Educação ambiental: poesia e música sobre natureza para inspirar

Poesias e músicas que falem sobre a natureza podem ser ótimas aliadas na educação ambiental.

A leitura de poesias e atividades com músicas oferecem boas oportunidades para o desenvolvimento de atividades de educação ambiental - Fo9to: Governo do Espírito Santo

Precisamos lançar mão de tudo o que pode sensibilizar a humanidade para o valor do planeta Terra. Uma das formas de tocar o coração das pessoas é por meio da artePoesia e música são formas de expressão artística com potencial de despertar a sensibilidade das pessoas e, assim, tocá-las profundamente.

Não estamos acostumados a lidar com nosso lado sensível tanto quanto com o racional. O mais lógico normalmente é valorizado por trazer resultados tangíveis e concretos em curto prazo. Nem sempre duram, pois o que é internalizado com base em valores é o que perdura ao longo do tempo. Por isso, uma estratégia que vale a pena ser utilizada é apresentar poesias e músicas cujas letras podem nos inspirar. Não precisamos ser poetas ou músicos, mas temos como aproveitar quem tem o dom da escrita para trazer questões ligadas à natureza, refletir sobre elas e apontar seu valor por si só, sem razões lógicas ou concretas.

Essa foi a lógica com que escolhi algumas poesias e músicas que mencionam a natureza em geral ou alguns animais em particular. Em um programa de educação ambiental pode-se utilizar qualquer uma dessas aqui apresentadas e muitas outras, preferencialmente escolhidas de acordo com a idade do grupo com que se está trabalhando.

As poesias apresentadas a seguir não foram separadas por faixa etária, nem apenas pela beleza que expressam, mas para exemplificar como linguagens sensíveis e poéticas tocam o leitor.

Canção do Exílio em Primeiros Cantos (Gonçalves Dias, 1846)

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em  cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá. 

FAUNA NEWS educação ambiental música e poesia
Sabiá-laranjeira – Ilustração: Elidiomar Ribeiro da Silva

Como utilizar essa poesia na educação ambiental

Mostre fotos de sabiás, onde ocorrem e o que precisam para viver. Coloque o som do canto e apresente ao seu grupo.

Peça que escrevam sobre quais sentimentos emergiram ao lerem essa poesia e ouvirem o som desses pássaros melodiosos. Depois, incentive àqueles que quiserem ler alto o que escreveram para que todos possam apreciar e refletir sobre o valor dessas aves.

Luar do Sertão (Luiz Gonzaga)

Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão

Oh que saudade do luar da minha terra
Lá na serra branquejando folhas secas pelo chão
Este luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade do luar lá do sertão

Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão

Se a lua nasce por detrás da verde mata
Mais parece um sol de prata prateando a solidão
E a gente pega na viola que ponteia
E a canção e a lua cheia a nos nascer do coração

Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão

Coisa mais bela nesse mundo não existe
Do que ouvir um galo triste no sertão que faz luar
Parece até que a alma da lua que descansa
Escondida na garganta desse galo a soluçar

Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão

Ai quem me dera se eu morresse lá na serra
Abraçado à minha terra, e dormindo de uma vez
Ser enterrado numa grota pequenina onde à tarde a sururina
Chora a sua viuvez

Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão

Como utilizar essa poesia/música na educação ambiental

Ouça a música com seu público. Peça que prestem atenção à letra para comentarem suas impressões. Quais as imagens que vieram? A partir daí, peça que escrevam, desenhem ou mesmo cantem junto com a gravação. Incentive que compartilhem o que sentiram e as imagens que lhes vieram.

De Passarinhos (Manoel de Barros)

Para compor um tratado de passarinhos
É preciso por primeiro que haja um rio com árvores
e palmeiras nas margens.
E dentro dos quintais das casas que haja pelo menos
goiabeiras.
E que haja por perto brejos e iguarias de brejos.
É preciso que haja insetos para os passarinhos.
Insetos de pau sobretudo que são os mais palatáveis.
A presença de libélulas seria uma boa.
O azul é muito importante na vida dos passarinhos
Porque os passarinhos precisam antes de belos ser
eternos.
Eternos que nem uma fuga de Bach.

Como utilizar essa poesia na educação ambiental

Vale a pena visitar outras poesias de Manoel de Barros que expressam sua paixão pela natureza. A proposta de um “tratado de passarinhos” é uma imagem poética digna de ser realçada. O grupo pode ler e interpretar as palavras do poeta ao som da Fuga de Bach. Peça que tentem escrever uma poesia utilizando imagens da natureza.

Chico Buarque dá um show de criatividade e destreza vernacular quando brinca com os nomes de pássaros brasileiros em sua música Passaredo.

