A primeira pergunta que surge ao se pensar um projeto de educação ambiental é: qual o propósito? Que objetivo leva alguém a se propor a elaborar um projeto? O que precisa ser feito?
Em geral, o propósito aparece antes de se pensar um projeto. Por exemplo, uma espécie em extinção que precisa ser salva, um rio que está sendo assoreado, o uso indiscriminado de agrotóxicos em uma região ou mesmo questões urbanas, como falta de árvores em um determinado bairro ou um parque que precisa de cuidados. O desconforto com questões como essas pode ser a força motriz que leva uma pessoa ou grupo a querer criar possíveis soluções.
Escrevi um artigo no Fauna News em que descrevo um modelo de avaliação contínua que inclui Planejamento, Processo e Produto (PPP). Utilizo há muitos anos essa estrutura como base para elaborar projetos, porque me auxilia a definir o que precisa ser considerado para que as ações programadas sejam bem pensadas e direcionadas ao que se propõe. Claro que existem questões imprevisíveis que surgem no decorrer de qualquer processo novo. Colocar a mão na massa é criar continuamente soluções e novas perguntas que muitas vezes surgem como urgentes. Mas algumas precauções devem estar no radar de quem deseja implementar um projeto de educação ambiental.
Adequar o projeto à realidade é caminho para o sucesso
Educação é um processo que depende de estímulos que precisam ser coerentes com a realidade. Mas as realidades variam de acordo com contextos, culturas e meios sociais em que as questões ocorrem. Por isso, é fundamental que se conheça o mais detalhado possível as nuances e sutilezas regionais. Quais as crenças que conduzem as decisões? Qual o perfil do público que vem causando o problema e quem são as pessoas que podem contribuir para transformar o indesejado?
Importante ressaltar que nem sempre se trata de um problema que se deseja sanar e sim a continuidade do que se quer manter. Por exemplo, proteger uma área natural que está em bom estado de conservação ou valorizar tradições que ajudam a proteger a fauna ou a flora de uma determinada região.
Mas alguns cuidados são fundamentais na formulação de qualquer projeto que busca apoio coletivo, como entrar respeitosamente em contato com grupos locais envolvidos com as questões que são foco da iniciativa, sem embate, mas mantendo postura clara que defina o porquê se quer agir. É preciso abrir portas para um diálogo que traga aliados à causa em questão.
Esse “dever de casa” de melhor conhecer a realidade e os atores locais antes de se iniciar qualquer atividade educacional é indispensável. Isso porque a linguagem e as abordagens precisam ser coerentes com o público e com as realidades regionais.
É comum se ver projetos que não dão resultados por motivos diversos, mas, em geral, o principal é porque a etapa de planejamento não foi bem feita. A linguagem precisa ser adequada ao público e as necessidades regionais levadas em conta para que os envolvidos sejam coautores do que for feito.
Às vezes também falta um animador que monitore continuamente o andamento das etapas e motive as pessoas a se engajarem, o que não quer dizer “convencer” os demais a seguirem um líder. Essa seria a antítese do que se pensa como ideal, pois educação é o processo de empoderamento individual mais eficaz quando bem conduzido. É ajudar cada um a desenvolver seu talento e que ele seja somado a um todo almejado coletivamente. Ou seja, o engajamento precisa ser voluntário e movido por um propósito que ressoe como pertencente ao desejo comum.
Na era digital em que estamos vivendo, nem sempre é fácil construir relações sólidas. Mas que mecanismos virtuais podem servir como instrumentos para se incentivar encontros presenciais, que ainda são indiscutivelmente valiosos. Nada como olho no olho, quando é possível, para se travar relações duradouras.
Uma barreira que precisa ser quebrada é que, infelizmente, a cultura dominante é movida pelo individualismo e competição e não pela cooperação por ideais comuns. Por isso, é fundamental que o propósito seja escolhido pela maioria. Quando o tema reverbera como algo importante, tem maiores chances de ser incorporado por muitos e, assim, as portas se abrem para trabalhos conjuntos.
Exemplos de projetos em escolas
Alguns temas muitas vezes se tornam sem interesse no decorrer do tempo, como reciclagem no ambiente escolar. A separação de resíduos e a entrega a destinos corretos é de fundamental importância, mas envolver o público escolar nem sempre dá certo. Isso porque o resultado é “abstrato” para quem faz a coleta inicial e traz os materiais para os determinados locais de destino. As pessoas precisam perceber o impacto de suas ações – onde elas fazem a diferença. Isso implica manter contato com catadores e recicladores para compreender como a ação individual traz benefícios tangíveis para outros. Muitas escolas se envolvem com reciclagem e as iniciativas morrem sem que elas percebam o porquê.
