Medidas focam os benefícios setoriais, mas podem deixar vulneráveis áreas protegidas vitais para a conservação da biodiversidade, recursos hídricos, povos e comunidades tradicionais
Atrair investimentos é a palavra de ordem no governo como resposta a uma das maiores recessões da história do Brasil. Para isso, o governo anuncia hoje um pacote para beneficiar o setor de mineração. A expectativa é aumentar em 50% a participação mineral no PIB brasileiro e reverter a paralisia em que o setor se encontra nos últimos anos.
Essa paralisia, segundo diagnóstico oficial, decorre da insegurança jurídica criada pelo debate da mudança do marco regulatório, proposta ao Congresso em junho de 2013, e que seria sinônimo de maior intervenção estatal nos negócios. O pacote lança mão de instrumentos como medidas provisórias, decretos e projetos de lei.
Entre outras medidas, o governo deve liberar uma área de 46 mil km2 entre os estados do Pará e do Amapá proibida à mineração desde 1984 poderá também ser aberta em breve à iniciativa privada como uma das medidas previstas pelo governo Temer para engordar o PIB brasileiro.
A região conhecida como Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca) tem elevado potencial de ouro e outros metais, dois grandes depósitos de fosfato e centenas de garimpos de ouro.
Além disso, o pacote pretende licitar via leilão eletrônico milhares de áreas “em disponibilidade” para pesquisa, cujos requerimentos caducaram.
Decreto
Da proposta de mudança no marco regulatório do setor minerário que vinha sendo tratada no Congresso Nacional, o governo deve aproveitar muito pouco, como a criação de uma agência reguladora para o setor, em substituição ao atual Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), vinculado ao Ministério de Minas e Energia.
Para começar, o governo deve retirar de tramitação projeto de lei 5.807/2013, que reformula o marco regulatório da mineração. No cenário ainda a possível liberação da faixa de fronteira para a participação do capital estrangeiro em atividade de mineração. Essa área corresponde a 27% do território nacional (2,5 milhões de km2).
Em vez de mudar o atual Código de Mineração, o governo quer apenas regulamentar, por decreto, mudanças feitas durante o governo Fernando Henrique Cardoso e que abriram a mineração no país ao capital estrangeiro. O decreto tem por objetivo encurtar o tempo entre o requerimento de pesquisa e a liberação da atividade mineral, que pode durar 12 anos.
Para o WWF-Brasil as medidas do governo abrem perspectivas ao setor minerário sem, contudo, garantir segurança para o meio ambiente. Uma das preocupações refere-se ao possível avanço de atividades de mineração sobre as áreas protegidas.
Conflitos a vista
“Quando cruzamos os pedidos de pesquisa e de lavra do Departamento Nacional de Produção Mineral com o mapa das unidades de conservação na Amazônia, vemos uma clara sobreposição. Não que o que o que o mapa mostra seja atividade em curso, mas aponta para um eventual conflito de interesses”, esclarece Maurício Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil.
Segundo ele, no sul do Amazonas já existe uma forte pressão – encabeçada por parlamentares, prefeitos e empresários – para alterar limites de unidades de conservação, incluindo um parque nacional, principalmente por conta da mineração, conforme apontou uma análise divulgada pelo WWF-Brasil no início de fevereiro.
Voivodic lembra ainda que está em fase de negociação no governo um novo marco regulatório do licenciamento ambiental. E há, segundo ele, uma forte pressão dos setores ligados à indústria e ao agronegócio pela flexibilização da lei. Se estes setores vencerem a queda de braço, o país pode retroceder nas salvaguardas socioambientais.
No pacote do governo para a mineração, há apenas uma única e discreta menção sobre ações relativas a barragens de rejeitos de mineração, numa alusão ao traumático rompimento da barragem de Fundão, num subdistrito de Mariana (MG), em novembro de 2015, tido como o maior desastre ambiental ocorrido no Brasil.
“Por mais significativo que seja no panorama econômico nacional, não dá para acenar com benefícios apenas setoriais e esquecer as salvaguardas ambientais e sociais quando se trata de formular políticas públicas”, afirma o diretor do WWF. “O governo precisa demonstrar responsabilidade nesta hora”.