As unidades de conservação (UCs) têm seus regimes definidos na Lei nº 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc). Tal norma tem como principal escopo regulamentar o artigo 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição de 1988, que impõe ao poder público o dever de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, de preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético, de definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção e de proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Tais espaços territoriais têm como objetivo principal garantir a preservação e/ou conservação do ambiente, de modo que os usos permitidos sejam capazes de garantir a defesa do meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Nenhuma das unidades de conservação do Brasil garante a não intervenção humana absoluta dos espaços que lhes são reservados. Em todas elas admite-se intervenções antrópicas, às quais podem ser maiores ou menores, a depender dos usos permitidos, que podem ser o uso direto ou o uso indireto dos recursos ambientais.
Para que as referidas unidades de conservação possam cumprir a finalidade para a qual foram criadas, precisam ser regidas por disposições específicas que disciplinem, de forma clara e direta, que usos, práticas e ações podem ser conduzidos em seus limites territoriais. Há situações diversas que podem recomendar a criação de unidades de conservação com características específicas, o que pode variar de acordo com as diferentes necessidades de preservação de cada espaço.
Há espaços já ocupados por comunidades tribais (silvícolas), tradicionais ou quilombolas, outros densamente povoados, outros que constituem, por exemplo, áreas de recarga do aquífero, ou ainda espaços contendo fragmentos de vegetação nativa e primária que detém em seu interior espécies da fauna e/ou da flora ameaçados de extinção, ou outros com relevância ecológica destacada, o que não é raro de se encontrar em um “país-continente” como o Brasil, dotado de uma das biodiversidades mais relevantes do planeta.
Natureza jurídica
Neste sentido, não há disciplina mais específica e clara sobre usos e não usos necessários em espaços protegidos do que os planos de manejo. Qual seria a natureza jurídica desse importante instrumento e de que forma eles se materializam? Através de leis, decretos, portarias, resoluções, ou o quê? É sobre essa questão que nos debruçamos em pesquisa por meio deste curto ensaio.
O inciso XVII do artigo 2º da Lei nº 9.985/2000 dispõe que plano de manejo é um documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade.
A referida lei estabelece, de forma direta e clara, em seu artigo 27, que as unidades de conservação devem dispor de um plano de manejo, o qual tem ainda um regulamento específico que detalha sua natureza jurídica e objetivos, a saber, o Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002, o qual trataremos em detalhes a seguir.
Spacca
Não se deve olvidar que o plano de manejo deve abranger a área da unidade de conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas (§1º do artigo 27 da Lei nº 9.985/2000). A lógica da norma é que não se visa proteger apenas o interior de uma unidade de conservação, mas garantir o fluxo gênico entre as espécies e restauração das funções ecológicas dos ecossistemas associados, em territórios ampliados.
Outro regramento claro presente na lei em tela é que na elaboração, atualização e implementação do plano de manejo das reservas extrativistas, das reservas de desenvolvimento sustentável, das áreas de proteção ambiental e, quando couber, das florestas nacionais e das áreas de relevante interesse ecológico, será assegurada a ampla participação da população residente (§1º do artigo 27 da Lei nº 9.985/2000), isso porque nessas unidades de conservação há uma integração entre necessidades físicas (ambientais), sociais e econômicas, tendo em vista que admite-se que populações habitem em seu interior.
Prazo
Há ainda disposição que exige que o plano de manejo de uma unidade de conservação deve ser elaborado no prazo de cinco anos a partir da data de sua criação (§3º do artigo 27 da Lei nº 9.985/2000) e que este pode dispor sobre as atividades de liberação planejada e cultivo de organismos geneticamente modificados nas áreas de proteção ambiental e nas zonas de amortecimento das demais categorias de unidade de conservação, observadas as informações contidas na decisão técnica da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) sobre:
a) o registro de ocorrência de ancestrais diretos e parentes silvestres;
b) II – as características de reprodução, dispersão e sobrevivência do organismo geneticamente modificado;
c) o isolamento reprodutivo do organismo geneticamente modificado em relação aos seus ancestrais diretos e parentes silvestres; e
d) situações de risco do organismo geneticamente modificado à biodiversidade (§4º do artigo 27 da Lei nº 9.985/2000, incisos I a IV).