Seja qual tema for, mesmo que em graus tímidos de participação no início, deve-se buscar envolver o poder público local nas iniciativas (pode ser via departamentos de meio ambiente, estrutura, educação), para progressivamente haver uma contribuição mais consolidada, chegando a influenciar uma política pública municipal, por exemplo, para reforçar o apoio ao tema do projeto em desenvolvimento.
Hortas também têm sido adotadas, mas nem sempre com sucesso. Pude observar exemplos de hortas que deram certo em meios rurais, onde uma professora ou coordenadora assume a liderança e ajuda a promover ações conjuntas. Mas, em muitos casos, não progridem com o entusiasmo com que se iniciou.
Exemplos bem-sucedidos
Um exemplo que teve bastante êxito foi do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas em Teodoro Sampaio (SP), coordenado pela Maria das Graças de Souza (Gracinha), focado na arborização urbana do município com adolescentes das escolas locais junto com a equipe de educação ambiental, composta por estagiários e educadores. Primeiro houve uma capacitação sobre como produzir mudas de árvores nativas da Mata Atlântica e os benefícios de se as plantar, por conta do sombreamento e do consequente frescor do ambiente, do fornecer abrigo para insetos, pequenos répteis (lagartos) e pássaros, que careciam de locais onde construir seus ninhos, do embelezamento da cidade e de contribuições para mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.
Outro assunto que fez parte dessa etapa de preparação foi explicar as espécies nativas disponibilizadas pelo IPÊ para essa atividade. Cada árvore, com suas características, traz benefícios múltiplos para as pessoas e para o meio ambiente. A necessidade da diversidade, assim, foi mais bem compreendida e as escolhas de quem planta o que, também aceita pelos participantes. O compromisso de cuidar até que “sua” árvore ficasse independente foi firmado por todos e cumprido pela maioria. E deu certo!
Hoje, Teodoro Sampaio conta com uma quantidade imensa de árvores frondosas que ajudam a refrescar o ambiente urbano em uma região onde o calor atinge mais de 45 graus com frequência no verão.
Uma história que indica o sucesso dessa iniciativa, além do visível embelezamento da cidade, é que um carro dirigido por algum motorista descuidado ou embriagado atropelou uma das árvores plantadas pelos adolescentes. Moradores registraram queixa-crime contra o motorista, que foi obrigado a ressarcir o dano, plantando uma nova árvore no mesmo local. Ou seja, a iniciativa foi incorporada e assumida pela coletividade.
Outro exemplo bem-sucedido foi um programa de mais longo prazo na mesma região: os “Workshops de Educação e Conservação Ambiental”. Esses eventos ocorreram por muitos anos consecutivos, sempre ao final do ano letivo, com duração de uma semana inteira.
Durante o planejamento escolar, em geral janeiro ou fevereiro, os gestores de ensino regionais se reuniam para identificar os temas que seriam trabalhados durante o ano em suas respectivas escolas. Como educação ambiental é idealmente transversal, eram sugeridos conteúdos que poderiam ser incluídos nas disciplinas de língua portuguesa, ciências, matemática, artes, educação física, entre outras. Cada escola elaborava um projeto com características condizentes com a temática proposta. Exemplos de temas foram espécies da flora e da fauna presentes na região, cursos d’água e suas características, produção de abelhas e seu papel como polinizadores, hortas e arborização dentro das escolas, viveiro de mudas de árvores para suprir a rearborização urbana, a valorização da Ciência com entrevistas, registros e resultados.
No decorrer do ano letivo, esses temas foram trabalhados e ao final, nos workshops, os resultados expostos nesse grande evento aberto à comunidade em geral. Chegamos a receber um total de 14 mil visitantes na somatória de todos os dias de um só workshop. Grupos escolares e da comunidade local percorriam os diversos projetos apresentados e muitos entusiastas voltavam com familiares e amigos.
Essas observações decorrem de experiências de campo pessoais ou de orientação de alunos. O IPÊ fundou a Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade – ESCAS, por meio da qual oferece diversos cursos e um mestrado. Existe também o Circuito ESCAS, que oferece aprendizagens em educação ambiental, além de um curso assíncrono/EAD em fase final de refinamento. Como professora de educação ambiental da ESCAS, já tive a honra de orientar alunos de diversas partes do Brasil e da América Latina em temáticas incluídas neste artigo. Alguns exemplos aqui mencionados derivam dessas oportunidades.