Córregos e lagoas entre Mar do Norte e Rio das Ostras

Arthur Soffiati

Uma das praias do trecho costeiro entre Mar do Norte e Rio das Ostras. Foto do autor

Deixamos para trás a lagoa de Imboacica e chegamos a Mar do Norte. Trata-se de uma localidade com belíssimas praias e sempre ameaçada por algum empreendimento. O que constantemente se pretende é destruir a natureza para torná-la consumível para moradores e turistas. Pois entre Mar do Norte, Rio das Ostras, o mar e a RJ-106 (Rodovia Amaral Peixoto) ainda existe uma significativa área verde que corre o risco de desparecer no processo de conturbação de Macaé e Rio das Ostras. Nesse trecho costeiro, desembocam cinco riachos intermitentes. Talvez não tenham nomes ou esses nomes foram esquecidos. Em Rio das Ostras, perguntei a dois pescadores sobre a existência de mangues por perto. Responderam que só em Macaé ou rio das Ostras. Tão logo deixei a vila, encontrei um pequeno curso d’água com um afluente diminuto. Em sua foz, um único exemplar de mangue vermelho carregado de sementes, que pode ter prosperado ou sido eliminado depois que por lá passei em 2000.

Em longa e fascinante caminhada solitária, encontrei mais quatro desembocaduras com pouca ou nenhuma água, configurando intermitência. As praias são quase desertas e com nomes poéticos: da Família, Longa, do Encontro, das Pedras, da Sereia, do Imperador, dos Nobres, da Glória, do Paraíso, das Areias Monazíticas, das Conchinhas, da Reserva, do Itapebussus. Entre elas, erguem-se costões rochosos fascinantes. No topo de um, encontrei pequena população de mangue branco vivendo em condições atípicas para manguezais: falta de curso d’água, de estuário, de vertedouro de água doce, de marés. Se ela ainda existir, cabe aos especialistas explicar o desenvolvimento daquelas plantas em local impróprio.

Uma das praias do trecho costeiro entre Mar do Norte e Rio das Ostras. Foto do autor

Caminhei por essas praias absolutamente desacompanhado de pessoas humanas. Somente pessoas plantas e animais. De um lado, o mar. De outro, a mata. Numa das mãos, uma câmera fotográfica. Na outra, um gravador em que registrava minhas observações. De um lado, medo pela solidão. De outro, a alegria causada pela mesma solidão.  

Tive receio de entrar na mata para chegar nas lagoas que se estendem atrás dela ou entre ela. Sei que existem. A primeira situa-se em terreno logo após sair-se de Mar do Norte. Não conheço seu nome. Mais adiante, situa-se a lagoa da Reserva, com nítidas marcas de drenagem por longos canais para secar áreas úmidas. O mais longo deles, passa para o outro lado da Rodovia Amaral Peixoto. O espelho d’água da lagoa é barrado por uma larga faixa de areia, que a separa do mar. Por fim, a lagoa de Itapebussus, também separada do mar por uma barra de areia. A cidade de Rio das Ostras começa logo a seguir. Existem poucas informações antigas sobre essa tão fascinante área. 

Em 1815, proveniente de Cabo Frio, depois de cruzar os rios São João e das Ostras, o naturalista alemão Maximiliano de Wied-Neuwied chegou à lagoa de Itapebussus. Em suas palavras, “Alcançamos, a seguir, a fazenda de Tapebuçu, situada numa colina próxima ao mar, onde fomos recebidos cortesmente pelo proprietário, alferes de milícia. A posição dessa fazenda é muito agradável; logo por detrás erguem-se veneráveis florestas, dela separada apenas por um lago, no qual as árvores se espelham encantadoramente. A eminência em que se acha a casa olha para uma vasta planície, coberta por impenetrável mata, de cujo meio se ergue a Serra de Iriri, serra isolada e digna de nota, de quatro ou cinco picos cônicos, também cobertos pela mataria; mais à esquerda, para o sul, fica, solitário, o monte São João.”

O bicentenário da expedição de Maximiliano de Wied-Neuwied (final): de Cabo Frio a Macaé
Desenho modificado por autor anônimo de registro original de Maximiliano de Wied-Neuwied (“Viagem ao Brasil”)

Mas a lavoura já avançava sobre a floresta. Maximiliano prossegue a sua descrição: “As terras pertencentes à propriedade têm uma légua de comprimento e são parcialmente plantadas de mandioca e arroz; também se cultiva algum café. Na lagoa o peixe é abundante. Perto das habitações ficam laranjais, cujo esplêndido aroma atrai numerosos beija-flores.” No dia 16 de setembro, a expedição de Maximiliano partiu em direção a Macaé: “O caminho de Tapebuçu ao rio Macaé segue por vasto areal na extensão de 4 léguas, quase sempre ao longo da praia litorânea; aqui e ali, pequenos rochedos entravam pelo mar (…) Da praia arenosa sobe uma série de morros.” Maximiliano deixou um desenho da fazenda, que passou por ajustes na Europa a fim de figurar em sua “Viagem ao Brasil”. 

Em 1818, depois de atravessar o rio das Ostras, o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire caminhou por praias desertas até chegar a Macaé. Ele parecia meio desnorteado ao seguir o caminho de Maximiliano e não identificar os pontos que ele assinalou. Como trilhar o roteiro das praias sem notar a lagoa de Itapebussus? De Rio das Ostras, ele segue diretamente para Macaé, mencionando a lagoa da Boacica ou apenas Sica.

Na excursão que empreendi no ano de 2000, tracei, a pé, o mesmo caminho dos dois naturalistas, mas em sentido inverso. Saí de Macaé até Rio das Ostras, onde pernoitei. No dia seguinte, retomei a caminhada até a foz do rio São João, dando por encerrado o percurso em etapas a partir do rio Itapemirim, sul do Espírito Santo.

A costa entre Mar do Norte e Rio das Ostras começou a se definir a partir de 2 mil anos antes do presente. Primeiramente, o nível do mar era mais baixo e o continente mais extenso. Entre 7.000 e 5.100 anos antes do presente, o nível do mar subiu significativamente, invadindo o leito dos pequenos rios. Tudo levar a crer que as lagoas eram rios. Com o descenso do mar e com as intervenções humanas para drenagem de brejos, já no século XX, alguns rios perderam a competência de abrir ou manter suas barras abertas. Atualmente, a abertura das barras ocorre naturalmente por ocasião das chuvas volumosas ou por ação mecânica.

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Lagoas da costa examinada. Imagem Google Earth (05/02/2024)

Não se trata de empreender nenhuma ação para restaurar o funcionamento pretérito dos sistemas naturais, mas de protegê-los com uma Unidade de Conservação para evitar a conurbação de Macaé e Rio das Ostras. Estudos devem ser efetuados nos costões rochosos, nas florestas, nos córregos e lagoas. É certo que o trecho costeiro nos reserva surpresas que agradarão o mundo científico. Uma U.C. também contribuirá para a proteção de ecossistemas nativos e para a qualidade de vida em geral.  

Referências

MARTIM, Louis; SUGUIO, Kenitiro; José Maria Landim DOMINGUEZ; e Jean-Marie FLEXOR, Jean-Marie. Mapa geológico do Quaternário costeiro da metade norte do estado do Rio de Janeiro, escala 1:200.000. Belo Horizonte: Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, 1997.

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelo Distrito dos Diamantes e litoral do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1974.

SOFFIATI, Arthur. Relatório da excursão científica empreendida entre a lagoa de Imboacica e Rio das Ostras. Campos: 16/08/2001.

WIED-NEUWIED, Maximiliano de. Viagem ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1989.