Por Arthur Soffiati
Mesmo com meu pouco conhecimento em todas as áreas do saber, se um geólogo, hidrólogo, botânico, zoólogo, ecólogo, geógrafo, antropólogo, historiador, arquiteto e outros mais me solicitassem sugestão de área a ser estudada, eu não hesitaria: estudem a margem esquerda do rio Paraíba do Sul no seu trecho final. Estudem a planície aluvial e a restinga naquela margem. Trata-se de uma área nova
no plano geológico e ainda muito pouco estudada.
Depois de alcançar a máxima transgressão (avanço), em 5.100 antes do presente, o mar deixou em seu lugar uma planície em que grande parte é uma restinga. Na margem esquerda, essa planície avançou mais porque a corrente oceânica proveniente do norte transportando areia encontrou uma barreira no rio
Paraíba e atulhou a grande baía formada na margem esquerda. A restinga tamponou os córregos que sulcavam a unidade setentrional de tabuleiros e desembocavam no mar. Assim, esses cursos d’água se transformaram em lagoas alongadas. Suas águas se espalharam pelas depressões laterais conferindo a forma de espinha-de-peixe às lagoas. Dentre elas, as maiores são, de norte para sul, Macabu, Sesmaria, Imburi, da Saudade (a maior delas), Santa Maria, São Gregório e Brejo Grande.
No recuou (regressão) progressivo do mar, foram se formando lagoas paralelas à costa entre os cordões arenosos. A primeira (mais interiorana) é a do Campelo, que, colada aos tabuleiros, funciona como um pequeno mar para as lagoas que foram barradas, mas ainda vertem para a grande lagoa de restinga, como demonstrou a geografia Leidiana Alves num trabalho muito perspicaz que merecia continuação.
Coletando as águas que descem dos tabuleiros, a lagoa do Campelo verte para o rio Paraíba do Sul, como se fosse seu último afluente, pelo córrego da Cataia. Paralelos à lagoa do Campelo, formaram-se ainda os brejos dos Cocos, do Farias, do Mangue Seco e as pequenas lagoas do Comércio, da Taboa, do Meio, e da Praia.
Embora nas secas esses sistemas lagunares mostrassem suas margens, nas cheias, eles acabavam se ligando. O rio Paraíba do Sul corre em nível mais baixo que a margem esquerda em seu final. Assim, os transbordamentos alcançavam essas lagoas. Quando o nível baixava, as águas de cheia retornavam ao leito do rio, ficando nas lagoas apenas a água aprisionada. Pelo lençol freático, todas se ligavam.
A vegetação que colonizou essa restinga foi a da Mata Atlântica em seu aspecto estacional semidecidual, ou seja, o que perde folhas na estação seca. Na parte mais interior da restinga, árvores de até 25 metros encontraram ambiente para crescer. Daí em diante, em direção ao mar, os ventos salinos selecionaram a
vegetação de porte arbustivo. A intensificação dos ventos e da salinidade do solo e do ar, junto à costa, permitiram apenas vegetação de porte herbáceo ou forçaram as outras a se espraiarem de forma rasteira. A fauna que desceu da Mata Atlântica adaptou-se a este ambiente. Na foz dos rios Paraíba do Sul e Guaxindiba, os dois que desembocam na restinga ao centro-norte, formaram-se manguezais, vegetação cujas sementes (propágulos) são transportadas pelo mar.
O ambiente de lagoas e cursos d´água de restinga mostrou-se muito propício para a atividade pesqueira. De fato, o estuário do Paraíba do Sul e do Guaxindiba viram florescer não apenas a pesca, mas uma pequena indústria de barcos pesqueiros. A lagoa do Campelo e o córrego da Cataia tornaram-se famosos como áreas de pesca. Talvez pela salinidade da água superficial, os habitantes dessa parte da grande restingam buscaram água doce no lençol freático, escavando poços. Assim, toda a vasta extensão entre a margem esquerda do rio Paraíba do Sul e a margem direita do rio Itabapoana (já fora da restinga) passou a ser conhecida como Sertão das Cacimbas. Os povos nativos que o habitavam eram Guarulhos e Puris.
A primeira grande atividade do Sertão das Cacimbas foi o corte de árvores. Para tanto, foi aproveitada a vala de Cacimbas para abertura de um canal ligando a lagoa de Macabu ao rio Paraíba. O canal de Cacimbas foi o primeiro canal de navegação dos quatro abertos no norte fluminense no século XIX. Atrás das áreas abertas na floresta, vieram a agricultura e a pecuária. No final do século XVIII, o cartógrafo Manoel Martins do Couto Reis mostrava o Sertão de Cacimbas como pouco povoado, mas suas terras tinham proprietários. Um deles, João Velho Pinto Barreto, recebeu terras como sesmarias. Seu filho fundou a Fazenda Gravatá em 1794. Era famoso o engenho de José Fernando Carneiro Leão, na margem esquerda do Paraíba do Sul.
O Sertão das Cacimbas representa o terceiro eixo de povoamento europeu do norte fluminense. No entanto, a urbanização é ainda reduzida à costa. Entre Guaxindiba e Gargaú, a ocupação urbana se intensifica. No interior, contudo, existem apenas as localidades de Mundéus, Campo Novo, Cacimbas e casas esparsas. Existem poucas construções antigas. Agora, com a ponte sobre o Paraíba do Sul,
ligando as rodovias BR-356 e RJ-194, um processo desordenado de urbanização deve ocorrer no histórico sertão, provocando sua descaraterização.
*Professor, historiador, escritor, ambientalista e membro da Academia Campista de Letras








