Conhecer um território e seus habitantes ajuda a defendê-los, embora não garanta vencer a luta. Há um confronto de forças desiguais em todo o mundo. Os que defendem um sistema econômico justo e sustentável para os pobres (sejam mulheres, negros e indígenas de todos os continentes) perdem a luta para a minoria que se beneficia dessa economia. E não são apenas pessoas, mas também empresas e países. A vitória da economia dominante é também a sua derrota, pois ela é socioambientalmente insustentável.
Tomemos o caso do norte do estado do Rio de Janeiro, considerando que poderíamos tomar outro em qualquer parte do mundo, olhando não só para o lado do “progresso”, mas também para a outra face da moeda. No dia 10 de dezembro de 2024, foi publicada uma reportagem no jornal “O Dia” com caráter apologético: uma nova região metropolitana está se consolidando no litoral do estado. Ela se estende de Cabo Frio a Campos dos Goytacazes, passando por Macaé, com a “ótima” perspectiva de se estender ao sul do Espírito Santo. Agora, que a Assembleia Legislativa liberou o território do norte-noroeste fluminense para o eucalipto, e outras lavouras. As duas regiões vão se tornar o maior produtor de gravetos do mundo com o fim de aquecer o inverno europeu. E entraremos também no circuito do agronegócio no lugar da ultrapassada cana.
Não tenho esse otimismo. Não sou ufanista. Mesmo sendo considerado antipático pelos apologistas do desenvolvimento regional, continuarei mostrando a nudez do rei. Ele pode convencer a maioria de que está luxuosamente vestido. Mas insistirei de que suas roupas têm prazo de validade.
Fiquemos só com o litoral do norte fluminense, entrando um pouco no Espírito Santo. Você, militante preguiçoso, saia um pouco do seu ativismo barulhento e estude mais. Observe a linha costeira que se estende entre os rios Itapemirim (ES) e Macaé. Não será difícil perceber que ela apresenta uma grande saliência que foi batizada de cabo de São Tomé. Desça a detalhes no Google Earth. Você não encontrará nenhuma formação pedregosa natural ao longo dela. Apenas na foz do rio Itapemirim há duas ilhas, assim como diante da foz do rio Macaé, situa-se o arquipélago de Santana.
Essa zona costeira é formada por dois terrenos. Do rio Itapemirim ao rio Guaxindiba, estende-se um litoral formado por barreiras com idade de cinco milhões de anos, havendo um pequeno hiato representado pela restinga de Marobá, na margem esquerda do rio Itabapoana. Entre o rio Guaxindiba e o rio Macaé, domina uma longa restinga com idade inferior a 5 mil anos. Trata-se de uma costa baixa, rasa, aberta, varrida por ventos, com grande salinidade no ar e no solo. É uma costa singular no conjunto da zona litorânea do Brasil. Talvez só a costa do Rio Grande do Sul se assemelhe a ela.
Seis rios principais desembocam nessa linha costeira: Itapemirim, Itabapoana, Guaxindiba, Paraíba do Sul, das Flechas (aberto por ação humana) e Macaé. A foz de todos eles tende a fechar por areias transportadas pela forte energia oceânica. São intensos os processos erosivos naturais. Mas eles foram acentuados pela intervenção da economia de mercado: desmatamento das margens, barramentos de leitos, transposições de vazão, pedras nas desembocaduras e urbanização principalmente.
Qualquer intervenção maciça nesse litoral tende a acumular areia de um lado e provocar erosão de outro. Em Macaé, a urbanização desordenada da restinga começa a sofrer com a erosão, como acontece no bairro de Fronteira. Em direção ao norte, a construção de dois espigões de pedra para estabilizar a foz do canal da Flecha vem acumulando areia na margem direita e provocando erosão na margem esquerda. No complexo portuário do Açu, o desrespeito à restinga foi mais longe: além de espigões que acumulam areia no lado direito (mais que no esquerdo), um largo e profundo canal foi aberto para a entrada de grandes navios.
A foz do rio Paraíba do Sul é problemática desde que se definiu provisoriamente no último milênio. Com as intervenções humanas na sua bacia e com a elevação do nível do mar como efeito do aquecimento dos oceanos, a erosão costeira em Atafona vem se acentuando ano a ano. O pequeno rio Guaxindiba teve sua bacia desmatada e barrada. A abertura de um grande canal roubou-lhe a foz. Processos erosivos ocorrem junto a sua desembocadura.
A foz do rio Itabapoana estreitou-se e desviou-se para o sul como resultado da perda de vasão da bacia e das correntes marinhas. Com a construção de um grande porto na restinga de Marobá, a situação vai piorar. Por fim, o rio Itapemirim. Um espigão construído na sua margem direita intercepta areia proveniente do norte, entope a foz e erode a praia de Marataízes. Seria simples retirar o espigão, mas optou-se pelo engordamento da praia com uma obra caríssima feita com pedras. Parece que ela não aguentará o tranco. Eis o maravilhoso mundo novo de empresários e certos acadêmicos que trabalham para eles.
Pleiteia-se para essa grande conurbação o estatuto de região metropolitana. Ele se estende de Cabo Frio a Campos passando por Macaé. Por enquanto, o adensamento maior engloba Macaé, Rio das Ostras, Barra de São João e Unamar. Não existe ainda uma ligação adensada entre essa conturbação a Cabo Frio e a Campos. Cabo Frio cresceu mais do que a capacidade de suporte da frágil Região dos Lagos. Campos é hoje um conglomerado formado pela própria cidade de Campos, Guarus, Ururaí e Goitacazes. São três megalópoles a caminho de se unir e formar uma super-megalópole. Caso o Porto do Açu e o Porto Central induzam o crescimento para o norte, o núcleo de Campos pode crescer e envolver os municípios de São João da Barra, São Francisco de Itabapoana até de Presidente Kennedy.
Pensem na grande São Paulo na zona metropolitana do Rio de Janeiro. Enquanto os entusiastas dessa megalópole divisam o progresso econômico e o engordamento dos cofres públicos, aqueles “críticos pessimistas” pensam no agravamento dos problemas ambientais locais, regionais, estaduais e mundiais. Não apenas estaremos sujeitos ao agravamento de desastres produzidos pelas mudanças climáticas. Não apenas concorreremos para o empobrecimento da biodiversidade. Não apenas ultrapassaremos a capacidade dos rios de fornecer água. Não apenas aumentaremos exponencialmente a poluição do ar, da água e do solo. Aprofundaremos também as desigualdades sociais, a pobreza extrema, a mendicância, a prostituição, o tráfico de drogas e de armas e a violência urbana.
Conheci razoavelmente bem as cidades que caminham em direção a uma metrópole antes da instalação da Petrobras. Havia pobreza nelas, mas não miserabilidade. Havia exploração da natureza, mas não destruição acelerada dos ecossistemas nativos. E a Petrobras chantageia o Ministério do Meio Ambiente por não ter aprovado a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. Impedidos de operar lá, retiramos até a última gota de petróleo da Bacia de Campos. Eis a chantagem. E ela agrada governador do estado, prefeitos e vereadores da região, empresários e a maioria da população. Esse interesse é real. Por isso, não se pode acreditar nas metas prometidas nas COPs anuais sobre mudanças climáticas. Elas são mais bombásticos discursos do que compromissos a serem seriamente honrados.