adequada para as plantes exclusivas de manguezal).

A lagoa de Itapebussus apresenta claros indícios de também ter sido um córrego com foz permanente ou periodicamente aberta para o mar. Ela teve menos azar que a de Iriri, pois a cidade de Rio das Ostras deteve-se, por enquanto, na sua margem direita. Mesmo assim, sua nascente e um afluente na margem direita foram engolidas pela cidade.

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Perímetro aproximado do que restou do córrego (hoje lagoa) de Itapebussus. Imagem Google Earth

Ao norte da lagoa de Itapebussus, existe outro sistema hídrico menos degradado que as duas lagoas abaixo. Uma estrada de terra corta a sua parte superior, enquanto remanescentes de antigas florestas protegem parte de suas margens, mais na margem esquerda que na direita.

Tardiamente, a prefeitura de Rio das Ostras criou uma Área de Proteção Ambiental para a Lagoa de Iriri, mas ela vem se revelando ter sido apenas uma medida demagógica para demonstrar falso interesse pelo meio ambiente. Nada a se estranhar. Em quase todos os municípios brasileiros, prefeitos e vereadores justificam seu interesse pela proteção ambiental com a criação de Unidades de Conservação, não tomando providências para protegê-la de fato. 

Os antigos córregos, hoje transformados em lagoas, perderam a competência de abrir a barra permanente ou periodicamente. Só com as chuvas extraordinárias ou com ação mecânica do homem, elas se rompem. Foi o que aconteceu com a lagoa de Iriri em 2016 e provavelmente em anos seguintes. As águas se avolumaram com as chuvas e rasgaram a barra, fluindo para o mar. Grande volume de água escura verteu para o oceano. A cor se deve à matéria orgânica vegetal decomposta ou ao esgoto. Essa cor é que levou ao terrível nome de lagoa Coca-Cola. 

Prefeitura de Rio das Ostras
Banhistas na lagoa de Iriri com barra aberta. Água poluída

A prova mais evidente de que a criação de uma Unidade de Conservação pelo poder público de Rio das Ostras é um ato demagógico evidencia no mês de outubro de 2024. Por enquanto, sua barra não foi aberta. Muito esgoto sem tratamento vem sendo lançado em suas águas. Trocando em miúdos, trata-se de matéria orgânica em excesso no interior da lagoa, o que estimula a multiplicação de plantas aquáticas, notadamente o aguapé, espécie que se espalhou pelo mundo inteiro. A lagoa de Iriri sofre com eutrofização, ou seja, ela está sendo superalimentada com matéria orgânica que reduz o oxigênio dissolvido da água. Os peixes, que dependem dele, vêm à superfície a sua procurar. Mas seu sistema respiratório não como o dos animais terrestres. Eles retiram oxigênio da água, não do ar.

O turismo também é afetado porque a poluição afasta banhistas. O pequeno comércio nas margens da lagoa sofre bastante sem compradores. Espera-se apenas que o problema não seja resolvido com a abertura artificial da barra para escoar a água poluída e o excesso de aguapé. Procedimentos como esse já demonstraram que a poluição pode ser diluída no mar, porém afeta outros lugares da costa, como Cabo Frio e Búzios, por exemplo.

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Lagoa de Iriri: avanço de manta de aguapé em direção à barra

O núcleo da cidade de Rio das Ostras reduzia-se a uma pequena colônia de pescadores até a década de 1950. Em 1818, o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire cruzou o rio em cujas margens cresceu a cidade de hoje e escreveu: “O Rio das Ostras não tem mais de 2 léguas de curso. Pequenas embarcações podem, contudo, entrar por sua embocadura, porém somente aproveitando a maré alta. Segui esse rio num espaço de algumas centenas de passos, notando que ele é margeado por mangues. O nome do rio vem da abundância de ostras que se nota em sua embocadura. As ostras não são aqui empregadas cruas na alimentação; são cozidas ao fogo, sem serem antes abertas.”

Não se deseja que a cidade de Rio das Ostras volte a apresentar o aspecto que tinham quando da passagem por lá dos naturalistas Maximiliano de Wied-Neuwied (1815) e Auguste de Saint-Hilaire (1818). A urbanização da grande Região dos Lagos (dos rios Macaé ao Una) é um processo que começou na década de 1960 e se acentuo a partir de 1970, com a instalação da Petrobras em Macaé. Já se pode falar numa grande mancha urbana formada por Macaé, Rio das Ostras, Barra de São João e Unamar.

Se voltar ao passado é sonho, pode-se considerar como pesadelo um processo desordenado de urbanização que acentua as desigualdades sociais e devora os ambientes naturais. Rio das Ostras continua com uma dívida muito grande em relação ao próprio rio que lhe deu nome, ao manguezal e as lagoas que ficaram em seu território quando o município foi criado. Que governo municipal iniciará o pagamento dessa dívida?