Passaredo (Chico Buarque)

Ei, pintassilgo
Oi, pintarroxo
Melro, uirapuru
Ai, chega-e-vira
Engole-vento
Saíra, inhambu
Foge asa-branca
Vai, patativa
Tordo, tuju, tuim
Xô, tié-sangue
Xô, tié-fogo
Xô, rouxinol sem fim
Some, coleiro
Anda, trigueiro
Te esconde colibri
Voa, macuco
Voa, viúva
Utiariti
Bico calado
Toma cuidado
Que o homem vem aí
O homem vem aí
O homem vem aí

Ei, quero-quero
Oi, tico-tico
Anum, pardal, chapim
Xô, cotovia
Xô, ave-fria
Xô, pescador-martim
Some, rolinha
Anda, andorinha
Te esconde, bem-te-vi
Voa, bicudo
Voa, sanhaço
Vai, juriti
Bico calado
Muito cuidado
Que o homem vem aí
O homem vem aí
O homem vem aí

Como utilizar essa poesia/música na educação ambiental

Quem estiver guiando essa atividade pode conseguir ilustrações ou fotos na internet de muitos dos pássaros que Chico Buarque menciona de forma tão poética. Rimar nomes de pássaros brasileiros tão incomuns mostra ser possível criar apesar dos desafios. Essa música pode servir para ilustrar a biodiversidade encontrada no Brasil e outros locais da América Latina, uma vez que fauna não conhece fronteiras impostos pela sociedade e, por isso muitas, vezes ocorre em vários países. Peça que cada um escolha um pássaro e tente desenhá-lo ou que escreva algo sobre suas cores, bicos, patas ou o que mais lhes chama a atenção. Depois peça que discutam sobre a atividade.

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Em época de florada de ipê, pode-se utilizar a poesia de Carlos Drummond de Andrade e observar as flores – Foto: Suzana Padua

Tempo de ipê (Carlos Drummond de Andrade)

… Estou florescendo em todos os ipês.
Estou bêbado de cores de ipês, estou alcançando
a mais alta copa do mais alto ipê do Corcovado.
Não me façam voltar ao chão, não me chamem,
não me telefonem não me deem dinheiro,
Quero viver em bráctea, racemo, panícula, umbela.
Este é tempo de ipê. Tempo de glória.

Como utilizar essa e outras poesias na educação ambiental

Compartilhe com o grupo que a flor do ipê-amarelo é símbolo do Brasil, a partir de um decreto do presidente Jânio Quadros, de 27 de junho de 1961. A escolha levou em conta o fato de a espécie estar presente em todas as regiões do território nacional. Compartilhe também conhecimentos sobre como florescem no final do inverno, quando tudo está seco e árido. Assim, a explosão de beleza durante a floração chama ainda mais atenção e ocorre nesse período por ser o melhor para a disseminação das sementes.

Junte o grupo com o qual está trabalhando e peça que algum voluntário leia alto esse fragmento de poesia de Drummond. Sugira que quem estiver ouvindo fique de olhos fechados. Quando acabar, peça que abram os olhos e relatem o que sentiram e o que viram em suas mentes. Dê um papel a cada um e peça que escrevam algo sobre os ipês ou que os desenhe como puderem. Incentive que compartilhem suas impressões sobre essa atividade com todos.

Por último, compartilho a poesia de uma jovem que encontrei recentemente em uma reunião de conservacionistas, ex-alunos (alumni) do Education for Nature – WWF, realizado em Antigua, Guatemala. Bárbara I. Escobar Anleu declamou sua poesia em um “show de talentos” improvisado, sensibilizando profundamente a todos os presentes. Aliás, foi um presente às nossas almas!

Como si fuera selva/el ritual del permiso (Como se fosse uma selva/o ritual da permissão)

Pido permiso al entrar a la montaña, | Peço permissão ao entrar na montanha,
camino con cuidado | ando com cuidado
para no destruir el hogar de las arañas. |  para não destruir a casa das aranhas.

Cuido mis pasos | Eu observo meus passos
para no pisar el camino |para não pisar no caminho
de laboriosas hormiguitas. | de formiguinhas laboriosas

Pido perdón | Peço perdão
si en mi torpeza y cansancio | se na minha falta de jeito e cansaço

quiebro alguna rama. | quebro algum galho.

Me detengo para que las aves | Eu paro para que os pássaros
terminen de comer y no espantarlas. | terminem de comer e não os assuste.
Cierro los ojos para oler y disfrutar | Fecho os olhos para cheirar e aproveitar
de las flores, de los frutos, del bosque. | das flores, das frutas, do bosque.

Si con ese cuidado, respeto y ternura | Sim, com esse cuidado, respeito e ternura
trato a lo que tanto amo. | trato o que tanto amo.
¿Te imaginas que cuide tu corazón así, como si fuera selva? | Você pode imaginar que eu cuido do seu coração assim, como se fosse uma selva?

Como utilizar essa poesia na educação ambiental

Sugira que alguém leia a poesia em voz alta e peça aos demais que fechem os olhos. Incentive que descrevam o que sentiram e como imaginam que devem entrar em alguma mata daí em diante. Pergunte quais os aspectos dos cuidados relatados mais chamaram a atenção. Distribua uma folha de papel e peça que escrevam suas próprias poesias ou que desenhem o que sentiram durante a leitura. Quando pronto, sugira que compartilhem o que fizeram com o grupo e que reflitam sobre a atividade e sobre os sentimentos que emergiram.

São inúmeras as músicas e poesias que poderiam ter sido trazidas nesse texto. A ideia é despertar a riqueza que temos no Brasil e no mundo, não só na natureza de nossos biomas, mas nas culturas em geral. O universo disponível é imenso para ser utilizado em programas educacionais. As ideias aqui expostas visam despertar a curiosidade, a magia da criação e a reflexão do que podemos fazer para melhorar nosso planeta.

Temos que lutar contra as marés da destruição. Como bem disse Albert Schweitzer: “O mundo tornou-se perigoso, porque os homens aprenderam a dominar a natureza antes de se dominarem a si mesmos”. Esse pode ser um papel da educação ambiental: o de trazer ferramentas que ajudem a estancar o lado destruidor do ser humano, despertando seu senso de maravilhamento pela vida.

Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
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