Não se deve ignorar este aspecto, ainda mais considerando-se o fato de que o Brasil é uma potência do agro em escala mundial e que organismos geneticamente modificados são uma realidade no contexto socioeconômico em nossa cadeia produtiva, voltada tanto ao mercado interno como ao mercado internacional.
Proibições
A Lei nº 9.985/2000 dispõe ainda, de forma cristalina e objetiva, em seu artigo 28, que são proibidas, nas unidades de conservação, quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os seus objetivos, o seu plano de manejo e seus regulamentos. Neste sentido, vale destacar que não faz sentido a criação de unidades de conservação, visando a realização de objetivos específicos e logo em seguida permitir-se a flexibilização de usos não permitidos por regramento legal.
Como há uma lacuna prevista na própria lei para a criação de um plano de manejo de unidades de conservação, deve-se observar o regramento previsto no parágrafo único do artigo 28 da lei em tela, que exige que até que seja elaborado o plano de manejo, todas as atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação de proteção integral devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger, assegurando-se às populações tradicionais porventura residentes na área as condições e os meios necessários para a satisfação de suas necessidades materiais, sociais e culturais.
Convém ainda ressaltar a importância do Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002, que regulamentou artigos da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, tratada nos parágrafos anteriores. A referida norma regulamentadora dispõe sobre os planos de manejo nos artigos 12 a 16.
Já no artigo 12, dispõe que os planos de manejo da unidade de conservação, elaborados pelo órgão gestor, ou pelo proprietário quando for o caso, deve ser aprovado: a) em portaria do órgão executor, no caso de estação ecológica, reserva biológica, parque nacional, monumento natural, refúgio de vida silvestre, área de proteção ambiental, área de relevante interesse ecológico, floresta nacional, reserva de fauna e reserva particular do patrimônio natural; b) em resolução do conselho deliberativo, no caso de reserva extrativista e reserva de desenvolvimento sustentável, após prévia aprovação do órgão executor.
Instrumentos
Dessa forma, já temos a resposta. Uma unidade de conservação deve ser criada por lei, que dispõe sobre os seus objetivos e características em linhas macro, de acordo com a disciplina e diretrizes previstas na Lei nº 9.985/2000, que criou o Snuc. No entanto, os planos de manejo de tais unidades materializam-se através de portarias emitidas pelo órgão gestor ou por resoluções do conselho deliberativo, dependendo do tipo de unidade de conservação, conforme disposto no parágrafo anterior.
Frise-se ainda, por oportuno, que o decreto em comento dispõe em seu artigo 13 que o contrato de concessão de direito real de uso e o termo de compromisso firmados com populações tradicionais das reservas extrativistas e reservas de uso sustentável devem estar de acordo com o plano de manejo, devendo ser revistos, se necessário. Tal flexibilidade mostra-se necessária, tendo em vistas as especificidades de cada espaço territorial e contexto geográfico.
Nada foge à orientação normativa para edição dos referidos planos de manejo das unidades de conservação no Brasil. Nesse sentido, note-se o teor do artigo 14, que explicita que os órgãos executores do Snuc, em suas respectivas esferas de atuação, devem estabelecer, no prazo de 180 dias, a partir da publicação do supracitado decreto, roteiro metodológico básico para a elaboração dos planos de manejo das diferentes categorias de unidades de conservação, uniformizando conceitos e metodologias, fixando diretrizes para o diagnóstico da unidade, zoneamento, programas de manejo, prazos de avaliação e de revisão e fases de implementação. Tal uniformidade apresenta-se como algo indispensável ao estabelecimento de um mínimo de exigências que caracterize os planos de manejo e facilitem a sua identificação e aplicação.
