O fechamento de lixões pode ter como efeito colateral o desemprego dos catadores. Arriscado e degradante nos lixões, o trabalho deles sustenta milhares de famílias, mas fica ameaçado se a substituição dos depósitos inadequados não vem acompanhada de mais reciclagem. Para impulsionar o reaproveitamento, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) promete endurecer as regras da logística reversa, que obriga as empresas industriais a recuperarem seus produtos.
O Brasil tem cerca de 400 mil catadores, segundo estimativa do Ipea com br no Censo 2010, que não especifica quantos deles trabalham em situação degradante nos 1,5 mil lixões que ainda existem país afora.
Quando um desses depósitos é fechado, empregar os catadores em usinas de reciclagem seria a alternativa óbvia, mas o reaproveitamento de resíduos é incipiente no país. Em 2022, 1,12 milhão de toneladas de recicláveis foram tratados, ante 63,8 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, segundo o Ministério das Cidades. Há 39 mil catadores envolvidos na reciclagem.
Estudo da Firjan publicado no ano passado aponta que, em 2021, 2 milhões de toneladas de recicláveis foram descartados em aterros sanitários, apenas no estado do Rio. O material tem um valor potencial de R$ 2 bilhões, literalmente enterrados, segundo a entidade.
GRAMACHO, O EXEMPLO A SER EVITADO
O fechamento do lixão de Gramacho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, quase 12 anos atrás, ilustra o problema. Na época, autoridades informaram que 1,7 mil catadores perderiam seu trabalho. Eles receberam uma indenização em dinheiro e a promessa de empregos.
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A Secretaria de Estado de Meio Ambiente anunciou um projeto de construir um polo de reciclagem ao lado do antigo lixão, com dez galpões, sede administrativa, estacionamento para caminhões, creche e área de lazer, mas quase nada saiu do papel. Apenas dois galpões foram construídos.
Em 2022, 40 pessoas trabalhavam ali, mostrou reportagem do g1. A pandemia de Covid-19 agravou a miséria de ex-catadores e suas famílias, muitos moradores da favela que, ainda antes do fechamento do lixão, se formou perto da entrada — local que ainda enfrenta o problema de novos lixões clandestinos.
Ano passado, drama semelhante se repetiu Teresópolis, na Região Serrana do Rio. No segundo semestre, o lixão da cidade foi finalmente fechado, após anos de descaso e um incêndio.
RETOMADA COMEÇOU EM 2023
Em Gramacho, o projeto original do polo de reciclagem começou a ser retomado no fim do ano passado, com investimento socioambiental da Petrobras, de R$ 4 milhões. O terceiro galpão deverá ficar pronto até maio, diz Sebastião dos Santos, presidente da Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho (ACAMJG).
Segundo Santos, hoje, 100 catadores trabalham nas cooperativas de Gramacho. O terceiro galpão gerará mais 25 vagas na ACAMJG, onde hoje trabalham 33 catadores. E quatro cooperativas estão em articulação para viabilizar um novo projeto, que pleiteará mais R$ 9 milhões da Petrobras, para construir mais quatro galpões, gerando 200 postos de trabalho.
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Os projetos contemplam investimentos em caminhões e logística, para a prospecção de clientes, uma estratégia para obter os materiais reciclados, um dos gargalos para a viabilidade econômica das cooperativas de catadores. O presidente da ACAMJG considera o avanço do reaproveitamento de materiais um “caminho sem volta”, mas vê resistências no setor empresarial.
BILHÕES PARA ATERROS SANITÁRIOS, NADA PARA A COLETA SELETIVA
Santos, que já era líder da categoria quando Gramacho foi fechado — sua estória ganhou o mundo no documentário Lixo Extraordinário (2010, de Lucy Walker, Karen Harley e João Jardim), sobre a obra do artista plástico Vik Muniz —, critica a forma como a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) foi aplicada. No papel, é “uma das melhores do mundo”, mas faltaram metas para ampliar a reciclagem.
— A política focou em fechar lixões. O governo federal deu bilhões para montar aterros sanitários e não se preocupou com a coleta seletiva — diz Santos.
REGRAS MAIS DURAS NA LOGÍSTICA REVERSA
Agora, para impulsionar a reciclagem, o MMA aposta na endurecimento da regulamentação da logística reversa, com regras que obriguem a indústria a coletar os resíduos que produz, diz o secretário de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental, Adalberto Maluf.
Segundo ele, há hoje 13 sistemas de logística reversa, quase todos estabelecidos em acordos setoriais entre as empresas e entidades. Após um ano de governo, a equipe da ministra Marina Silva decidiu “transformar tudo em decretos”.
Antes disse, informa Maluf, a pasta publicará, ainda neste primeiro semestre, três portarias, sobre a habilitação das “entidades gestoras”, que coordenam os sistemas de logística reversa, os “verificadores independentes”, que auditam os sistemas, e um modelo nacional de relatório de prestação de contas. Depois, virão os decretos para regulamentar os sistemas setoriais.
— O decreto obriga todo mundo a prestar conta, a entrar (no sistema de logística reversa). E serve para enquadrar importadores — diz Maluf, otimista com a medida. — A reciclagem vai aumentar com certeza. Assim, tiramos o peso das prefeituras e cumprimos a política, que diz que um dos instrumentos é a logística reversa.