Após viver por 27 anos em Campos dos Goytacazes e ter até título de cidadania, confesso que ainda consigo me surpreender com o nível de conservadorismo que pulula na terra de Benta Pereira. Vejamos por exemplo o caso da Lei No. 9.532 de 22 de outubro de 2024 que acaba de ser sancionada pelo prefeito Wladimir Garotinho, e que foi publicada na última 5a. feira (13/11) pelo Diário Oficial do Município (ver imagem abaixo).
Logo no seu caput, a Lei No. 9.532 estabelece que se “assegura aos pais e responsáveis o direito de vedar a participação de seus filhos ou tutelados em atividades pedagógicas relacionadas à ideologia de gênero nas escolas públicas e privadas localizadas no Município de Campos dos Goytacazes”.
Além de interferir na liberdade de cátedra, o que me parece inconstitucional, a que de fato se refere a possibilidade dada para que país ou responsáveis vedem a participação de seus filhos em “atividades de pedagógicas relacionadas à questão de gênero”?
Isso fica claro no parágrafo único do Artigo 1o. da lei que define ideologia de gênero como abrangendo “aquelas que abordam temas relacionados à identidade de gênero, orientação sexual, diversidade sexual, igualdade de gênero e outros assuntos similares”.
Ainda que alguns pais ou responsáveis possam não aprovar o debate sobre identidade, orientação e diversidade sexual, como é possível que se possa ter uma lei que impeça o debate sobre igualdade de gênero? Se o prefeito ainda não se deu ao trabalho de ler os veículos da mídia campista, é preciso dizer a ele que vivemos em um dos municípios com as mais altas taxas de feminicídio no Brasil, e talvez da América Latina.
Há que se lembrar, por exemplo, o recente assassinato de Eliana de Lima Tavares, que morreu após ser barbaramente atropelada pelo filho, o estudante de Medicina, Carlos Eduardo Tavares de Aquino Cardoso. Apurações posteriores identificaram que Eliana fora agredida fisicamente pelo filho antes de ser atropelada e morta.
O pior é que sendo professor de jovens adultos há quase 3 décadas, sou testemunha de que vivemos uma época em que em vez de proibir os debates em torno das questões envolvendo a sexualidade humana, o que deveríamos é garantir que nossas escolas sejam espaços onde nossas crianças e jovens possam ter acesso a materiais que orientem e eduquem, em vez de tentar sufocar o processo pedagógico e criminalizar quem queira educar.
Como corresponsável pela educação de um adolescente, eu sou testemunha de como tem sido importante para ele ter um ambiente escolar onde as questões sobre relações de gênero (já que ideologia de gênero só existe mesmo nos manuais da extrema-direita) podem ser debatidas livremente. É graças à possibilidade de uma educação que aborda essas questões de forma didaticamente responsável, que posso testemunhar o desenvolvimento de um ser humano que já entende suas responsabilidades e limites na relação com as mulheres. Tolher esse tipo de formação, sob quaisquer argumentos que sejam, é um grande desserviço que está sendo cometido contra nossa juventude.
Ao prefeito Wladimir, só posso dizer que ao assinar essa lei, ele deu uma tremenda bola fora. Lamentável!