Fogo e vida

Por Arthur Soffiati

É indiscutível a importância do fogo para a natureza e para a vida humana. É mais acertado acreditar que a Terra começou em fogo do que em água. Nos primórdios, ela era mais quente que hoje. Houve um momento da sua história em que ela se transformou numa bola de gelo. Certos ecossistemas, como o Cerrado, precisam do fogo. Ele faz parte do ciclo ecológico, quebrando a dormência de sementes e garantindo a rebrota de plantas.

A humanidade não inventou o fogo, mas sim, a maneira de produzi-lo. Colher o fogo na natureza e mantê-lo aceso é um penoso trabalho. A arte de produzir o fogo com a fricção de madeira ou de pedra representou uma verdadeira revolução tecnológica. O fogo permitiu a conquista de cavernas com a expulsão de animais. O endurecimento de pontas de lança. O cozimento da carne, reduzindo a necessidade de dentes grandes, e o processo de digestão. O dia pôde ser ampliado, assim como a aproximação de indivíduos e sua socialização.

Com bons motivos, o fogo foi considerado um dos quatro elementos formadores da natureza na filosofia pré-socrática, ao lado da água, do ar e da terra. Por outro lado, ele pode ser muito perigoso para a natureza e para a humanidade. Talvez com motivo, a sabedoria popular diz que o mundo já acabou em água (com os dilúvios narrados em livros antigos) e agora vai acabar em fogo.

No inverno de 2024, assistiu-se em países da América do Sul, notadamente no Brasil, a pior onda já registrada de incêndios florestais, rurais e urbanos. A Amazônia, o Cerrado e o Pantanal arderam em chamas. A caatinga e a área da antiga Mata Atlântica também foram atingidas. O grande facilitador do fogo foi o aquecimento climático global. Não há mais dúvida de que as temperaturas médias da Terra estão subindo. Nem mesmo os céticos estão contestando esta realidade.

Esse aquecimento progressivo evapora a água do mar, dos rios e lagoas, do solo, da vegetação e do ar, criando condições propícias para a geração e propagação de incêndios. Então, a cultura tradicional do fogo e pessoas com interesses pessoais riscam o fósforo. A secura e o vento rapidamente propagam as chamas.

A umidade relativa do ar em condições ideais para a vida humana deve girar em torno de 60%. Com a estiagem de 2024, ela chegou a alcançar 10% em alguns lugares. O fogo se alastrou rapidamente e matou muitos animais. Foi chocante a cena de uma anta que desistiu de lutar e morreu dois dias depois de resgatada. Mas não é uma cena tocante escolhida pela imprensa que deve nos impressionar, e sim, a eliminação da micro e da mesofauna, responsáveis pela saúde do solo. Incontáveis indivíduos da macrofauna também pereceram.

O fogo cercou várias cidades e ameaçou moradores. Foi necessária grande mobilização de bombeiros profissionais e voluntários, trabalhando em condições precárias. Faltou água para combater os incêndios, pois o nível dos rios foi drasticamente reduzido na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal. O canal atmosférico que começa na Amazônia e alcança o cone sul deixou de transportar vapor de água para transportar fumaça e fuligem. O ar nas cidades que se ergueram nesse corredor foi excessivamente poluído, acarretando problemas respiratórios para os moradores.

Tudo indica que o ano de 2025 será pior que o de 2024, que foi pior que 2023. Os fóruns internacionais para contenção e redução dos gases do efeito-estufa têm fracassado. Parece que agora é cada país por si e Deus por todos. É preciso agir na Terra em caráter emergencial.