O Brasil precisa inserir, com urgência, a indústria 4.0 no centro de suas estratégias de política industrial a fim de preservar e aumentar a competitividade do país. A política industrial brasileira voltada a desenvolver a indústria 4.0 ou manufatura avançada no país, contudo, deverá abranger um conjunto amplo de ações que terão de ir muito além da difusão e adoção de tecnologias.
A avaliação foi feita no 3º Fórum de Manufatura, realizado nos dias 19 e 20 de março, em São Paulo. “A agenda da indústria 4.0 no Brasil será difícil e complexa em razão da própria heterogeneidade da indústria brasileira, que faz com que não exista uma solução única para o setor”, disse Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, durante o evento.
“A política industrial voltada a estimular o desenvolvimento da indústria 4.0 no Brasil precisará contemplar um conjunto de temas como, além da difusão e adoção de tecnologias, a criação e o desenvolvimento de novas soluções tecnológicas, questões regulatórias, capacitação de mão de obra e criação de startups, entre outros”, disse Pacheco.
Segundo ele, há um conjunto de indústrias no Brasil que precisa ter acesso às principais tecnologias habilitadoras da indústria 4.0, como Internet das Coisas (IoT), big data, robótica avançada e inteligência artificial.
Pacheco destaca que a política industrial brasileira voltada ao desenvolvimento da indústria 4.0 deverá dar suporte para que empresas provedoras dessas tecnologias já existentes, como fabricantes de máquinas e equipamentos, além de softwares e serviços, sejam capazes de melhorar a difusão e a adoção dessas soluções por esse conjunto de indústrias, a fim de melhorar o funcionamento e a competitividade delas.
Para promover a difusão dessas tecnologias de forma ampla será preciso criar um conjunto de instrumentos, a exemplo dos que foram elaborados para implementar, no início da década de 1990, o programa de qualidade no Brasil, comparou Pacheco.
“Para implementar o programa de qualidade foram criadas fundações específicas, como a Fundação Nacional da Qualidade, e um conjunto de instrumentos para difundir boas práticas de qualidade. Precisamos agora, também, para desenvolver a indústria 4.0 no Brasil, de um conjunto de instrumentos que possibilitem difundir as tecnologias necessárias e dar condições, em termos de financiamento, facilidade de acesso e formação de recursos humanos específicos, para que as indústrias possam adotá-las”, disse.
De acordo com o diretor-presidente da FAPESP, simultaneamente a esse processo de difusão de tecnologias é preciso estimular empresas estabelecidas no país a desenvolver novas soluções tecnológicas voltadas à indústria 4.0. Para isso, as agências de fomento à pesquisa no país, como a FAPESP, podem desempenhar um papel estratégico, avaliou.
“A FAPESP tem três programas de apoio especificamente voltados à pesquisa em cooperação com empresas e definiu a manufatura avançada como um dos temas estratégicos para atuação da instituição em médio e longo prazo”, disse Pacheco.
Parceria com empresas
Um dos programas que a FAPESP mantém de apoio à pesquisa em parceria com empresas é o Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (PITE).
O programa tem como objetivo intensificar o relacionamento entre universidades e institutos de pesquisa com empresas por meio da realização de projetos de pesquisa cooperativos e cofinanciados.
“Já temos mais de 200 projetos realizados em parceria, em geral, com grandes empresas nesse programa, em que lançamos chamadas para que grupos de pesquisadores ligados a universidades e instituições de pesquisa em São Paulo possam desenvolver soluções em cima de uma agenda de pesquisa definida pelas indústrias”, disse Pacheco.
Outro programa de apoio à pesquisa em colaboração com empresas mantido pela FAPESP é o Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE).
O PIPE apoiou ao longo de seus mais de 20 anos de existência mais de 1,2 mil empresas e bateu recentemente o quarto recorde consecutivo em número de projetos e em valores contratados. Em 2017, foram contratadas 237 novas propostas submetidas por startups, pequenas e médias empresas, em um valor total de R$ 79,8 milhões (leia mais em http://agencia.fapesp.br/27361).
“Curiosamente, as empresas que temos financiado por meio do PIPE nos últimos três anos têm grande foco no desenvolvimento de tecnologias associadas à manufatura avançada. Mais de 50% desenvolvem pesquisas relacionadas à big data, inteligência artificial, automação e temas correlatos”, disse Pacheco.
Mais recentemente, no âmbito do PITE, a FAPESP lançou os Centros de Pesquisa em Engenharia (CPE), que têm como objetivo implementar a pesquisa colaborativa, multidisciplinar e na fronteira do conhecimento com empresas em áreas diversas, com financiamento de longo prazo, por um período de até 10 anos.
Em 2017, a FAPESP lançou uma chamada de proposta voltada a selecionar empresas parceiras para, juntas, constituírem Centros de Pesquisa especificamente em Engenharia em Manufatura Avançada em áreas como big data, inteligência artificial, digitalização, virtualização e sensores a serem sediados em universidades ou institutos de pesquisa do Estado de São Paulo.
No total, a FAPESP recebeu 12 propostas de manifestação de interesse de indústrias em criar centros de engenharia nesses temas. As propostas estão em avaliação.
“Ficamos muito contentes com o resultado dessa chamada. Algumas das propostas são extraordinariamente interessantes e avançadas. Mas ainda é pouco para o que tem que ser feito para desenvolver a manufatura avançada no Brasil nos próximos anos”, disse Pacheco.
A chamada também apresentava a oportunidade de empresas formarem consórcios pré-competitivos voltados à realização de projetos de pesquisa em conjunto. O número de propostas desse tipo, contudo, ficou muito aquém da expectativa, disse Pacheco.
“Há uma dificuldade no Brasil de conseguir construir soluções que em vários lugares do mundo são relativamente comuns. Os grandes centros que foram criados e espalhados pelos Estados Unidos por meio do programa norte-americano de manufatura avançada são basicamente consórcios pré-competitivos com a participação de 200, 300 associados, entre empresas, universidades e centros de pesquisa”, disse.
Segundo Pacheco, no caso do Brasil, muito do que precisará ser feito para desenvolver a indústria 4.0 ou manufatura avançada no país também requererá um esforço de criar capacitação e condições para as empresas poderem avançar por conta própria.
“Cada empresa vai criar suas próprias soluções, ter seus produtos e suas soluções proprietárias para poderem ofertá-los. Mas há muitas coisas que precisam ser feitas de forma pré-competitiva, em um esforço conjunto de várias empresas”, avaliou.
Velocidade maior
Na avaliação de João Emilio Gonçalves, gerente executivo de política industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a disseminação das tecnologias da indústria 4.0 terá uma velocidade imensamente maior do que em momentos anteriores de transformação da forma de produzir.
“A chegada e a consolidação da indústria 4.0 será muito mais rápida do que em casos anteriores. Por essa razão, as principais nações industrializadas inseriram o desenvolvimento da indústria 4.0 no centro de suas estratégias de política industrial para preservar e aumentar sua competitividade”, disse Gonçalves.
O Brasil precisa com urgência se adequar a essa realidade, uma vez que, na opinião dele, a capacidade de a indústria nacional competir internacionalmente dependerá da habilidade do país de promover essa transformação.
“A indústria 4.0 está aí, é a nossa chance, não podemos perder esse bonde. Desperdiçar a oportunidade criada pela indústria 4.0 será imperdoável”, disse Gonçalves.
Segundo ele, o Brasil terá um duplo desafio para se inserir na realidade da indústria 4.0: buscar a incorporação e o desenvolvimento das soluções tecnológicas e ter agilidade para evitar que a distância em termos de competitividade para os principais competidores aumente.