Proteção, fiscalização e publicidade
Por fim, o regulamento em tela é bastante enfático no sentido de afirmar, em seu artigo 15, que a partir da criação de cada unidade de conservação e até que seja estabelecido o plano de manejo, devem ser formalizadas e implementadas ações de proteção e fiscalização. Trata-se de dispositivo fundamental, tendo em vista que durante cinco anos após a criação da unidade de conservação respectiva, ela pode ainda não dispor de plano de manejo (período legal máximo para elaboração desses).
Por fim, convém recordar que, em nome dos princípios da informação, publicidade e participação, os quais regem o Direito Ambiental brasileiro, o plano de manejo aprovado deve estar disponível para consulta do público na sede da unidade de conservação e no centro de documentação do órgão executor, o que faz por exigência direta do artigo 16 desse mesmo regulamento.
Com base em texto do próprio Ministério do Meio Ambiente, do governo federal, o plano de manejo é um documento consistente, elaborado a partir de diversos estudos, incluindo diagnósticos do meio físico, biológico e social. Estabelece as normas, restrições para o uso, ações a serem desenvolvidas e manejo dos recursos naturais da UC, seu entorno e, quando for o caso, os corredores ecológicos a ela associados, podendo também incluir a implantação de estruturas físicas dentro da UC, visando minimizar os impactos negativos sobre a UC, garantir a manutenção dos processos ecológicos e prevenir a simplificação dos sistemas naturais.
Vale ainda registrar o teor informativo dessa publicação oficial ao frisar que uma das ferramentas mais importantes de um plano de manejo é o zoneamento da unidade de conservação, que a organiza espacialmente em zonas sob diferentes graus de proteção e regras de uso. O plano de manejo também inclui medidas para promover a integração da unidade de conservação à vida econômica e social das comunidades vizinhas. É também neste documento que as regras para visitação da são elaboradas.
Conclusão
Desta forma, conclui-se que os planos de manejo das unidades de conservação possuem uma natureza jurídica híbrida, envolvendo aspectos técnicos e normativos.
Embora a Lei nº 9.985/2000 não especifique claramente a forma normativa para a instituição dos planos de manejo, o decreto que a regulamenta (Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002) dispõe, de forma clara, que estes podem se revestir das seguintes formas, após aprovados: I) portaria do órgão executor, no caso de estação ecológica, reserva biológica, parque nacional, monumento natural, refúgio de vida silvestre, área de proteção ambiental, área de relevante interesse ecológico, floresta nacional, reserva de fauna e reserva particular do patrimônio natural; e II) resolução do conselho deliberativo, no caso de reserva extrativista e reserva de desenvolvimento sustentável, após prévia aprovação do órgão executor.
A correta elaboração e implementação dos planos de manejo são essenciais para a eficácia das políticas de conservação e para a proteção do meio ambiente. A doutrina nacional, de forma uníssona, reforça essa necessidade, atribuindo ao poder público a responsabilidade de garantir que as unidades de conservação sejam geridas de maneira eficiente e sustentável.
Portanto, é fundamental que os gestores ambientais e os operadores do direito compreendam a importância dos planos de manejo e utilizem os instrumentos normativos adequados para sua instituição e execução. Somente assim será possível assegurar a preservação dos recursos naturais e a promoção do desenvolvimento sustentável nas unidades de conservação do Brasil, cumprindo o disposto no artigo 225 da Constituição de 1988 e garantindo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 29 de julho de 2024;
BRASIL. Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4340.htm>. Acesso em 29 de julho de 2024;
BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm>. Acesso em 29 de julho de 2024;
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Plano de Manejo. Disponível em: <https://antigo.mma.gov.br/areas-protegidas/unidades-de-conservacao/plano-de-manejo.html>. Acesso em 29 de julho de 2024;