Deputados querem proibir desapropriação de terras produtivas com crime ambiental

Comissão de Agricultura aprovou relatório de Marcel van Hattem (NOVO-RS) que proíbe desapropriação de terras produtivas, mesmo com desmatamento ou trabalho escravo

O relator da proposta, Dep. Marcel van Hattem (NOVO - RS). Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Para a Comissão de Agricultura da Câmara, propriedades rurais com registros de crimes ambientais ou de trabalho escravo não poderão ser desapropriadas caso sejam consideradas produtivas. É o que diz um relatório do deputado Marcel van Hattem (NOVO-RS) aprovado na comissão na semana passada (5). Ele altera e combina num novo texto – o chamado substitutivo – elementos do PL 4357/23, do deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), e do PL 4468/23, do deputado Benes Leocádio (UNIÃO-RN), e afronta diretamente uma decisão proferida no ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Em 5 de setembro do ano passado, o Supremo decidiu de forma unânime que, para não ser desapropriada, uma terra deve cumprir sua função social, nos termos do artigo 186 da Constituição e da lei 8629/93 – ou seja, deve, ao mesmo tempo, promover a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis, a preservação do meio ambiente e a observância da legislação trabalhista. O texto era contestado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que pedia que, para ser desapropriada, uma terra devesse ser necessariamente improdutiva, independentemente do descumprimento dos outros requisitos de função social.

Sem esconder a intenção de afrontar diretamente o entendimento do STF, e inclusive criticando-o diretamente, os dois projetos foram protocolados logo após o julgamento: o de Rodolfo Nogueira no mesmo dia 5 de setembro, e o de Benes Leocádio no dia 13 do mesmo mês. O relatório de van Hattem, apresentado na Comissão de Agricultura no dia 1º de dezembro, foi votado apenas na última quarta, após pedido de vista conjunta dos deputados Alceu Moreira (MDB-RS), Carlos Veras (PT-PE) e Coronel Assis (UNIÃO-MT).

Em seu voto, van Hattem justifica, para fazer as alterações, que “a medida faz-se necessária diante da recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3865” – citada acima – e que “cada vez mais a Corte que se diz Constitucional vem usurpando a competência do Congresso”. O deputado alega que o inciso II do artigo 185 da Constituição proíbe a desapropriação de terras produtivas.

Porém, como diz o parágrafo único do mesmo artigo 185, “a lei […] fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos à sua função social”. Já o artigo 186 diz que a função social é cumprida quando a propriedade atende, simultaneamente e com critérios e graus de exigência fixados por lei, o “aproveitamento racional e adequado”, a “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”, a “observância das disposições que regulam as relações de trabalho” e a “exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”. 

Boi na Floresta Nacional de Jamanxim. No papel, essa unidade deveria ter exploração controlada de madeira e produtos florestais. No mundo real, está se transformando em pasto. Foto: Bernardo Camara.

A lei que regulamenta esse artigo e fixa os critérios e graus de exigência é exatamente a 8629/93, em seu artigo 9º. O relatório aprovado na comissão acrescenta ao artigo 3º dessa lei um novo parágrafo, que diz que “nos termos do art. 185, II, da Constituição Federal, não é passível de desapropriação para fins de reforma agrária a propriedade produtiva”, mesmo que o parágrafo único do mesmo artigo 185 trate da função social da terra, e que o parágrafo seguinte da Constituição diga que a terra deva cumprir, ao mesmo tempo, requisitos de produtividade, ambientais e trabalhistas – como reforçou o STF, no ano passado.

substitutivo de Marcel van Hattem foi aprovado na comissão em votação simbólica – apenas os deputados Bohn Gass (PT-RS), Emanuel Pinheiro Neto (MDB-MT) e João Daniel (PT-SE) manifestaram voto contrário na sessão (a partir do minuto 43:47 da transmissão). Agora, o texto segue para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e, se aprovado, seguirá diretamente para o Senado.